RIO - A Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês) e a Pro-Música (associação que reúne as maiores gravadoras em atividade no Brasil) divulgaram nesta terça-feira os relatórios sobre o desempenho do setor em 2018. Depois de ter atravessado o inferno na década passada, quando a pirataria física e serviços de compartilhamento de arquivos como Napster se popularizaram, o mercado de música consolida a tendência de crescimento nos últimos anos — no Brasil, ele foi de 15,4%, enquanto que a média mundial foi de 9,7%. O desempenho positivo foi impulsionado pelos serviços de streaming (de plataformas como Spotify, Deezer e Youtube), que aqui cresceram 46% com relação a 2017 e no mundo todo resgistraram um aumento de 34%.
O relatório da IFPI indica crescimento em todas as regiões do globo — com um indicativo de estabilidade na Europa, que registrou aumento de apenas 0,1%. Nos outros continentes, os números são mais significativos: América Latina (16,8%); América do Norte (14,2%); e Ásia e Oceania (11,7%). O faturamento mundial da indústria fonográfica em 2018 foi de US$ 19,1 bilhões — o mercado brasileiro responde por US$ 298,8 milhões desse montante.
A indústria comemora — com razão. Mas o olhar atento sobre os dados traz questões que vão além da simples boa notícia. Por exemplo: por que o mercado brasileiro cresceu acima da média mundial (algo que já havia ocorrido nos últimos anos)? Ou: o streaming ainda tem potencial de seguir impulsionando a indústria? Ou ainda curiosidades como: por que em países como o Japão, contrariando a tendência mundial, o produto físico (CDs e DVDs) continua ganhando força?
Para responder a essas e outras perguntas, traçando uma radiografia dos relatórios, conversamos com Paulo Rosa, presidente da Pro-Música. Leia a entrevista abaixo.
Por que o crescimento no Brasil foi maior do que a média mundial?
"O crescimento do mercado digital aqui no Brasil foi retardado em relação a outros países do mundo. Tanto os modelos de download quanto de streaming demoraram a entrar no Brasil. A Apple, por exemplo, começou a vender música aqui no Brasil só em 2011, quando já vendia lá fora desde 2003. O Brasil registra agora um crescimento que já foi registrado em outros mercados há alguns anos."
O streaming ainda tem potencial para continuar crescendo e impulsionando o mercado fonográfico?
"Isso depende do território. A Europa, que já tem o streaming popularizado há bem mais tempo do que o Brasil, tem dado sinais de que chegou à maturidade, com taxas de crescimento menores. Mas aqui esse momento está longe. A população brasileira é de 209 milhões de pessoas, oq ue nenhum país europeu tem, e 128 milhões estão conectados, são usuários de internet. Se pensarmos que apenas cerca de 10 milhões de pessoas — uma aproximação, não temos os números exatos — assinam serviços de streaming de música, vemos que há muito o que crescer ainda. As assinaturas tem crescido num, ritmo de 53% ao ano, os preços estão praticamente estáveis desde o início do serviço aqui. E essas assinaturas puxam o mercado, já que elas responderam em 2018 por US$ 151,6 milhões, que é maior parte do faturamento do setor digital (US$ 207,8 milhões) ."
O que está incluído no mercado digital?
"Além das assinaturas de streaming, há o dinheiro de publicidade gerado pelas ferramentas de streaming (os usuários que não pagam assinatura são expostos à propagandas, que remunera o mercado). É um faturamento bem menor do que o das assinaturas, em 2018 no Brasil foram US$ 18,8 milhões. Além disso, o mercado digital inclui o download e os produtos pra celular, como ringback tones (música que as pessoas ouvem quando ligam, enquanto esperam ser atendidas) e ringtones (que são usados como toque dos telefones) ."
Além do digital e do físico, o que compõe a receita da indústria fonográfica?
"A sincronização, que é a inclusão de música em obras audiovisuais ou em publiidade, e os direitos de execução pública, que são a parte da arrecadação do Ecad destinada a gravadoras e intérpretes. Os direitos dos autores não estão incluídos aí nesses números."
Por que o streaming conseguiu recuperar o crescimento da indústria fonográfica depois de anos seguidos de encolhimento?
"Em função de todas as mudanças de hábito de consumo provocados pela internet, o que inclui a pirataria e o P2P (compartilhamento de arquivos diretamente entre usuários) , a música perdeu seu valor como produto. Esse valor foi recuperado pelo mercado digital, primeiro via download, que cresceu por muitos anos (e em 2018 caiu 21,2%, uma tendência que vem se mantendo) , e mais recentemente via streaming. O streaming oferece algo que a pirataria nunca ofereceu, a um custo bastante acessível. Você tem uma jukebox celestial com praticamente toda a música do mundo para ouvir do jeito que quiser, na hora que quiser. Você monta suas playlists, ouve playlists dos outros... Você tem um volume, uma funcionalidade e um jeito de interagir com a música que você nunca teve nas maiores lojas de disco do mundo."
O mercado físico (CDs e DVDs) — que caiu 10% no mundo em 2018, num movimento que vem de alguns anos — segue crescendo em países como Japão (2,3%), Coreia do Sul (28,8%) e Índia (21,2%). O que explica isso?
"A Índia é difícil de explicar, porque é um mercado muito novo para a indústria ocidental. Já Coreia e Japão combinam características culturais e a existência de uma rede de varejo que atenda a essa demanda, lojas que não existem mais dessa forma e nesse volume em outros países. Com isso, eles acabam tendo uma presença do físico até maior do que países onde o tamanho desse setor ainda é considerável, como Estados Unidos e Inglaterra, mas o percentual digital é bem maior. O mercado físico no Japão é de 71%, por exemplo. A Alemanha teve esse percentual há dois anos, mas agora está com 35% — o país passa agora pelo processo de transição do físico para o digital, um momento que o Brasil atravessou há 5, 6 anos."
A indústria fonográfica vai recuperar o tamanho que tinha antes da crise provocada pelas dificuldades que enfrentou com a chegada da internet?
"A Goldman Sachs diviulgou um estudo no ano passado dizendo que em 2022 o mercado fonográfico chegaria à casa dos US$ 30 bilhões. O pico histórico foi US$ 35 bilhões, entre 1997 e 1998. É muito difícil você trabalhar com projeções de médio e longo prazo num negócio que há 10 anos a gente não tinha a menor ideia de que estaria onde está. No início dos 2000, no meio da crise, havia previsões de que em 5 anos o CD deixaria de existir. Não foi o que ac onteceu. Então, com todas essas ressalvas, acho que podemos imaginar que a indústria tem potencial sim para recuperar seu tamanho."