RIO - Prevista para novembro, as edições do Mimo no Rio e em São Paulo foram adiadas para maio de 2019 - ainda sem data definida. Um patrocinador abandonou o projeto, o que implicou na sua reestruturação. A celebração de 15 anos do festival ficará restrita à Olinda (cidade onde o Mimo nasceu), entre os dias 23 e 25 de novembro, com uma programação que inclui os portugueses do Dead Combo, o hip hop palestino do 47Soul, além dos brasileiros Tom Zé, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Lia de Itamaracá, Eddie e Emicida. As edições de Paraty e de Amarante (Portugal), foram realizadas como previsto, em setembro e julho, respectivamente.
Idealizadora e diretora-geral do Mimo, a produtora Lu Araújo explica que o adiamento reflete algo muito maior do que o próprio festival, ou seja, é fruto da instabilidade políitica e econômica que o Brasil atravessa — e seu impacto especificamente no setor cultural.
— As coisas que aconteceram com o Ministério da Cultura (que foi extinto por Michel Temer e depois recriado por pressão da sociedade) e a CPI da Lei Rouanet, no ano passado, desestabilizaram os patrocinadores. O Bradesco, por exemplo (patrocinador do festival), foi praticamente invadido pelas investigações da CPI. Ou seja, as empresas que investem em cultura passaram a ter que lidar com esse tipo de situação, com essa instabilidade.
“Muitos produtores estão calados, não querem expor que seus projetos podem estar com dificuldades.”
Lu ressalta um outro aspecto da crise:
— Tivemos as intervenções nas estatais como o BNDES, que passaram por mudanças nas pessoas, nos setores e nas políticas relativas ao apoio à cultura. Ou seja, todo um trabalho que vinha sendo feito nesse sentido foi por água abaixo — aponta a produtora, notando que em breve outras produções sentirão o impacto que o Mimo acusa agora. — Muitos produtores estão calados, não querem expor que seus projetos podem estar com dificuldades. A gente tentou até o último momento manter o previsto. Mas em vez de realizar edições carioca e pauilsta menores do que planejávamos por conta da redução do patrocínio, preferimos concentrar nossos esforços em Olinda e, em maio, fazermos bem no Rio e em São Paulo.
A edição de 2019 em Amarante — onde o Mimo se tornou um enorme evento regional, que atrai turistas para o norte de Portugal, área antes pouco valorizada em termos turísticos — está garantida e será ampliada. No Brasil, apesar dos problemas, Lu se mostra otimista e diz que os motivos para comemorar são muitos. Lembra que a primeira edição do festival teve apenas cinco concertos em Olinda ("Tudo bem que um deles foi de Nelson Freire com uma orquestra sinfônica", observa) e que depois se expandiu e recebeu artistas como Arnaldo Baptista, Emir Kusturica, Gonzalo Rubalcaba, Gotan Project, McCoy Tyner, Philip Glass e Elza Soares.
“A lei (Rouanet) tem um controle enorme, há fiscalização, e mesmo com as distorções, é a forma mais democrática de financiar cultura. E desonera o Estado dessa função. Tudo que o Brasil não precisa agora é o fim da Lei Rouanet.”
Mesmo com as incertezas — Jair Bolsonaro, candidato líder nas pesquisas pela sucessão presidencial, já manifestou desejo de extinguir o Ministério da Cultura e seus apoiadores atacam com frequência a Lei Rouanet (fundamental para a realização do Mimo) —, Lu prefere não fazer projeções ruins para o cenário cultural brasileiro:
— A gente não consegue dimensionar o que vem, até porque não sabemnos quem será o presidente. De qualquer forma, em momentos como esses a cultura se fortalece. O que pode acontecer, num governo mais autoritário, é tentarem regular alguns tipos de eventos. Mas acho difícil acabarem com a Lei Rouanet. Para isso tem que provar que o dinheiro dali é mal utilizado. A lei tem um controle enorme, há fiscalização, e mesmo com as distorções, é a forma mais democrática de financiar cultura. E desonera o Estado dessa função. Tudo que o Brasil não precisa agora é o fim da Lei Rouanet.
Em 2008, o Mimo passou por uma crise semelhante. Lu conta que foi até o MinC e ouviu do então ministro Gilberto Gil e de seu secretário-executivo Juca Ferreira que o festival — ameaçado de não acontecer naquele ano — teria que ser realizado:
“A cultura responde atualmente por 2,64% do PIB brasileiro. Isso tem que ser respeitado, não se pode achar que produtores de cultura são malandros ou vagabundos.”
— Eles disseram: "De maneira nenhuma, seu projeto é estruturante no Nordeste". E completaram que o Mimo era um exemplo de utilização da Lei Rouanet, porque atrai público, aquece a economia... Não acho que a lei vá acabar, mas nós do mercado e o próprio MinC precisamos fazer um trabalho de informação sobre como ela funciona. Há muita ignorância sobre o assunto. A cultura responde atualmente por 2,64% do PIB brasileiro. Isso tem que ser respeitado, não se pode achar que produtores de cultura são malandros ou vagabundos.
O próprio empresariado pernambucano é afetado por esse desconhecimento, aponta Lu, revelando que nunca teve investimento deles via Lei Rouanet:
— Há o medo de serem publicamente expostos, de serem investigados.
Apesar dos problemas, Lu é otimista:
— Às vezes a gente perde para ganhar. Vejo esse momento como uma fase, tenho fé e confiança que vai passar. O Mimo tem no público o seu maior ativo. Nunca tivemos um show cancelado por falta de público, e isso com uma programação desafiadora, com atrações que muitas vezes nem os jornalistas conhecem. Estou anunciando só agora a programação de Olinda mas a cidade já está lotada para o festival.