Música
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Por Slvio Essinger


O rapper paulistano Criolo — Foto: Divulgação/	Helder Fruteira
O rapper paulistano Criolo — Foto: Divulgação/ Helder Fruteira

O terceiro álbum do rapper paulistano Criolo (que chega às 21h desta quinta-feira, dia 5, às plataformas de streaming) iria se chamar “Diário do Kaos”, título de uma das suas faixas, produzida pelo duo Tropkillaz. Aos 45 minutos do segundo tempo, o artista optou por um outro título: “Sobre viver”.

— A gente está vivendo um caos total, de abandono. E aí veio o falecimento da minha irmã (vítima da Covid-19, ano passado, o que levou Criolo a gravar o pungente single “Cleane”). A gente vinha dessa tristeza do Brasil todo chorando, não houve tempo para luto. Ninguém teve o direito de enterrar os seus mortos corretamente, os seus entes queridos. E, quando a gente voltar mesmo disso tudo, vai ser para correr mais uma vez atrás de tudo que tiraram da gente — discorre ele, em entrevista por Zoom. — Eu pensei que ia dar algum tipo de suporte para minha mãe, mas foi ela quem deu suporte para a família. Isso me fez repensar que energia a gente quer botar no mundo com esse disco. A gente quer reforçar esse carma? Será que a música, a arte pode ser encontro?

De repente, Criolo percebeu que seu disco era “sobre viver mesmo, sobre a vida”.

— É sobre sonhar um dia poder viver nesse país, porque nele a gente só sobrevive. Eu pensei: “você vai viajar com esse peso todo seu, egoisticamente, e jogar ele em todo mundo, e virar herói da desgraça?” Não quero isso. Quero falar dessas coisas que rasgam a gente, mas quero que as pessoas saiam leves do show — explica. — Desgraça atrai desgraça, e a gente quer falar de vida, de amor, de alegria. Mas sem fingir. A gente tem sempre que lembrar que tem algo lindo e maravilhoso aí dentro, só não dá para pular as coisas. A gente vai cantar mesmo que “quem planta amor aqui vai morrer” (título de uma das faixas do disco) e depois a gente quer cantar para celebrar, para dizer que tudo isso vai passar e nunca mais vai acontecer.

“Pequenina” foi a música que Criolo fez na tentativa de acolher a mãe no luto pela filha. Da muito emotiva gravação para o álbum, participaram não só dona Maria Vilani, a matriarca, mas também o MC Hariel, a cantora Liniker e o violoncelista Jaques Morelenbaum.

— Quando minha mãe ficou grávida do terceiro filho e era uma menina, ela falou: “que bom, porque eu sei que tem coisas que eu só vou conseguir conversar com ela!”. Eu tinha sete anos de idade e nunca esqueci isso — conta Criolo. — Meu pai fez um puta corre para ela não nascer num barraco e foi quando a gente se mudou para o Grajaú, que era uma favela de alvenaria. Olha como essa criança mexeu com essa família!

Por outro lado, “Sobre viver” acabou incluindo faixas como a dura “Sétimo templário”, composta, segundo o rapper, há três anos, justamente “na virada de temperatura de uma certa parte do Brasil, que saiu da penumbra, mostrou e cara e perdeu o pudor de falar que é bom matar preto, que é bom matar índio, bom matar a comunidade queer”.

— Esse senhor que aí está (na presidência do Brasil) é um títere de um fenômeno global. Só que, quando chega no Brasil, a desgraça social é tão grande que os requintes de crueldade vão a mil — acusa ele, que dedicou outra das pesadas faixas do disco, “Quem planta amor aqui vai morrer”, a Chico Mendes, Marielle Franco, Moa do Katendê “e tantas outras pessoas que não chegaram a nós porque dedicaram sua vida à luta contra as desigualdades”.

Um tema que atravessa muitas das letras de “Sobre viver” é o da educação – algo muito caro a Criolo, que por 12 anos foi professor de artes em escolas da periferia paulistana.

— (Esse disco) é uma ode a cada professora e professor do Brasil — reconhece. — É lógico que tem que resolver tudo, mas se tem educação de qualidade, o menino e a menina crescem compreendendo melhor tudo ao seu redor e cria-se um ambiente muito mais propício a eles falarem não para o que é migalha e é arapuca. Bilhões e bilhões de reais serão economizados se fizer o investimento que tem que ser feito. Se você coloca escola boa, escola que não parece um escombro de guerra, a criança pergunta: “por que a minha rua não é bonita como a minha escola?”

Capa do álbum 'Sobre iver', do rapper paulistano Criolo — Foto: Divulgação/Helder Fruteira
Capa do álbum 'Sobre iver', do rapper paulistano Criolo — Foto: Divulgação/Helder Fruteira

Junto com a escola, o artista diz que quem salvou a sua vida foi o rap.

— Ele me fez perceber que as palavras rimaram, foi a porta para a gramática e a literatura. Pra quem não tem o que comer, o rap é um brinquedo infinito. E de graça. Depois, quando comecei a encontrar no bairro um ou outro que fazia rima, deixei de me sentir só, porque um fortalecia o outro — conta ele, que, depois de um disco gravado com a alcunha de Criolo Doido, pensou em desistir do rap, até que em 2011, com o incentivo de amigos, lançou o álbum que mudou tudo em sua vida: “Nó na orelha”. — Me faltavam seis dentes, o pessoal correu e conseguiu uma amiga dentista que parcelou o tratamento. Antes, eu não sorria por vergonha dos dentes. Estava acostumado a cantar só em quermesse e bailinho com microfone de karaokê... a gente teve que aprender tudo do zero, foi um grande desafio. Mas a gente teve todo o respaldo dos músicos.

Hoje uma referência para as novas gerações do rap brasileiro, mais identificadas com a vertente do trap, o artista de 46 anos diz que ainda tem muito o que aprender.

— Esses artistas é que são referência para mim. Quando eu escutei o disco do Kendrick (Lamar, rapper americano do fim dos anos 2010), eu não entendia muito, depois vi uma cena acontecendo no Brasil e não me liguei. Demorei um tempo para entender a estética sonora do trap, o jeito de rimar e de respirar... — revela. — Hoje, acho o BK incrível. E aí veio o Djonga, um cara de Minas! Isso é muito importante, se o rap brasileiro é uma árvore, o trap é uma copa, com essa folhagem diferente. Eu fui tentar aprender alguma coisa com esses jovens.

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Criolo estreia o show de “Sobre viver” dia 14 no festival Tim Rio Music, no Rio, e dia 21 no Espaço das Américas, em São Paulo. Para esse espetáculo, ele montou um trio experimental afrotechno, formado por Bruno Buarque (percussão, bateria e “brinquedos tecnológicos”), Maurício Badé (percussão) e Ed Trombone (percussão e sopros).

— Ou seja: é tambor do começo ao fim! — festeja o artista. — A gente precisa dessa energia, dessa sonoridade ancestral, mas que converse com o agora. Nós vamos entender esse show quando ele acontecer, cada noite vai se diferente. Tô curioso para ver se funciona!

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