Música
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Por Gustavo Cunha — Lisboa

Fora do Paquistão, pouca gente entende o que Arooj Aftab canta. Ou não. Nome em ascensão no mercado fonográfico desde que ganhou, neste ano, o Grammy de Melhor Música Global (por "Mohabbat"), a artista de 37 anos diz que se esforça para "colocar conteúdo além da própria letra" em suas músicas. A aparente impronunciabilidade do urdu, idioma falado no país asiático, não é um problema para plateias americanas e europeias, como se viu, neste sábado (25), em apresentação no Rock in Rio Lisboa.

— Ninguém nunca me falou que quer aprender urdu por causa das minhas músicas (risos). As pessoas dizem que sentem e curtem o som sem essa necessidade — conta Arooj.

A paquistanesa aprendeu a cantar e a tocar violão por meio de uma "intuição musical", como ressalta ao GLOBO. Na nação oriental, foi a primeira artista a usar a internet, no início dos anos 2000, para promover o próprio trabalho. Ganhou certa projeção, na cena indie local, ao publicar na rede versões covers para músicas conhecidas, como "Hallelujah", de Leonard Cohen. Nesse período, apesar da dificuldade em acessar plataformas ocidentais na web devido a restrições do governo, ela deu um jeito de descobrir o que o resto do mundo ouvia.

Deleitou-se com o pop de Mariah Carey, Michael Jackson, Prince e Usher e encheu os ouvidos com pérolas de Ella Fitzgerald, Billie Holliday e Chick Corea. Nessa época, um amigo a presenteou com um "disco todo preto", como ela relembra, e que não largou mais. Tratava-se de "Infinito particular", lançado por Marisa Monte em 2006. A cantora brasileira tornou-se, desde então, uma de suas maiores inspirações.Detalhe: Arooj também não entende o português, e isso não é problema. Aliás, com a violonista, compositora e percussionista brasileira Badi Assad, a paquistanesa tem realizado parcerias profícuas, como aconteceu na premiada canção "Mohabbat" (palavra que designa "amor").

— Sou aquela pessoa que gasta tempo em diferentes lugares. A música que faço hoje é uma mistura de diferentes coisas — afirma ela, que conta ter nascido numa região movida por muita musicalidade ("Meus pais não são cantores, mas cresci ouvindo eles cantarem para a família e amigos, em casa"). — Sobre Marisa Monte, é uma das artistas que mais escuto hoje. Amo realmente a música brasileira. Tudo é fantástico ali.

Em festivais de rock pelos quais ela tem se apresentado na Europa, a música de Arooj chama atenção por destoar do que normalmente se vê nesses espaços. No Rock in Rio Lisboa, a artista passeou entre o jazz, o clássico e o pop, acompanhada por um violonista e um violoncelista, e cantou, por que não?, composições autorais em urdu e também em inglês. O minimalismo exaltado pela crítica especializada de veículos americanos como "New York Times" não é tão apreciado no Paquistão, a própria artista reconhece.

— As pessoas, por lá, preferem músicas mais excitantes, felizes, animadoras — brinca. — Tento mostrar que há beleza na dor. Sim, está tudo errado e quebrado no mundo. Mas também quero, a partir dessa consciência, perpetuar a paz e o amor.

Arooj deixou o Paquistão aos 19 anos. Não havia outro caminho num lugar extremamente machista, ela lamenta ao relembrar o passado. Hoje, a artista vive nos Estados Unidos, onde se formou na prestigiada Berklee College of Music, em Boston. Em seu país natal, ela passou a ser referência frequente entre artistas mulheres, já que se tornou a primeira pessoa do país laureada com um Grammy, a maior premiação da música no mundo. Pela maioria da população, porém, ainda é observada como uma figura que fugiu à regra, no mau sentido. No imaginário social, por lá, uma mulher não deveria estar "fora do lar", sem cuidar do marido e da família.

— Acho que os paquistanes perceberam, com essa minha vitória, que isso é algo que nós podemos conquistar, sabe? — diz ela. — No tempo em que eu estava no Paquistão, com uns 19 anos, falei: "Foda-se isso tudo, tenho que fazer música e quero fazer algo legal que ninguém fez aqui antes". Não dava pra ficar naquele país, porque sempre havia homens me atrapalhando. Então, decidi ir para outro lugar, que não é melhor, mas, sim, é um pouquinho melhor. A situação das mulheres hoje no Paquistão é algo muito ruim e que afeta a indústria musical. Perdemos muita coisa com isso. A pergunta que faço é a seguinte: homens, por que vocês não querem fazer musica com mulheres? Nós somos divertidas. Nós somos bacanas. Tudo é mais legal com as mulheres. Uma indústria da música que poderia crescer num país rico culturalmente sofre demais com essa exclusão.

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