A sala de um prédio no Recreio do Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio, guarda um corredor de led colorido que transporta os visitantes para uma dimensão criativa paralela. Ali, no estúdio da Hitmaker, Wallace Vianna, Pedro Breder e André Vieira preparam potenciais sucessos da música popular. “Combatchy”, de Anitta; “Favela chegou”, de Ludmilla; “Só depois do carnaval”, de Lexa; "Não sou obrigada", da Pocah; "Xodó", da Juliette; e quase todo o álbum “Pandora”, de Luísa Sonza, são alguns exemplos produzidos e/ou compostos por eles.
Wallace começou na música tocando, cantando e escrevendo pagode. Começou a fazer shows e depois de assinar um contrato ruim, decidiu que não pisaria mais nos palcos enquanto não se livrasse do mau negócio. Enquanto os anos passavam (foram oito no total) começou a se dedicar a composições. Um dia, conheceu André, que também escrevia, e juntos compuseram “Beijinho no ombro”, da Waleska.
— Comecei pela minha avó. Ela era muito fã do grupo de pagode "Só pra contrariar". Ela me criava e acabou tendo câncer, ficou deprimida e eu queria fazer qualquer coisa para ajudar. Fui na casa do vizinho, que era amigo dela de infância, pedi qualquer instrumento que ele pudesse me dar e ele me deu um cavaquinho com duas cordas, desafinado e sem a parte de trás. Colei um papelão, amarrei as cordas e comecei a tocar para ela. Eu prometi que ia aprender a cantar, tocar direito, que minha música ia tocar na rádio. Depois de "Beijinho no ombro", eu e o André abrimos a Hitmaker, éramos dois compositores, mas queríamos produzir, ser mais responsáveis pelo o que estava criando — explica ele.
Enquanto isso, Breder crescia em meio a instrumentos e shows na noite. Os pais, que eram músicos, deram guitarra, baixo e teclado para ele aprender e se apresentar ao lado deles. Wallace conheceu Breder via Facebook, marcaram um encontro e depois que o compositor viu que o instrumentista já tinha, sem saber, produzido várias de suas composições, resolveu convidá-lo para ser sócio da Hitmaker.
— Com uns 16 anos, ganhei um computador e comecei a estudar, baixei programas de produção e tal. Comecei a ir nas batalhas de rap do Rio e chamava quem era bom para produzir, levava pro meu estúdio em Nova Iguaçu. Nossa, o pop filter (filtro para microfone) eu fazia de arame e meia calça da minha mãe. Aquele estúdio era bizarro — conta Breder.
Se juntaram e deu certo. Compondo as letras, os beats e fazendo a produção nasceu a marca e assinatura sonora "Hi-t-maker", presente sempre no início das músicas e, normalmente, "recitada" pelos intérpretes.
— Uma das nossas primeiras músicas juntos foi "Encaixa" do Kevinho, ele falou: "Isso é Hitmaker" e a música estourou. Depois disso, os artistas queriam botar também. Todos entravam aqui e perguntavam se podiam falar "Hitmaker" na música. Virou um marketing positivo pra gente — comemora Breder, que diz sempre ter lutado para ter o trabalho de produção e composição das batidas melódicas reconhecido.
Criar um hit, no entanto, vai além vai além de compor letras e melodias, eles dizem. Dentro da produção, eles precisam entender a personalidade e características do artista para tudo se encaixar e ter maior potencial de emplacar.
— Cada artista tem uma identidade, mesmo que cantem músicas do mesmo gênero. Um detalhe, um beat ou uma palavra pode mudar totalmente o caminho que o artista quer ou achava que queria seguir — explica Wallace.
Breder completa dando um exemplo prático:
— Um dia sentou a Pocah no nosso sofá. Ela tinha dois sucessos: "Sento rebolando" e "Perdendo a linha". Ela veio com a proposta de ser mais pop. Então, pedimos para ela contar a história dela e quando ela acabou, a gente estava chorando, a história dela é pesada demais. Naquela época, estava se popularizando a questão do feminismo, que antes era mais elitista e a gente ainda não tinha representatividade falando no linguajar popular. Precisava de alguém para traduzir. Quando ela acabou, sentimos que ela precisava falar disso. O artista pop é a materialização da essência dele. Aí fizemos "Não sou obrigada" ("Deixa eu te lembrar que não sou obrigada a nada/Ninguém manda nessa raba").
Mesmo que o funk tenha, majoritariamente, colocado a Hitmaker no holofote do mercado, eles se sentem confortáveis na MPB, no rap, no rock. Além de Juliette, que foge do funk, nomes como Arthur Aguiar e Di Ferrero passaram por lá também.
— Teve um projeto que me fez chorar de soluçar. Foi "Favela Chegou". Quando eu era criança a música "Som de preto" batia tão forte em mim que eu pensava em um dia fazer algo assi. Em 2019, a gente foi compor e saiu "Favela chegou" (Ludmilla feat. Anitta), que é como uma releitura da antiga e a letra fala: "quando toca ninguém fica parado, desceu da favela pro asfalto [...] o baile pega fogo e sai dominando o mundo todo". Aí veio o Rock in Rio, e a Anitta e Lud foram tocar no mesmo dia. A gente viu aquele mar de gente cantando, fico até arrepiado. Eu só chorava, parecia que tinha ganhado a Copa. Tem uma cena que a Anitta está dançando, voltando para o palco e na hora que filmam, ela faz quadradinho "hi-t- ma-ker", valorizou (risos) — comemora Wallace.
Enquanto Wallace assistia de casa, Breder viu ao vivo a reação do público:
— Eu fui lá despretensioso, estava no meio do público ouvindo a música. Nesse dia tocou muita musica nossa, mas quando tocou "Favela chegou", nossa meu irmão... Era muita gente cantando e a galera ainda cantou o "hitmaker". Nesse dia eu falei que estava me aposentando.
A chegada dos produtores e beatmakers aos holofotes é vista com orgulho pelos artistas cariocas que lançaram um projeto próprio em 2021. Ambos destacam as dificuldades de fazer música no Brasil e se dizem orgulhosos por fazer parte de uma geração que está "furando a bolha".
— Antigamente, quem decidia o que tocava e como eram as grande instituições, as rádios e tudo mais, hoje, você faz e lança o que quiser. Joga no universo e vai pra internet. Aconteceu uma democratização e inversão de poder. Agora é o público quem dita o que vai tocar — conclui Wallace.