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Por Silvio Essinger — Rio de Janeiro

Autor das biografias de indomáveis figuras como o craque Sócrates, o jornalista Tarso de Castro e a cantora Nara Leão, o paulistano Tom Cardoso se viu na obrigação, na proximidade dos 80 anos de Caetano Veloso (que se completam em 7 de agosto), de escrever um livro sobre ele. Uma obra que, enfim, desse conta do artista “contraditório, tão importante e onipresente na cultura nacional”.

Dia 25, chega às mãos e olhos dos leitores “Outras palavras: seis vezes Caetano” (Record), livro que ora o escritor define como “uma biografia pouco convencional”, ora como um “ensaio jornalístico”. E que, por todas as dificuldades em enquadrar o biografado — mas também a fim de parafrasear um dos motes que é humoristicamente atribuído ao artista —, quase se chamou “Caetano ou não”.

— O tempo inteiro Caetano se contradiz. Mas, ao mesmo tempo, ele é um cara muito corajoso, que comprou brigas por pessoas que tinham tendência a contemporizar. Talvez o Tropicalismo não tivesse existido se fosse só por Gilberto Gil ou Tom Zé — defende Tom, um jornalista de 49 anos. — Caetano expõe muito bem as suas teses, e elas têm uma coerência, um embasamento, mesmo que depois ele mesmo se arrependa delas. Caetano leu muito, tem uma formação teórica forte, e chegou a bater de frente com pensadores tanto de direita quando de esquerda.

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Iniciado com uma epígrafe de um conterrâneo ilustre (e por vezes antípoda) do artista, Raul Seixas (“É pena eu não ser burro. Não sofria tanto.”), “Outras palavras” se divide em seis vezes/capítulos: O santo-amarense, O polêmico, O líder, O vanguardista, O amante e O político. O primeiro, claro, para falar da infância e adolescência em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo Baiano. Uma vez que Caetano ganha mundo e palco, em meados dos anos 60 (inicialmente em Salvador, depois no Rio e em São Paulo), os outros capítulos transcorrem paralelos até perto dos seus 80 anos.

— Caetano fala sobre absolutamente tudo, desde que chegou ao Rio para acompanhar [a irmã Maria] Bethânia no “Opinião” [espetáculo do diretor Augusto Boal, no qual ela substituiu Nara Leão, a convite da própria]. Quando ela foi vaiada numa sessão do filme do [diretor Júlio] Bressane [“Bethânia bem de perto – a propósito de um show”, de 1966], Caetano se levantou da cadeira e deu uma declaração de que todos eram imbecis. Ele foi muito veemente ali e não parou mais.

Uma das primeiras contradições de Caetano é que, apesar de ter tido sua vida mudada pelo “Chega de saudade” de João Gilberto, o tímido rapaz não pensava muito em ser músico (mudou de ideia em Salvador, pressionado pelo amigo Álvaro Guimarães). E uma vez tendo estreado em um LP influenciado pela bossa (“Domingo”, de 1967, com uma também iniciante Gal Costa), poucos meses depois estaria liderando (por falta de outro líder) o elétrico e esteticamente agressivo Tropicalismo.

— Caetano se sentia meio tabaréu musicalmente. E aí ele tem contato com pessoas fundamentais na trajetória, que são o [artista gráfico] Rogério Duarte, o Zé Agrippino [de Paula, escritor], o [cineasta] Glauber Rocha, o Zé Celso [Martinez Corrêa, diretor teatral]... — conta Tom Cardoso. — Se não fosse por elas, talvez Caetano ainda estivesse pensando em ser professor ou pintor. Ele só se solta mesmo depois de conhecer esses caras desbundados.

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Tom é filho de Jary Cardoso, jornalista que trabalhou na equipe do Guilherme Araújo (empresário de Caetano nos anos 1970) e que depois entrevistou o artista algumas vezes para diversos jornais. — Meu pai encontrava com o Caetano no Porto da Barra e eles se cumprimentavam com um selinho. Teve até uma época em que eu achei que “Leãozinho” era feita para o meu pai! — diverte-se o escritor, que também entrevistou o artista algumas vezes, mas preferiu não fazê-lo para esse livro em que “o personagem principal é o mais suspeito para falar de si próprio” (embora tenha conversado com muitas pessoas próximas ao cantor). — Caetano sempre falou muito no calor da hora, achei muito mais importante do que entrevistá-lo, resgatar entrevistas de que as pessoas nem lembram mais, declarações que se perderam no tempo.

Tom Cardoso relembra os muitos embates de Caetano com a imprensa. Nos anos 1970, o ex-exilado foi criticado pela guinada “Odara” de sua música (que supostamente desbundara-se e fechara os olhos à brutalidade do regime militar) e respondeu a acusação dizendo-se patrulhado por um grupo de jornalistas que “obedeciam ao chefe do partido”. Ao mesmo tempo, ele reagia aos ataques de Millôr Fernandes e Paulo Francis, do jornal “Pasquim”, que denominavam o seu grupo de artistas como os “baihunos” (ao que ele, Bethânia, Gil e Gal responderam criando o grupo Doces Bárbaros).

— Você tinha ali pessoas que se consideravam intelectuais, que faziam um jornal revolucionário, mas que tinham posturas muito conservadoras e preconceituosas. O Caetano é o primeiro a apontar o dedo para eles — observa Tom, reconhecendo que artista certas vezes perdeu a mão em suas respostas ao recorrer a termos homofóbicos (chamou Francis de “bicha amarga”) ou machistas (sobre a cineasta Suzana Amaral, que criticara seu filme “Cinema falado”, Caetano disse que ela não passava “de uma dona de casa que deveria ficar em casa passando óleo de peroba nos móveis”).

Capa do livro "Outras palavras: seus vezes Caetano", de Tom Cardoso — Foto: Reprodução
Capa do livro "Outras palavras: seus vezes Caetano", de Tom Cardoso — Foto: Reprodução

Em “Outras palavras”, Tom não se esquiva da tarefa de trazer detalhes sobre a sexualidade de um Caetano que não se considera nem gay e nem bissexual, apesar de ter admitido experiências com homens (de uma transa não concretizada com um amigo, por exemplo, nasceu a música “Eclipse oculto). E também lembra que o artista elogiou os presidentes João Batista Figueiredo e Fernando Collor de Melo, além de ter chegado a considerar Olavo de Carvalho (a quem processaria depois, com sucesso, quando este o acusou de pedofilia) “um importante contraponto ao pensamento de esquerda”.

— Depois, quando Caetano teve contato com o Jones Manoel, esse professor e historiador marxista pernambucano, ele passou a se considerar menos liberalóide — diz o escritor, para quem definitivamente este “não é um livro contra Caetano”. — Ele é um personagem acima de qualquer suspeita. O que eu vou encontrar que possa desabonar a sua figura? Ele é um homem contraditório, mas não se deve esperar do livro grandes revelações éticas e morais, assim como não se deve esperar de nenhum livro sobre Chico Buarque ou mesmo Roberto Carlos. Eles não têm o que temer.

“Outras palavras: Seis vezes Caetano”.
Autor:
Tom Cardoso. Editora: Record. Páginas: 308. Preço: R$ 69,90.

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