Música
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Por — Belo Horizonte


Os irmãos Borges na calçada da esquina entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Santa Tereza, em foto do fim dos anos 1970 — Foto: Arquivo
Os irmãos Borges na calçada da esquina entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Santa Tereza, em foto do fim dos anos 1970 — Foto: Arquivo

Ilhado entre grandes avenidas na região leste de Belo Horizonte e deslocado da correria da capital mineira, o bairro de Santa Tereza conta com praças e casas antigas que lhe dão charme próprio e alguns endereços que o colocaram na História da música brasileira.

Está ali, no silencioso cruzamento da Rua Divinópolis com a Rua Paraisópolis, a esquina que inspirou a canção “Clube da Esquina”, presente no quarto álbum de Milton Nascimento, “Milton” (1970), e que acabou batizando também um discos mais celebrados no Brasil: “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges, de 1972.

O termo abrange, ainda, todo o movimento que projetou a música mineira e seus letristas. Cinquenta anos depois do lançamento do álbum, num 2022 marcado pela despedida de Milton Nascimento dos palcos, e às vésperas do aniversário de 80 anos do cantor — comemorados na próxima quarta-feira —, convém lembrar do início de tudo.

As histórias estão ali, frequentemente revisitadas entre entusiastas nas mesas dos bares, na boca dos vizinhos mais antigos e na memória dos próprios músicos que participaram do movimento.

O termo Clube da Esquina surgiu porque era naquele cruzamento que Lô Borges juntava uma molecada do bairro para brincar, papear e tocar violão nos idos dos anos 1960. Lô era um dos 11 filhos do jornalista Salomão Borges e da professora Maria Fragoso Borges, a Dona Maricota, que moravam na Divinópolis numa casa que está de pé até hoje e que ainda pertence à família.

Esquinas das ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Belo Horizonte (MG) — Foto: Douglas Magno
Esquinas das ruas Divinópolis e Paraisópolis, em Belo Horizonte (MG) — Foto: Douglas Magno

Como um personagem vivo, a tal casa foi fundamental não só para o movimento que se estabeleceria mais tarde, servindo de abrigo para diversos encontros da turma que orbitava os Borges, entre eles Toninho Horta, Wagner Tiso, Tavito, Flávio Venturini e Beto Guedes. Antes disso, por um problema na fundação, a residência entrou em obra. Salomão, Dona Maricota e a prole se mudaram para o Edifício Levy, no Centro de BH.

— Uma semana depois que chegamos no Levy, minha mãe pediu que eu fosse comprar café, leite e pão. Como todo garoto, preferi a escada ao elevador — conta Lô Borges. — Morávamos no décimo sétimo andar. Descendo os degraus, de repente me deparo com um som divino, que ficava mais alto conforme eu descia. Eram uns falsetes de voz acompanhados de violão. Quando cheguei no quarto andar, estava lá o Bituca. Eu era uma criança de 10 anos e o Milton um cara de 20, mas não fez a menor diferença, rolou uma empatia forte. Fiquei totalmente seduzido, abduzido pela voz e pelo violão dele.

Lô Borges e Milton Nascimento em 1972 — Foto: Arquivo
Lô Borges e Milton Nascimento em 1972 — Foto: Arquivo

A empatia se estendeu para o resto do clã, e Milton logo virou figura querida na família Borges. Foi com Márcio Borges, um dos irmãos mais velhos de Lô, que ele compôs suas primeiras canções. A dupla assistiu a três sessões seguidas do filme “Jules et Jim”, de François Truffaut, no Cine Tupi, e saiu inspirada. No 17º andar do Levy, iniciaram sua trajetória como compositores e fizeram, na mesma noite, “Paz do amor que vem” (que depois virou “Novena”), “Crença” e “Gira girou”. As duas últimas entraram para o álbum de estreia de Milton, “Travessia”, de 1966.

Márcio Borges conta que Milton era um frequentador tão assíduo que seus pais o tratavam “como o décimo segundo filho”. Por telefone, ele lembra de um episódio inusitado que ocorreu quando sua família já havia voltado para a casa em Santa Tereza:

— Depois do Festival Estudantil da Canção, todos os concorrentes foram lá pra casa: Beth Carvalho, Flávio Venturini, Fernando Brant e outros. No meio daquela farra, minha mãe fazia macarronada na cozinha e eu e o Brant nos aproximamos do Lô, que estava no piano e tinha acabado de compor uma canção. Fomos correndo para o quarto dos meus pais, o único lugar sossegado, para fazer a letra. O Lô tinha comentado que havia tanta gente talentosa ali e que os Beatles, referência de todos, nunca conheceriam nossa turma.

Lô Borges completa:

— Eles fizeram a letra em menos de meia hora, antes de a macarronada sair. Foi um momento mágico da minha carreira. Era “Para Lennon e McCartney”.

Os Borges com o pai Salomão e a mãe, Dona Maricota, na casa da família — Foto: Arquivo
Os Borges com o pai Salomão e a mãe, Dona Maricota, na casa da família — Foto: Arquivo

Fundado em 2015 a poucos metros da esquina, na Rua Paraisópolis, o Bar do Museu Clube da Esquina se tornou uma espécie de templo para curiosos sobre o movimento. Lá é possível, por exemplo, pedir o drinque “Nada será como antes” (caipivodka) ou o pastel à la Bituca (de angu). A frente da programação do espaço, a produtora cultural Virgínia Câmara montou um passeio guiado por pontos de Belo Horizonte que contam a história do Clube da Esquina. Tem sido um sucesso.

Bar do Museu Clube da Esquina em Belo Horizonte — Foto: Douglas Magno
Bar do Museu Clube da Esquina em Belo Horizonte — Foto: Douglas Magno

— No espaço toca Clube todos os dias. E fazemos o roteiro para mostrar um pouco da história do movimento. São 12 pontos ao todo. Recebemos muitos turistas — diz Virgínia.

Na própria esquina da Divinópolis com a Paraisópolis, outro estabelecimento homenageia o Clube. Trata-se do bar Travessia, aberto no ano passado. Segundo a sócia Kyria Rodrigues, a procura de pessoas em torno de curiosidades sobre o Clube tem aumentado.

— Os vizinhos contam muitas histórias, o Clube da Esquina está muito enraizado no bairro. E a esquina tem essa energia, ali coisas incríveis acontecem, pessoas se conectam, o respeito e amor estão muito presentes. Vêm pessoas do mundo todo conhecer a formosa esquina — diz Kyria.

'Santê', um bairro em constante ebulição

Não foi só o Clube da Esquina que Santa Tereza deu ao mundo. Fundado pelos irmãos Igor e Max Cavalera em 1984, o grupo Sepultura também foi pensado em Santê — apelido dos locais para o bairro. Alguns anos depois, em 1991, em um dos bares mais famosos da região, três amigos criaram o que viria ser uma das bandas de maior sucesso do Brasil.

— O Skank foi formado na mesa do Bar do Bolão — lembra Samuel Rosa. — Foi lá que Fernando Furtado (empresário), Henrique Portugal e eu decidimos pôr fim ao Pouso Alto, nossa banda antiga, e fundar o Skank, convidando o Haroldo Ferretti para bateria e o Lelo Zaneti para o baixo.

Para o vocalista do Skank, banda que, como Milton, está se despedindo dos palcos, o clima em Santa Tereza contribui para a ebulição cultural dali:

—Acho que é esse ar de interior do bairro, relativamente sossegado. Se hoje não é tão movimentado, imagine na década de 1960. É um lugar onde você anda a pé, vai aos bares, que é o que a turma do Clube fazia quando todos eram garotos. Sentar na calçada, tocar... O bairro tem esse clima. Talvez, nesse aspecto, tenha sido realmente determinante pro que foi feito naquele momento, naquela ebulição de ideias de tanta gente bacana e genial.

Membro do Clube desde os tempos áureos, o músico Toninho Horta, que participou das gravações do álbum de 1972, pontua que foram várias as esquinas importantes na trajetória do movimento, “mas a de Santa Tereza foi a que explodiu para o mundo”, avalia.

—Santa Tereza tem uma história antiga de boemia. Comecei a frequentar nos anos 1960, nos encontros do Clube. O bairro se tornou querido por todos, passou a ser frequentado por muitos poetas, escritores e artistas plásticos. Fomos tomando gosto pela região, pelos bares, pelo campinho de futebol, fomos criando uma relação com os vizinhos. O local virou uma referência cultural para BH — afirma.

A roteirista e dramaturga Fernanda Brandalise, que assina a dramaturgia do musical “Clube da Esquina — Sonhos não envelhecem”, que hoje tem última apresentação da temporada no Teatro Riachuelo, conhece Milton desde pequena. Sua mãe, Marilene Godim, foi empresária do músico de 1994 a 2010. Fernanda lembra de bons momentos que viveu ao lado do artista:

—Eu passava muito tempo na casa dele e tenho muitas lembranças boas. O Milton faz a melhor imitação do mundo do Sebastian, personagem da “Pequena Sereia” — recorda Fernanda, de 27 anos. — Desde que nasci, ele sempre esteve lá. É desafiador escrever cenas de uma pessoa com quem você conviveu a vida inteira. É um processo de descoberta peculiar. Facilitou eu conhecer o Milton bem, conhecer a essência dele. A construção narrativa é que foi desafiadora, pois ele é muito tímido e muito fechado. Mas o mais importante, pra mim, é prestar homenagens em vida.

Marcado para uma quarta-feira, dia 16 de novembro, o derradeiro show de Milton Nascimento pontua não só seus 60 anos de carreira, mas também a história do Clube da Esquina, movimento do qual ele foi um dos personagens principais. Márcio Borges diz que já foi nos shows da turnê de despedida no Rio, em São Paulo, em Boston e em Nova York. E que estará no Mineirão na última apresentação do amigo.

— Fui na primeira sessão, não poderia deixar de ir na última (risos) — brinca Márcio Borges — Mas está sendo bem emocionante. Está mexendo muito comigo. Já chorei pra caramba, inclusive na frente dele, que se emocionou também. É a minha vida passando na minha frente. Eu acho muito justa e merecida essa despedida monumental, ele merece todas as homenagens.

Membro de uma geração que bebeu nas águas do Clube, Samuel Rosa reafirma a influência que Milton e companhia tiveram na sua formação musical. E diz que o sucesso daquela turma o incentivou a acreditar que era possível chegar lá.

— Quando comecei a ouvir a música não só do Milton, mas do Lô Borges, do Beto Guedes, era impactante porque me dava uma sensação semelhante a que eu tinha ouvindo Beatles. Uns de Liverpool, na Inglaterra, e outros ali, da minha cidade. Olha o impacto que isso tem. Caramba, não precisa nascer em Liverpool, nem em São Paulo ou Rio para conseguir. Era um encorajamento — diz o líder do Skank. — Milton criou uma identidade musical muito forte. Remete a coisas que ele ouviu e viveu, mas também não remete a nada. Não há paralelo na música, no mundo, à música de Milton. O que é aquilo ali? É um jazz, é um rock, um folk, uma psicodelia, MPB? É um tanto de coisa.

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