O cantor e compositor Erasmo Carlos, que faleceu nesta terça (22), aos 81 anos, lidou com uma perda traumática em vida. Em 2014, o artista perdeu seu filho mais velho, Alexandre Pessoal, de 40 anos, vítima de um traumatismo craniano causado por um acidente de moto. Além de Alexandre, Erasmo era pai de Leonardo Esteves e Gil Eduardo Esteves.
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Alexandre tinha uma conexão tão forte com o pai que também decidiu seguir a carreira musical. Tamanho era seu orgulho que, nos tempos de colégio, chegou a pensar que sua família era homenageada no Hina Nacional do Brasil. Ele chegou a comentar a "gafe" em uma carta escrita em 2008, na ocasião do Dia dos Pais, e publicada pela primeira vez pelo EXTRA, em 2014. Leia abaixo:
Ordem cívica
Ser criança é ser pleno, é ser desprovido de todas as vaidades e preocupações com a inocência que só Deus poderia criar. Algumas delas têm a real noção disso? Claro que não. E eu, como todas, também não tinha.
Era o tempo de escola: recreio, lancheira, bola de gude, as primeiras namoradas, futebol em todas as suas formas e a cabeça lotada de brincadeiras sem fim, mas ao menos uma vez ao dia me via obrigado a fazer a formatura cívica. Todas as crianças se sentiam num momento de suplício, enfileiradas e quietas (ou quase) marchando, cantando e decorando não só o Hino Nacional, mas também o da Bandeira, do Soldado, da Independência, da Proclamação da República e qualquer outro hino possível, mas que provavelmente hoje não povoa as mentes daqueles que daquilo participavam.
Eu era sempre o mais empolgado e chegava a demonstrar uma alegria inexplicável com aquele momento que, para todos, era uma pena a ser cumprida, mas que para mim era uma felicidade maior e motivo de mais orgulho.
As crianças e as mães já me tinham como diferente e essa visão tinha dois lados, afinal eu sabia que em “boca pequena” ecoava pelos corredores do colégio “lá vai o filho do Erasmo”, quando era bom, e “lá vai o filho daquele roqueiro”, quando sentia no ar certo preconceito. Então, em uma ideia geral, eu já era diferente somente pelo fato de ser filho de artista, então todos deviam pensar “por que cargas d’água ele age assim?”.
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Mas nada disso importava, pois o ápice da formatura era a passagem do Hino Nacional no qual se cantava “Verás que um filho teu não foge à luta”. Ninguém me segurava naquele momento em especial e eu olhava para todos com muita pompa e um certo desdém, mas que na maioria das vezes não era correspondido no olhar e confesso que não entendia o porquê, já que aquele momento era meu.
Nascia ali uma das maiores decepções da minha vida. Um belo dia chego do colégio mais empolgado que o normal querendo dividir com meu pai aquele momento que tanto me orgulhava e fui logo dizendo: “Papai, adoro aquela parte do hino que fala da gente!”. Meu pai então disse: “Que hino, meu filho?”. E eu prontamente respondo: “o do Brasil!”. Meu pai para, pensa e subitamente fala: “Como assim, meu filho? Que hino que fala da gente?”, pergunta, curioso. “O do Brasil, papai...”. Começo então a pensar: “não é possível que o meu pai não saiba disso ou nunca ninguém tenha lhe falado, pois uma homenagem daquelas jamais passaria em branco!”.
Ele então, com um sorriso meio de lado, me pede para que eu cante essa passagem do Hino Nacional e eu, muito nervoso - afinal, ia cantar pela primeira vez na frente do meu pai e ele ainda por cima era o Erasmo Carlos - começo a cantarolar até que chega a fatídica parte e eu, digo em alto e bom som: “Erasmo um filho teu não foge à luta...”. Ele, de imediato, começa uma gargalhada sem precedentes e que não acabava, e eu com aquela cara de “será que ele não gostou?”. Depois de alguns minutos de muita curtição comigo ele revela a verdade e meu mundo cai: “Filho, não é ‘Erasmo um filho teu não foge à luta’ e sim ‘verás que um filho teu não foge à luta’”.
Depois de muita tristeza, superei tudo e hoje canto todas as letras, do início ao fim. A palavra “pai” é única para cada um e meu pai é único para mim. Te amo, pai”.