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Por Mari Teixeira


Marília Mendonça foi a cantora mais ouvida no Brasil em 2022 — Foto: Divulgação
Marília Mendonça foi a cantora mais ouvida no Brasil em 2022 — Foto: Divulgação

Os gregos da Antiguidade acreditavam que o manjar dos deuses, a misteriosa ambrosia, era o segredo da vida eterna. Já os nórdicos apostavam suas fichas nas maçãs de ouro cultivadas pela deusa Iduna. Para os chineses, os pêssegos da Rainha Mãe do Ocidente garantiriam que vivessem para sempre. Eis que no século XXI ganhamos um plano onde a existência é, comprovadamente, eterna: o mundo digital. No caso de pessoas famosas isso se intensifica, dizem especialistas: além da obra, se mantém a personalidade artística e, por consequência, a interação dos fãs em perfis das redes sociais.

Erasmo Carlos, que faleceu há pouco mais de um mês, ganhou em seu perfil do Instagram aproximadamente 60 mil seguidores do dia de sua morte até hoje. E isso não é um fenômeno por ser uma fatalidade recente. Visitar naquela rede social as páginas de artistas como Marília Mendonça, Paulinha Abelha, Luiz Melodia ou Elza Soares, por exemplo, é se deparar com comentários feitos há poucas horas. São comuns declarações de “saudades”, “obrigado por tudo” ou declarações de amor aos ídolos.

— É normal, ainda hoje, que as pessoas visitem túmulos de celebridades. Mas esses ambientes físicos de adoração passaram para o ambiente digital, especialmente com a chegada das redes sociais, onde podem ser criados múltiplos perfis para a mesma pessoa — explica Renata Rezende, professora da UFF e autora da pesquisa “A morte midiatizada” — Tem relação com a ideia de memória, com homenagem, criando até uma constituição de tribos em torno daquele objeto.

Uns mais ativos que outros, os perfis se tornam, de fato, uma vitrine de homenagens e memórias do artista. É assim com a página de Elza Soares no Instagram, que recebe atualizações constantes sob responsabilidade do empresário e diretor artístico Pedro Loureiro. Em testamento, Elza deixou especificado que Pedro ficaria responsável por gerir seu legado artístico material e imaterial — ele e a família entendem que as contas digitais fazem parte desse patrimônio.

— Alguns fãs interagem com as postagens fazendo comentários no presente: “rainha você é linda” ou “adoro te ver cantar”. Isso é muito legal, é o resultado do trabalho. O fã entende que o legado dela está vivo — observa Pedro. — Elza via as redes sociais como parte do trabalho. Uma vez conversávamos sobre isso e ela pediu para que, caso outra rede surgisse, eu cuidasse e a mantivesse viva lá também.

Assim como o perfil de Elza, Luiz Melodia, que faleceu em 2017, tem quase 60 mil seguidores em uma conta ativa, que é alimentada com três a quatro publicações por semana. Vídeos da carreira, fotos e ilustrações compõem o feed administrado por Wallace Fernandes, dono de uma empresa de assessoria digital:

— Ele sempre confiou muito em mim e até hoje escolho os conteúdos praticamente sozinho. Manter a página de um artista como Luiz Melodia ativa é, justamente, para não cair no esquecimento. Por sua grande obra, ele merece toda visibilidade e que as pessoas continuem ouvindo as músicas nas plataformas digitais, até porque a família recebe com isso.

A cantora Paulinha Abelha: perfil da cantora ganhou mais de 120 mil fãs após sua morte — Foto: Reprodução
A cantora Paulinha Abelha: perfil da cantora ganhou mais de 120 mil fãs após sua morte — Foto: Reprodução

Mesmo perfis como o de Cristiano Araújo, que não publica nada há quase dois anos, ou o de Paulinha Abelha, sem posts há quase um ano, seguem ganhando comentários e alcance. Desde sua morte, em 2015, o perfil do cantor sertanejo ganhou quase dois milhões de seguidores. O mesmo aconteceu após a partida de Paulinha, em fevereiro passado, com seu perfil aumentando em 120 mil fãs. A morte da cantora sergipana, aliás, foi a mais buscada no Google em 2022, segundo o próprio site.

— A página era cuidada por ela mesmo, com a minha ajuda. Desde que ela faleceu, ficou inativa, mas os fãs seguem interagindo. Eu e Clevinho (viúvo da artista) vamos reativar em breve e fazer um grande memorial— diz Daniel Barbosa, amigo de Paulinha Abelha.

Mirele Santos, de 25 anos, é uma das fãs da artista que, sempre que pode, deixa seu carinho na página da cantora:

— Não sei se postar ajuda, mas eu sempre vou expressar o meu amor em publicações porque ela sempre viverá.

Psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP, Christian Dunker explica que rituais funerários, como deixar mensagens nos perfis, fazem parte do processo de luto, mas ressalta:

— Manter interações nas redes sociais durante um tempo é legal, eternizar nem tanto. Ao mesmo tempo que existe um movimento de luto digital, tem uma negação da morte, especialmente nos casos de sites que ficam respondendo pelo falecido.

Há ainda o caso dos artistas que morreram antes mesmo de o Instagram ser lançado, em 2010, e têm perfis verificados e com engajamento positivo na rede social, tornando-se, portanto, uma espécie de “influencers póstumos”. Cássia Eller (com 74 mil seguidores), Cazuza (com 123 mil seguidores), John Lennon (2,5 milhões) e Marilyn Monroe (1,9 milhão) são exemplos.

Herança digital

Nesses casos, os perfis costumam alternar fotos e vídeos das carreiras dos artistas com conteúdos de terceiros, que fazem homenagens ou que gravam suas músicas, além de divulgarem projetos especiais feitos com o acervo dessas pessoas. Os comentários carinhosos e saudosos estão sempre por lá.

A presença on-line tornou-se tão indispensável (não só as redes, mas contas em apps de banco, streamings de TV, música, e-mails...) que já se discute judicialmente o que fazer com essa vida digital de quem morre. É a herança digital. De quem é o direito de movimentar essas contas?

Especula-se que as contas do Instagram e o canal do YouTube de Marília Mendonça, por exemplo, façam parte do inventário da cantora. Questionada, a assessoria dis seus herdeiros disse que não pode passar informações “sobre todas as questões que envolvem o espólio da Marília”. O processo corre sob segredo de Justiça.

Assessora no TJRJ e coordenadora da obra “Herança digital: controvérsias e alternativas”, Livia Leal lembra que ainda não há uma legislação definida para estes casos.

— Quando há conteúdo patrimonial, quando a exploração daquela conta gera rendimentos, eles vão ser transmitidos para os herdeiros. O que se discute é o gerenciamento da própria conta, porque existem mensagens ali que mexem na privacidade de terceiros — diz Livia, explicando que o primeiro passo é ver se há algum tipo de contrato para gerenciamento de conteúdo, como o caso de Elza Soares e Luiz Melodia.

Para facilitar, a Meta, desde 2016, traz a função “contato herdeiro” para que assim os usuários designem quem gostariam que tivesse acesso a seus perfis após sua morte.

—Ainda temos várias discussões sobre como esse direito sucessório vai ser feito na prática. Vai abrir inventário? Vai nomear um administrador específico só para as contas da internet? Por isso, tem se tornado cada vez mais comum que os advogados orientem as pessoas a deixarem tudo por escrito — diz Livia.

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