Assim como Beyoncé, o Boca Livre ficou preso no trânsito de Los Angeles no domingo, a caminho da entrega do Grammy. Quando foi anunciado que “Pasieros”, disco gravado com o cantor panamenho e estrela da salsa Rubén Blades tinha ganhado o prêmio de melhor álbum de pop latino, apenas um dos bocas, Lourenço Baeta, estava no Microsoft Theater – e mesmo assim teve que sair correndo para conseguir receber o Grammy, esbaforido, e procurando as palavras de agradecimento em inglês.
— A gente sempre acredita que isso poderia acontecer, mas havia concorrentes fortes (a estrela pop americana Christina Aguillera e os colombianos Fonseca, Camilo e Sebastián Yatra). O Boca Livre era meio uma zebra, apesar de o disco ter o Rubén Blades, que é um nome importantíssimo da música mundial — conta por telefone, de Los Angeles, o cantor Zé Renato, fundador do grupo vocal (famoso por seu disco de estreia de 1979, dos hits “Toada” e “Quem tem a viola”), junto com Maurício Maestro, David Tygel e Claudio Nucci. — A gente sabia que não ia ser fácil.
A ligação dos brasileiros com o panamenho começou com o disco do Boca Livre de 1992, “Dançando pelas sombras”, que foi lançado alguns anos mais tarde nos Estados Unidos e Canadá pelo selo Green Linnet. Rubén Blades ouviu, gostou, e resolveu conferir o show que o grupo fez, por aqueles anos, no Sounds of Brazil (S.O.B.), casa noturna em Nova York.
Ali, eles ficaram amigos e Rubén chamou o grupo para participar de seu disco “Mundo” (com o qual ganhou o Grammy de world music em 2003) e, depois, para excursionar com ele.
— Passou o tempo e o Rubén propôs que a gente gravasse um disco com as músicas dele, os clássicos do repertório dele, mas do nosso jeito, fomos nós que escolhemos as canções — diz Zé Renato. — Foi um disco que a gente gravou no Rio de Janeiro, em 2011, bancado por ele, com participação do João Donato. O Rubén gravou a parte dele no Panamá.
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Segundo Zé, o timing do lançamento de “Pasieros” (que traz canções emblemáticas como “Vida”, “Día a Día”, “Aguacero”, “Dime” e “Pedro Navaja”) estava nas mãos de Rubén Blades:
— Só que ele não é só músico, é também ator, com mil projetos. No ano passado, ele resolveu lançar o disco pelo selo dele, e daí aconteceu essa indicação — festeja Zé, deixando escapar que Rubén é grande fã de grupos vocais brasileiros como o Jongo Trio e se refere aos seus amigos, em tom brincalhão, como o “Boca Horrível”.
“Pasieros” foi um disco do Boca Livre não fez shows, “por causa de todas essas confusões”, como alega Zé Renato — em 2021, ele, David Tygel e Lourenço Baeta deixaram o grupo por divergências políticas com Maurício Maestro, apoiador do então presidente Jair Bolsonaro.
— O Boca Livre hoje está no modo pausa. Mas a gente não está fechado à ideia de voltar a fazer shows, especialmente no caso desse disco. Tenho uma esperança de que, de alguma forma, nossa relação possa ser restabelecida, embora eu não saiba ainda como. O Maurício foi muito importante nesse disco, tem muita mão dele nos arranjos — admite o cantor, revelando que, junto com David e Lourenço, chegou a mandar mensagens para Maurício convidando-o para ir com eles a Los Angeles receber o prêmio.
Nos próximos dias, Zé Renato aproveita para fazer em Los Angeles shows que dão uma geral na sua carreira e antecipam o seu novo disco, “Quando a noite vem”, com canções clássicas, da sua memória afetiva, como “I can’t stop loving you” (Ray Charles), “Bom dia tristeza” (Vinicius de Moraes e Adoniran Barbosa) e “Suave é a noite” (versão de Nazareno de Brito para “Tender is the night”, famosa na voz de Moacyr Franco).