Música
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Por Silvio Essinger — Rio de Janeiro

Muito mais do que o som da marcha lenta, o que os foliões queriam do carnaval de 2023 — o primeiro realmente livre das restrições impostas pela Covid-19 e pós-eleições presidenciais — era um novo balancê. E aí, pelo que se vê nas ruas, só ficou faltando mesmo a presença física dela: Gal Costa, a cantora e musa do bloco do prazer, de tantos anos de folia.

Os 100 dias de sua morte caíram justamente nos dias de festa — que não ousou acontecer sem ela. Homenageada em shows no pré-carnaval, Gal foi lembrada em blocos e desfiles, não só pela música, mas por sua imagem libertária e profundamente feminina. Uma imagem que ela estampou no palco, na TV e em capas de LPs, e que em 21 de setembro chega aos cinemas, recriada pela atriz Sophie Charlotte, na cinebiografia “Meu nome é Gal”.

Bloco que existe há nove anos para homenagear Caetano Veloso, o Tarado Ni Você, de São Paulo, fez no sábado o desfile “Uma homenagem a Gal Costa e o desejo de um novo mundo”, com participações de Duda Brack, Xenia França, Deadcat e Filipe Catto. Na concentração para o desfile (sugestivamente, na esquina das avenidas Ipiranga e São João, famosa pela citação feita por Caetano na música “Sampa”), o diretor artístico dos últimos trabalhos de Gal, Marcus Preto, vivia uma situação curiosa:

— Muita gente falou comigo, porque as pessoas às vezes me veem como viúva da Gal... Teve gente que veio me abraçar, e eu nem conheço algumas delas. Ao mesmo tempo, isso é um sinal do quão forte é aquela figura — diz. — Já se passaram cem dias, né? Não vamos chorar juntos, é carnaval!

A cantora Duda Brack, no bloco Tarado Ni Você, que homenageou Gal Costa em São Paulo — Foto: Reprodução do Instagram
A cantora Duda Brack, no bloco Tarado Ni Você, que homenageou Gal Costa em São Paulo — Foto: Reprodução do Instagram

Com as madrinhas Alessandra Negrini e Tulipa Ruiz e as cantoras convidadas Céu e Marina Sena, o Acadêmicos do Baixo Augusta, também de SP, fez no dia 12 o desfile “Atentos e fortes” (em referência à música “Divino maravilhoso”, de Caetano e Gil, e eternizada na voz de Gal).

“Choveu torrencialmente quando entrei pra cantar, senti que foi um presente, à moda da minha São Paulo, que tanto amo (...) E viva nossa eterna Gal!”, escreveu Céu sobre sua participação na festa, que ainda contou com a presença de Sophie Charlotte a caráter.

São Paulo ainda prestou tributo à cantora com os desfiles dos blocos Gal Total (dia 12) e CarnaVrah (no sábado passado) e prepara para este sábado, a partir das 11h, um animado passeio do Bloco do Prazer pela Rua Baronesa de Itu (em Santa Cecília, Zona Oeste).

Já nesta terça de carnaval, também a partir das 11h, o bloco Pagu (com bateria formada só por mulheres) faz o desfile “Divinas maravilhosas”, com as participações das cantoras Ana Cañas, Camila Trindade e Assucena — esta última, que esteve dia 11 no Rio com o show “Rio e também posso chorar”, todo ele dedicado a recriações do disco “Fa-tal — Gal a todo vapor”, de 1971.

— Quando a Gal pinta a boca de vermelho, de uma maneira fatal, aquela boca enorme, quando ela se manifesta em respeito à miscigenação, reivindicando os cachos e os cabelos armados, ou quando lança um disco como “Índia”, que traz a vagina delineada pelo biquíni... Tudo isso é uma quebra de paradigma — diz Assucena. — É uma liberdade que tem muito a ver com o carnaval, né? A Gal, nesse sentido, é puro carnaval.

Festa com a iconografia

Neste carnaval, a iconografia de Gal foi celebrada como em nenhum outro. Blocos cariocas, como o Cordão do Boitatá (que teve um tributo musical à cantora, por Teresa Cristina, no domingo) e Céu na Terra foram um estímulo à criatividade dos foliões.

Alguns tentaram imitar os vestidos, os cabelos e a maquiagem da cantora, outros saíram com uma máscara que era tão somente a moldura do LP “Gal Tropical” (1979) e houve até quem tentasse reproduzir, em pessoa, a capa de “Lua de mel como o diabo gosta” (1987), em que Gal aparece de costas, nua, com um cigarro na mão direita e uma toalha cor de rosa enrolada na cabeça.

— Eu acho que cada vez mais esses blocos tendem a cristalizar artistas como Gal Costa num lugar que um dia foi, sei lá, de Carmen Miranda — arrisca Marcus Preto. — Se no carnaval dos anos 1960 se lembrava de Carmen Miranda, eu acho que faz sentido agora lembrar de artistas das gerações de 70 e 80.

Fã de Gal Costa recria a capa do LP "Lua de mel como o diabo gosta", de 1987 — Foto: Reprodução do Instagram
Fã de Gal Costa recria a capa do LP "Lua de mel como o diabo gosta", de 1987 — Foto: Reprodução do Instagram

Não por acaso, “Balancê” (parceria com Alberto Ribeiro e João de Barro, o Braguinha) foi um dos grandes sucessos de Carmen Miranda que Gal Costa reviveu para outros carnavais.

Frevos encapetados como “Bloco do prazer” (Moraes Moreira e Fausto Nilo), “Festa do interior” (Moraes e Abel Silva), “Massa real” (Caetano Veloso) e “Onde está o dinheiro?” (José Maria de Abreu, Francisco Mattoso e Paulo Barbosa) se somariam ao repertório de Gal na folia — embora, nos muitos blocos do carnaval atual, até mesmo um rock como “Vaca profana” e o blues “Tigresa” (ambos de Caetano), estejam conquistando nova popularidade, em arranjos para percussão e metais.

A nova vida que Gal Costa ganhou no carnaval (com direito até a homenagem de Daniela Mercury em Salvador, no seu trio elétrico) nos 100 dias da sua morte (a partir do qual suas redes sociais passaram a ser administradas pelo selo Biscoito Fino, que assumiu a missão de celebrar vida e obra da cantora) se estende também aos palcos — vários têm sido os shows, com trechos ou sua totalidade, destinados à memória da cantora.

Mês passado, Caetano (com um “Gal” escrito na camiseta) e Gil fizeram questão de cantar, em show conjunto no Festival de Verão de Salvador, o “Divino maravilhoso”, uma das raras canções que fizeram juntos — e que fizeram justamente para Gal. Simone Mazzer lidera desde dezembro um time de sete cantoras no show “Viva Gal”, que lotou um Teatro Rival Refit, no Rio, no último dia 7, durante o qual a cidade foi castigada por uma tempestade.

— Rolou aquela catarse, era o que o público estava esperando para ver nesse momento — acredita Simone. — Tinha gente de todo tipo: jovem, coroa, gente do rock e do samba... É muito bacana ver como a arte da Gal Costa está tão presente ainda na gente, como a gente está tão carente dela, ainda mais neste primeiro carnaval da liberdade. A Gal virou um ícone.

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