Música
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Por Gustavo Cunha — Rio de Janeiro

A trajetória póstuma de Marília Mendonça — vítima de um acidente aéreo, aos 26 anos, em novembro de 2021 — confirma a velha máxima de que o legado de um artista ultrapassa a vida. O atual sucesso da música “Leão”, há dois meses no topo das paradas, é um exemplo. A compositora e intérprete, que começou a escrever profissionalmente aos 16 anos, deixou um acervo com pelo menos cem canções ainda inéditas. O material passa por um processo de catalogação e mantém acesa a carreira da artista.

A série de discos “Decretos reais” ganhará um terceiro volume no dia 17 de março, como apurou o GLOBO. O projeto — com primeira parte lançada em julho de 2022 — tem faixas extraídas da live “Serenata”, realizada pela artista em maio de 2021 e que agora foi remasterizada. “Leão”, escrita pelo rapper Xamã, está em “Decretos reais 2”, disponível desde dezembro. Do início do ano para cá, consagrou-se como um fenômeno nacional e fez frente, no carnaval, aos pegajosos versos de “Zona de perigo”, do baiano Léo Santana. De acordo com a associação Pro-Música, que representa as principais gravadoras do país, a nova versão da letra (que já havia sido gravada por Marília e Xamã em 2020) acumula, em tocadores de áudio, quase a metade das reproduções totais conquistadas, em 2022, pela dupla Hugo & Guilherme com “Mal feito”, canção mais ouvida no Brasil no ano (e que tem participação, veja só, de Marília). Pelos cálculos de profissionais da área, são altas as chances de “Leão” abocanhar o posto no fim de 2023.

Por trás desse feito, está a mesmíssima equipe que acompanhava os trabalhos de Marília em estúdios e shows. Com o apoio de Ruth Moreira, mãe da artista, o time do escritório Work Show, em Goiânia, tenta unir as pontas de ideias engatilhadas pela cantora. No horizonte fértil, há a previsão de um disco com duetos póstumos, uma biografia, um documentário, um livro com fatos curiosos e inusitados... Isso sem falar nas composições e nas também centenas de gravações em diversos estágios de finalização, incluindo aí duas faixas com Maiara & Maraisa (com quem Marília formava o trio “As patroas”) que devem ser liberadas em breve.

— É tanta coisa que ela deixou... Não dá nem para saber o tamanho. A certeza é que a gente ainda vai, por muito tempo, ouvir novidades de Marília Mendonça — diz Marcelo Soares, presidente da gravadora Som Livre.

'Mix de nostalgia e sofrência'

Desde o fatídico novembro de 2021, o consumo de músicas da Rainha da Sofrência, como Marília Mendonça era conhecida, registra uma curva ascendente em plataformas digitais. Os números nunca estagnaram. A turma de profissionais que conserva o baú de preciosidades da cantora faz o possível para que esse quadro — com renda revertida para a família — não se altere. O objetivo é não deixar esquecido o trabalho que a própria artista cultivava com afinco, como ela fazia questão de demonstrar, centralizando todas as etapas de produção para si.

— Tudo o que Marília pensava era um acontecimento. O fato de a gente, da equipe, ter sido muito próximo é o segredo do nosso negócio agora. Nada do que estamos fazendo destoa do que ela faria — afirma Gustavo Marques, gerente de marketing da Work Show, ao discorrer sobre o delicado processo de tocar a carreira póstuma de uma artista. — A gente não almeja o primeiro lugar. O que fazemos acontece de forma desprendida. Não existe pressa. Reviver Marília é um mix de nostalgia e sofrência, porque sabemos que está faltando a peça principal da nossa equação.

Os cantores Marília Mendonça e Xamã em 2020, no lançamento da primeira gravação de “Leão” parceria dos dois — Foto: Divulgação/Guilherme Falcão
Os cantores Marília Mendonça e Xamã em 2020, no lançamento da primeira gravação de “Leão” parceria dos dois — Foto: Divulgação/Guilherme Falcão

Os profissionais enxergam o atual trabalho como uma espécie de obrigação incontornável. Não haveria como ser diferente, eles afirmam, ao se defenderem de possíveis críticas. Vem desse pensamento, aliás, o título “Decretos reais”.

— É como se cumpríssemos agora os desejos da rainha — sugere Danyella Soares, diretora executiva da empresa. — Questionar isso significaria por em questão a artista. Então temos aí um produto inquestionável.

Por respeito à imagem de Marília, a divulgação dos trabalhos póstumos tem ocorrido apenas por meio dos fã-clubes. É para eles que os empresários enviam, em primeira mão, informações sobre as novidades que estão por vir. Com seus admiradores, a cantora criou uma relação próxima de troca e cumplicidade. Tornou-se amiga de vários. Criou um canal para consolidar a comunicação entre os vários fã-clubes. Abriu grupos no WhatsApp.

— Ela achou a fórmula para não pirar, pois se relacionava com todos como um ser humano normal — relata o fotógrafo e amigo Flaney Gonzallez, autor da imagem inédita na capa deste caderno. — Para um artista, normalmente são as pessoas que vão até ele. Com Marília, não. Ela fazia questão de manter a via de mão dupla.

Fenômeno incomparável

No início do ano, não à toa, parte dos fãs iniciou um mutirão nas redes sociais para que os números de “Leão” fossem alavancados. Após a campanha, a canção alcançou o Top 50 Global — entre as músicas mais ouvidas no mundo — da plataforma Spotify. E mais: no último mês, a letra assumiu o primeiro lugar entre as mais tocadas em rádios do país, segundo dados da empresa Audiency. Tudo é fruto de um movimento espontâneo.

— Marília passou a viver através da própria obra — emociona-se Chayenni Fiorelli, jovem de 26 anos, natural da cidade Cunha, em São Paulo, e criadora do primeiro fã-clube dedicado à artista. — Para mim, é como se ela realmente estivesse vivendo entre a gente. Entendo que, com o passar do tempo, haverá a hora inevitável que isso tudo vá se apagando aos poucos, pois a roda do mercado sempre gira. Esse é um receio, claro. Mas a sensação geral é de ouvir as músicas póstumas e parecer que está tudo bem.

Se na música pop internacional há exemplos parecidos em que a morte de artistas não impediu releituras e uma “crescente” em termos de popularidade — vide Michael Jackson, Beatles, Prince e David Bowie —, em solo tupiniquim Marília Mendonça pode ser considerada um exemplo atípico. Nenhum artista manteve a mesma capacidade de continuar despertando o interesse de uma grande massa, a ponto de qualquer nova música ir direto para o topo das paradas.

— No país, Marília era a artista com o público mais vasto em seu momento de auge. A rejeição praticamente não existia. Mesmo a pessoa que não curtia sertanejo gostava de Marília — aponta o jornalista e pesquisador musical André Piunti. — E ela ainda tinha essa base de fãs jovens do mundo digital, que hoje continua a se engajar nas redes. Isso tudo ajuda a explicar o fenômeno. É algo, de fato, incomparável. Nunca se viu nada do tipo.

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