Música
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Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

Gilberto Gil batuca a ponta dos dedos no couro do tamborim enquanto ensina o neto Bento a tocar no violão “O pato”, clássico na voz de João Gilberto. É quando Flora, companheira do artista, chega de mansinho, posiciona o corpo atrás do marido e ajeita, com o maior cuidado, a alça do violão elétrico pendurado em seu corpo.

— Imagina, são dois quilos de peso, ele está todo torto — observa ela.

Alguém já havia colocado uma cadeira para que o compositor de 80 anos se sentasse. O que ele não fez nem por um minuto durante o ensaio do show “Nós a gente”, na quarta-feira (15), em estúdio na Gávea, Zona Sul do Rio de Janeiro. O clima de carinho e gentileza se estende entre os outros 12 integrantes da família Gil, que passam a limpo as 22 canções que compõem o repertório da apresentação.

Preta Gil ensaia com a família para participar do show “Nós a gente”

Preta Gil ensaia com a família para participar do show “Nós a gente”

A turnê, que reúne Gil, seus filhos e netos (a bisneta, Sol de Maria, também deve dar o ar da graça), rodou a Europa no ano passado e aporta nesta sexta e sábado (com ingressos esgotados), além de domingo, no palco carioca do Qualistage, na Zona Oeste. Depois, roda por Belo Horizonte, São Paulo e Salvador.

— A Florzinha quer passar essa de novo — informa Gil à banda, quando a neta Flor pede que toquem novamente a canção “Amor até o fim”.

— É que deu um branco... — explica ela.

Presença festejada

Nessa hora, a tia Preta saca o celular e oferece a letra completa à sobrinha na tela do telefone. A presença de Preta ali, aliás, é muito festejada. Só na véspera houve a confirmação de que ela, em meio ao tratamento contra um câncer de intestino, seria liberada pelos médicos a subir ao palco com a trupe. E a cantora surge no estúdio com uma cara ótima e a maior disposição.

— Deus ouviu minhas preces — conta ela. — Porque, de todos os compromissos profissionais que cancelei, este seria o que mais me entristeceria ficar fora. Até a ausência no carnaval eu aceitei com resiliência, mas não fazer essa turnê no Brasil seria um terror para mim. Com a ajuda dos meus médicos, eu consegui. Eles me liberaram com limitações para fazer o show.

Preta não participará da apresentação inteira. Entrará mais para o final, cantando seus sucessos “Sinais de fogo” e “Vá se benzer”, que dedicará à madrinha Gal Costa, com quem gravou a canção. Também fará backing vocal em “Andar com fé” (com direito à dança da irmã Bela) e em outras duas canções, além de voltar para o bis, ao som de “Refazenda”, “Aquele abraço” e “Toda menina baiana”.

A artista ainda não sabe se poderá subir ao palco no sábado e no domingo. Tampouco se cumprirá o restante da agenda da turnê. Vive um dia de cada vez. Mas se depender de seu famoso alto-astral...

— Tenho que ver como vou me sentir, como meu corpo vai reagir no palco... Mas é bem provável que eu chegue em Salvador fazendo até o show de abertura (risos) — brinca. — A tendência, segundo os médicos, é que eu vá melhorando da radioterapia com o passar do tempo.

Uma novidade na versão brasileira da turnê, que tem patrocínio da Natura, é o cenário assinado por Liana Brazil, da agência de design SuperUber. Ela projetará num telão de 14 metros vídeos caseiros pescados da memória do celular de Flora, além de imagens que pesquisou no acervo Google Arts & Culture dedicado a Gil.

Duas músicas entram pela primeira vez no set list do show. Uma é “Metáfora”, que Gil fará em dueto (emocionante) com Bento.

— Foi ideia de Flora aproveitar que já fazemos juntos “O pato” para complementar com algo da mesma natureza e intensidade. É interessante porque a gente troca de instrumento: ele pega o tamborim, e eu, o violão — adianta Gil.

“Ovelha negra” é a outra. Desde que Rita Lee morreu, Gil passou a tocá-la em casa, ao violão, numa versão “bem diferente de quase todas as que existem por aí”, define ele. O compositor quis que as vozes femininas da filha Nara, da neta Flor e da nora Mariá Pinkusfeld conduzissem a canção.

Depois que elas a interpretam no ensaio, rola uma problematização em torno da palavra “negra” do título.

— Não é como se negra fosse uma coisa ruim? — questiona alguém.

No que Bento contemporiza:

— Acho que, nesse caso, tem o sentido de rara, de peixe fora d’água.

Discussão parecida acontece na hora de “Vá se benzer”, que tem uma estrofe que diz: “Negro, branco, índio eu sou.” A maioria sugere que se troque “índio” por “indígena”. O desafio, então, passa a ser como encaixar a palavra, maior que a original, na métrica da música.

A ‘democracia com responsabilidade’ do patriarca

Como já deu para perceber, tudo na família Gil passa pelo debate. Mas, embora todo mundo dê seus pitacos, principalmente nas questões musicais — destaque para Bem Gil, o diretor musical cuja opinião é respeitadíssima pelos integrantes dessa trupe —, a decisão final é sempre do patriarca, Gilberto Gil. Justíssimo. Entre goles de chá verde, ele explica como a coisa funciona:

— O primeiro elemento decisório sou eu, que dou a última palavra a respeito de todas as coisas. Flora também tem essa função. Bem também. Há dentro dos grupos que se formam as hierarquias de comando e controle. Todo mundo fala, todo mundo opina, e as opiniões são acolhidas — afirma.

Muito dessa dinâmica é fruto do tipo de educação que Gil e suas diferentes parceiras ao longo da vida aplicaram dentro de casa. Afinal, como disse o autor de “Tempo rei” numa conversa com o mano Caetano Veloso em seu programa “Amigos, sons e palavras” (do Canal Brasil), se os filhos são criados na base da conversa, a tendência é que se tornem grandes amigos dos pais. Não deu outra.

E mais. O que também acabou acontecendo naturalmente é que eles viraram parceiros profissionais.

— Somos colegas (de trabalho). Eles foram vindo à medida que iam crescendo. O meu envelhecimento coincidiu com o florescimento deles, eles saindo da semente para árvores e eu saindo da árvore para não sei onde (risos)...— brinca. — O repertório dessa turnê nasceu de um exercício de manifestação de cada um em relação a preferências musicais. São sugestões de filhos, netos, parentes, aderentes como genros, noras...

Dona Flora, apelido tudo a ver pelo qual a matriarca manda-chuva é chamada por parte da família, define o modus operandi dos Gil como “democracia com responsabilidade”:

— Porque é uma democracia até certo ponto. Quando eles sabem que não tem muito jogo, facilitam, abrem mão, ouvem. A gente se abraça, se gosta, então, é fácil trabalhar junto.

Se engana, no entanto, quem acha que não tem treta.

— Tem treta, sim, mas de leve. É aquela coisa de um não querer ficar no quarto com outro, criança com sono... O que vai dando errado em cada núcleo bate em mim — conta. — Na viagem da turnê, Gil só queria saber de cama. Já eu sou a chata da comida, como o Francisco, que também gosta de comer bem. A Bela se controlando para não ficar criticando o prato do outro... Enfim, cada um com a sua personalidade.

Gil arrisca, por fim, um palpite para desvendar os motivos que fizeram muita gente ter vontade de entrar para essa família ao assistir à série “Em casa com os Gil” (dia 30, estreia a continuação, batizada de “Viajando com os Gil”, no Prime Video):

— Todo mundo quer uma família. Todo mundo precisa de uma mãe, como diz Zeca (Veloso, autor da canção “Todo homem”). Se possível, um pai também. Mas mãe é fundamental, ninguém vive sem. É ela quem põe no mundo, amamenta ou deixa na porta de um quartel de bombeiros para alguém cuidar de resolver (risos). Família é um esteio da vida social. E a nossa é apenas um exemplo.

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