Música
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Por Luiz Fernando Vianna; Especial Para O GLOBO — Rio de Janeiro

Em 1977, aos 8 anos, Alexandre Silva de Assis se deu conta da existência de Caetano Veloso. Era o autor do tema de abertura da novela “Sem lenço, sem documento”, que ele via diariamente na TV Globo. Esta música, “Alegria, alegria”, foi uma das primeiras gravadas para o álbum “Xande canta Caetano”, que chega às plataformas de streaming amanhã. Enquanto a ensaiava no estúdio, Xande de Pilares percebeu que o autor estava presente e começou a errar a letra.

Corta para semanas depois e a música interpretada é “Gente”, escolhida para ser a décima e última faixa do álbum. A surpresa do cantor é outra: depara-se com Caetano chorando copiosamente de emoção pelo que acabara de ouvir.

— Fico sem graça, mas fico feliz — diz Xande. — Até aqui o objetivo está sendo alcançado. A gente sempre quer chamar a atenção dos nossos ídolos. É bacana quando a pessoa que você admira te admira também. Eu me considero no começo de tudo. Aquele garoto de 77 continua aqui, querendo aprender. Não é natural estar com Caetano nem com artista nenhum da geração dele. Respeito muito os meus professores.

A timidez do carioca nascido no Morro do Turano, na Tijuca, fez com que demorasse a acontecer a aproximação com o ídolo. O amigo em comum Pretinho da Serrinha insistia em levá-lo à casa de Caetano e Paula Lavigne, que queriam conhecê-lo.

— Uma vez ele conseguiu me levar e eu nunca mais parei de ir — recorda Xande.

Caetano vai às lágrimas com versão de Xande de Pilares para 'Gente'

Caetano vai às lágrimas com versão de Xande de Pilares para 'Gente'

Entusiasmado com o que o novo amigo contava e cantava, Caetano propôs o projeto “Xande canta Caetano”. O trabalho foi realizado em 2021, ainda na pandemia, no estúdio que Paula e o marido têm em casa, em São Conrado. Ela virou a diretora de produção e Pretinho, o diretor musical. O autor das canções ouviu e aprovou todas as versões.

— Pretinho é um gênio e Xande, um fenômeno. Estou comovido até agora. Todo o repertório foi escolhido com sabedoria. Fico honrado, grato e encantado — afirma Caetano em entrevista por e-mail.

Para explicar o que pensa do sambista, ele faz uma alusão ao período (um ano) da adolescência em que morou no subúrbio do Rio:

— Xande é um talento real, verdadeiro. E traz a essência da cultura carioca da Zona Norte e das favelas da Zona Norte. Eu, como semicarioca de Guadalupe e com escapadas infantojuvenis pelo Muquiço, vi e ouvi nele a presença da música de forma intensa e a cultura que se desenvolveu nesses ambientes.

Xande viveu em diversos bairros e arrumou vários trabalhos, como numa empresa de limpeza. Em 1994, já como Xande de Pilares, criou com cinco rapazes o Grupo Revelação. Conheceu o sucesso e a fama de “pagodeiro”, rótulo que considera pejorativo — e do qual se livrou, em boa parte, ao se destacar na carreira solo e passar a ser chamado de sambista.

— Pagodeiro é quem vai no pagode. Tem uma música em que digo: pagodeiro frequenta a roda de samba em que o sambista toca — ressalta. — Quem acaba com o preconceito somos nós, com nossas atitudes. Todo mundo acha que só escuto e canto samba. Sempre escutei de tudo. Tenho oportunidade de mostrar isso com esse novo trabalho.

Ainda no Revelação, houve a ideia de um disco “Tudo acaba em samba”, em que seriam adaptadas composições de Caetano, Chico Buarque, Milton Nascimento e outros. Não saiu do papel. O projeto de agora vai além do samba. Nos arranjos de Pretinho há, por exemplo, momentos de ijexá, bolero e samba-canção.

— A ideia do Pretinho é que valia. Senão, eu ia levar para a zona de conforto — conta Xande. — Gosto de ser dirigido, de ser produzido. Assim, a gente trabalha mais com a razão. Quando bota a emoção na frente, leva para o lado que todo mundo conhece. A intenção era causar certa surpresa. Ainda não tive a chance de mostrar todas as minhas possibilidades.

Uma possibilidade ainda o assusta: interpretar músicas acompanhando-se apenas ao cavaquinho. É um formato raro que Caetano gostaria de ver em cena.

— Ouvi Xande lá em casa cantar minha “Ela e eu” e me emocionar profundamente, a mim e a meu filho Zeca — diz. — Depois ele me surpreendeu cantando o “José” de Drummond (Carlos Drummond de Andrade) musicado pelo Paulo Diniz, só com cavaquinho. Xande pode fazer com o instrumento muitas coisas diferentes, mais ou menos encorpadas, e isso daria surpreendentes momentos no palco. Ainda sonho em vê-lo cantar assim em trechos de um show.

Ainda não estão marcados os shows do projeto. Mas Xande não para de ouvir o álbum, repetindo especialmente “Tigresa”. É algo raro para alguém que não se considera um bom cantor.

— A voz está limpinha. Estou cantando como nunca cantei na vida — orgulha-se.

Divisor de águas

O novo disco começa, não por acaso, com o som do cavaquinho de Xande de Pilares. Depois entram os outros instrumentos do arranjo de “Muito romântico”. Quando escutava a música, na infância, era com Roberto Carlos, e pensava que o Rei fosse o autor. Só depois descobriu que era de Caetano Veloso.

Parte do repertório foi escolhida em função dessas histórias pessoais. A lembrança de “Qualquer coisa” é de um professor pedindo para os alunos escreverem o que a música lhes sugeria. Aos 13 anos, Xande escreveu apenas “qualquer coisa”. O professor não gostou, mas acabou aprovando.

— Gosto do mistério que tem a letra. É um quadro abstrato, cada um interpreta da sua forma — opina o cantor. — Eu até falei para o Caetano: “Se errei, peço desculpa, mas foi o que eu entendi naquele momento”.

Para “Trilhos urbanos”, ele, assumido noveleiro, sugeriu introduzir um trecho do tema de “Escrava Isaura”, composto por Dorival Caymmi. “O amor” entrou por ele adorar a versão de Gal Costa. “Luz do sol” já havia sido cantada em shows. “Diamante verdadeiro” é perfeita para o seu estilo de dividir o canto. “Lua de São Jorge” foi sugestão de Pretinho. Ainda ficou de fora “Irene”, cujo resultado não agradou o diretor musical.

“Xande canta Caetano” aproxima ainda mais os dois. O baiano e seus filhos já tinham cantado “Tá escrito”, de Xande e Gilson Bernini, no show “Ofertório”. O álbum também é, nas palavras do sambista, um divisor de águas na vida.

— A gente fala de Candeia, Lupicínio Rodrigues, Dolores Duran, Ataulfo Alves. Quero ser falado também — afirma. — Meu avô dizia: “Mesmo que não seja o melhor, procure estar entre os melhores”. Ainda não me sinto. Um dia eu chego lá.

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