Rodrigo Hayashi começou a escrever raps aos 12 anos, em 1992. Três anos depois, descobriu a pichação e começou a se arriscar nuns rabiscos nas paredes de São Paulo. Em 2002, voltou a escrever suas rimas, impressionado com o rap “Sétimo volume da enciclopédia, letra H”, de Mzuri Sana e Rua de Baixo. Ali surgia o MC Ogi (alcunha dos tempos de pichador, que vem de Ogirdor, Rodrigo ao contrário), espécie de MC dos MCs do rap nacional, que não parou mais de rimar e só agora, 21 anos depois, ganha o devido reconhecimento, com “Aleatoriamente”.
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Lançado no último dia 27, o terceiro álbum de Rodrigo Ogi, de 43 anos, logo se tornou uma unanimidade do estilo, unindo a crítica especializada a artistas como o produtor Daniel Ganjaman (“fazia um bom tempo que não escutava algo de fato inovador no rap brasileiro”) e o cantor China (“letras com sacadas incríveis e beats que fogem do lugar-comum”). Colega de geração de rappers hoje no primeiro time da MPB, como Criolo e Emicida (que em 2018 cantou a bola no Twitter: “O Ogi é gênio. Sem debate. Ponto final”), o paulistano reconhece que a estrada até aqui foi longa.
— Vários caras que começaram comigo hoje não fazem mais música. É uma coisa muito difícil, frustrante. Você se dedica, mas não tem retorno. E a gente precisa comer, né? — diz ele. — Mas tinha alguma coisa lá dentro de mim que falava: “Vai dar certo, vai dar certo!” Parar de fazer música nunca passou pela minha cabeça. E a vontade de trazer uma novidade, de fazer uma coisa melhor quer a anterior, é o que vai me renovando.
Pela primeira vez com produção do cantor, violonista e compositor Kiko Dinucci (do grupo Metá Metá), com quem já havia colaborado em outros trabalhos, Ogi exercitou em “Aleatoriamente” (que terá show de lançamento dia 27, em São Paulo, no Sesc Pinheiros) os seus pendores para o realismo fantástico e demais pirações. “Vídeo sobre tartaruga/ vídeo pra quem trata ruga/ caí num vídeo que o veneno mata praga e pulga/ me imaginei pegando a estrada e a pulga na garupa”, versa na faixa-título do álbum, um rolê pela mente caótica do rapper quando tocada pela internet.
— Apesar de todas as faixas conversarem entre elas, este é um disco que trata de vários temas. E, aos 45 minutos do último tempo, compus “Aleatoriamente”, a faixa que veio a dar título ao trabalho — explica Ogi. — Nela, fui descrevendo o que estava acontecendo comigo na hora. Acordei inspirado, mas aí me veio a ansiedade, fui navegando pela internet, a cabeça a milhão com vários pensamentos ao mesmo tempo... Tem coisas que eu começo a escrever e aí vou construindo a história como se fosse um cara tocando jazz, botando as palavras como se fossem notas.
“Aleatoriamente” se segue a dois álbuns bem espaçados no tempo (“Crônicas da cidade cinza”, de 2011; e “R Á”, de 2015), e um EP mais recente (“Pé no chão”, de 2017). Agora, Ogi planeja produzir com um pouco mais de rapidez:
— Antes, eu ficava acumulando ideias e vivenciando as coisas, agora desenvolvi um método: sempre que vou compor, começo a ler um livro, não importa de quê, pode ser até de culinária. Isso vai ativando minha cabeça e vou tendo insights. E, geralmente, o que escrevo a partir daí não tem nada a ver com o que estou lendo. Tá dando certo, vamos ver até quando.
Segundo Kiko Dinucci, a ideia ao receber o convite para produzir Ogi em “Aleatoriamente” foi a de pegar a sua lírica e botá-la num outro cenário, que não fosse o do rap castiço, mas também não cortasse sua ligação com o gênero — daí a decisão de usar menos instrumentos reais e fazer um disco mais eletrônico e sujo.
— Rodrigo é um cronista, um contador de histórias, uma coisa rara no rap de hoje — atesta o produtor. — Ele tem uma coisa de moleque que viu muita “Sessão da tarde”, que é fascinado por narrativas e que leva a literatura um pouco mais a sério que os outros. O Rodrigo é um cara que estuda, que lê livros, e isso alimenta esse lado ficcionista dele, as rimas ricas.
Siba e Russo Passapusso
E essas rimas estão em faixas como “Peixe” (“Parecia um guindaste me puxando no anzol/ vem o som do desespero ecoando em si bemol/ eles vão me abrir no meio pra me castigar/ e a minha cabeça vão jogar pra um gato mastigar”) e a kafkiana “Metamorfose” (“algo crônico e malévolo/ essa dor faz com que ele se abale bem/ e ele lembra na hora de um trecho da cena/ de Sigourney Weaver em ‘Alien’”).
Já o Nordeste (de onde vêm alguns de seus parentes, entre eles a avó pernambucana que fugiu de casa para se casar com um japonês) e sua lírica de cordel são carimbados pelas participações do pernambucano Siba (em “Valha-me”), o baiano Russo Passapusso (“Saudade”) e o cearense Don L (“Eu pergunto por você”).
Artista que só começou a viver exclusivamente de música em 2011, Rodrigo Ogi fala de tudo um pouco em “Aleatoriamente” — e não poderia faltar o perrengue de todos os dias, em “Rotina” (“mas a minha mina disse que minha arte não é arte pois não é meu ganha-pão/ hoje tô no food-truck fritando hambúrger, mas já fui Uber”).
— A arte muitas vezes não é considerada um trabalho, do jeito que as pessoas pensam em CLT, dez horas por dia num lugar — analisa. — Mal sabem elas que as vezes você passa horas, dias, trabalhando em uma música.