Música
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Por — Rio de Janeiro

Objetivamente, é o disco ao vivo de um show sem disco. Subjetivamente, é a poética travessia de Chico Buarque por seu repertório mais aguerrido, a revisão dos horrores passados em um país que os viu regressar em tempos recentes na combinação letal de autoritarismo, obscurantismo e pandemia.

Mas "Que tal um samba? (ao vivo)" traz algo mais do que a princípio possa parecer: é o registro de um artista no encontro com uma geração que enfim - e pelas mais diversas razões - fez dele uma figura pop no melhor dos sentidos.

O disco que chega esta sexta-feira às plataformas digitais (e, anacronicamente, às lojas em CD e DVD - quando é que os mais novos poderão saciar seu fetichismo com uma caprichada edição em LP?) reproduz o show com o qual Chico e a cantora convidada Mônica Salmaso percorreram Brasil e exterior (com eventuais temporadas longas, em cidades como o Rio, para atender a demanda), animados pelo mote de "Que tal um samba?", canção inédita lançada em junho do ano passado.

Crônica da aflição em meio ao desmonte (do país, da razão) dos últimos anos, a composição de combativo otimismo reuniu força suficiente para ancorar um repertório de 31 canções, das mais variadas fases de uma carreira de seis décadas. Nos coros da platéia, de vozes vibrantes, dá para perceber a quem se destina esse espetáculo: ao público jovem demais para ter visto Chico Buarque - o cara popularizado pelo meme das carinhas feliz-triste, da capa de seu LP de 1966 - em algum dos shows anteriores, bastante espaçados no tempo, e condicionados ao lançamento de um álbum.

"Que tal um samba?" é um evento, palco para todas os gritos engasgados na garganta, com canções que são o mais perfeito veículo para tal. E também a oportunidade de se estar cara a cara com o artista que hoje inspira até mesmo uma Luíza Sonza em seus suspiros de amor por outro Chico. É meio como estar diante de Bob Dylan: a idade maltratou a voz, a banda é praticamente a mesma há décadas, mas é ELE, cantando as suas próprias canções. Ninguém vai esperar ouvi-las como nos discos, o que vale ali é a experiência Chico Buarque.

Não sendo como Caetano Veloso e Gilberto Gil, tropicalistas que mudaram de roupa musical muitas vezes do longo das carreiras, Chico justifica (mais) esse registro ao vivo pela fidelidade aos seus valores musicais. O samba, em primeiro lugar, e depois a bossa nova com profundidades eruditas de Tom Jobim, seu maestro soberano.

Na observância atenta desses paradigmas e um olhar aguçado para a inustiça e a beleza de cada um dos períodos em que viveu, ele construiu uma obra das mais sólidas e abrangentes da música popular brasileira - que não perde riqueza nem mesmo em um recorte tão específico quando o desse show.

Capa do CD "Que tal um samba? ao vivo", de Chico Buarque — Foto: Reprodução
Capa do CD "Que tal um samba? ao vivo", de Chico Buarque — Foto: Reprodução

Mônica Salmaso abre o espetáculo (e o disco) com “Todos juntos” (do musical “Os Saltimbancos”), batuca um tamborim e canta o samba “Bom tempo” e singra com maestria e beleza pelos contornos melódicos (e pela poesia) de “Beatriz” (parceria de Chico e Edu Lobo, do musical "O Grande Circo Místico"), arrancando merecidos aplausos.

Chico só surge no palco, para juntar-se a Mônica, em "Paratodos" (faixa-título do LP de 1993), e com ela interpreta "Sinhá", uma das suas mais fortes canções recentes (ou melhor, de um de seus últimos álbuns, "Chico", de 2011). Juntos, eles ainda prestam uma homenagem a Gal Costa, na forma de "Biscate", canção do repertório da cantora falecida em novembro do ano passado (quando o espetáculo já estava na estrada).

Sem Mônica, Chico ressalta o brilho dos violões de “Choro bandido”, faz o público acompanhá-lo em “Sob medida” e dá a sua interpretação sóbria e carinhosa para “Bastidores” – música feita para a irmã Cristina e consagrada por Cauby Peixoto. Logo depois, em “Mil perdões”, ele presta outro tributo a Gal, dona suprema dessa composição.

Em momento mais contemplativo do show é a vez de Chico estimular o coro da plateia, em clima festivo, com a naturalmente melancólica “Futuros amantes” (do LP "Paratodos") e de dar um retrato cruel (e atemporal) do país em “Bancarrota blues”. “Tua cantiga” e a tensa “Caravanas” (fundida à antiga “Deus lhe pague”) mostram o poder do repertório mais recente do compositor, para desembocar em “Que tal um samba?”, com o baixista Jorge Helder fazendo o bandolim de Hamilton de Holanda – hora em que o público lava a alma.

Ao fim, "Maninha", que era para ser só uma homenagem à irmã Miúcha (falecida em 2018, e com quem ele gravou o dueto na versão original), acaba sendo (a despeito da alta voltagem lírica impressa por Mônica Salmaso) um dos grandes momentos políticos do show, com um público que aplaude com vontade os versos (cantados entre risos) “que um dia ele vai embora / ô, maninha / pra nunca mais voltar”.

Obviamente, a sensação é irreproduzível em disco, mas “Que tal um samba? (ao vivo)” pode reavivar as lembranças de quem esteve lá - e fazer sonhar quem não esteve.

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