Música
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Por — Rio de Janeiro

O ano de 1974 se iniciou com uma mudança no carnaval carioca: com a interdição da pista da Candelária por causa das obras do metrô, o desfile das escolas de samba do Grupo Especial foi transferido para a avenida Presidente Antônio Carlos — e o tema mais cantado daquele desfile foi “O mundo melhor de Pixinguinha (Pizindin)”, da Portela. Aquele seria também o ano da morte de Donga (que em 1916 gravara a primeira música a ser creditada como “samba”, “Pelo telefone”) e o da consagração de Julinho da Adelaide, compositor fictício, criado por Chico Buarque para driblar a censura e assim conseguir gravar e lançar em disco o samba-denúncia “Acorda, amor”.

Mas quem despertou mesmo foi o próprio samba: 1974 teve o lançamento de importantes LPs, que agora completam 50 anos. Respectivamente sexto LP de Martinho da Vila e sétimo de Clara Nunes, “Canta canta, minha gente” e “Alvorecer” foram direto para os primeiros lugares das paradas de discos no Brasil. “Gravado ao vivo”, de Benito di Paula (ao lado de Martinho, atração no próximo domingo do festival Universo Spanta, no Rio) se tornou também um dos LPs mais vendidos do ano no país, no embalo do samba-joia, precursor do pagode dos anos 1990, da suingada faixa “Charlie Brown”.

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Foi também o ano em que, aos 65 anos de idade, dois veteranos e míticos compositores, fundadores de grandes escolas de samba, gravaram seus primeiros LPs, cantando suas criações: Cartola, da Estação Primeira de Mangueira; e Mano Décio da Viola, da Império Serrano. Ainda em 1974, jovens artistas vindos de outros estilos encontraram seus lugares no samba (Luiz Ayrão e Beth Carvalho), uma promessa mostrou ao que vinha (João Nogueira), um grupo chegou ao sucesso nacional (Os Originais do Samba) e uma cantora com certo tempo de estrada se esbaldou na liberdade (Elza Soares).

— Naquela época havia produtores e diretores artísticos de gravadora com feeling, e as pessoas eram mais interessadas na qualidade da música — arrisca Jorginho do Império, 79 anos, músico que viveu esse 1974 de samba como poucos. Além de filho de Mano Décio da Viola, ele foi um dos percussionistas com os quais Martinho da Vila gravou e fez a turnê de “Canta canta, minha gente” e ainda conseguiu lançar seu primeiro LP solo, “Pedra 90”, naquele ano.

Amigo de infância de João Nogueira, que morava no Méier, Luiz Ayrão cresceu no samba e se tornou vizinho, no Lins e Vasconcelos, do jovem capixaba Roberto Carlos. Quando Roberto deixou a bossa nova para investir no rock, pediu a ele umas músicas “no estilo Elvis Presley e Neil Sedaka”. Mesmo sem gostar de rock, Ayrão fez “Só por amor”, que o cantor gravou – e assim se tornou um dos fornecedores de sucesos para Roberto (entre eles, “Nossa canção”). O rapaz seguiu fazendo sambas para o bloco Mocidade do Méier e um dia mandou dois deles numa fita K7 para Odeon, tentando que entrassem no repertório de algum astro da gravadora, como Clara Nunes ou Wilson Simonal.

— Eu já era advogado, tinha um escritoriozinho montado, e um dia pediram que eu fosse à Odeon assinar contratos de liberação de autor. Quando perguntei quem seria o cantor, falaram: “Entra você aí no estúdio e põe a voz.” — conta Luiz Ayrão, que assim gravou “Porta aberta”, samba que estourou na versão em compacto e foi o carro chefe de seu LP de 1974. — Não gosto de usar essa palavra, mas havia naquela época uma onda de patriotismo. A pessoa tinha orgulho de dizer que era brasileiro, que o Brasil era o país mais rico e mais bonito, que o seu futebol era maior do mundo.

O sucesso levou Luiz Ayrão a cantar samba para as classes mais abastadas, inclusive em São Paulo, onde foi se apresentar em boates como a Catedral do Samba, no Bixiga. Lá, Pery Ribeiro cantava bossa e Benito di Paula era a grande atração do novo samba, estourado que estava com “Retalhos de cetim”.

— Era difícil, mas a gente conseguiu! — desabafa Benito, que naquele 1974 foi celebrar o êxito do “Gravado ao vivo” no festival francês Midem.

Clara Nunes

Escreveu o produtor Adelzon Alves na contracapa: “Ficamos bastante certos de que esse disco acabará de fixar, definitivamente, esta imagem áudio e visual de cantora essencialmente brasileira, que Clara Nunes vem assumindo, como foi planejado há 4 anos passados, começando pelo ‘Misticismo da África ao Brasil’.” De fato, “Alvorecer” não só estabeleceu a cantora como uma legítima estrela do samba, como foi um fenômeno comercial para o gênero, com 400 mil cópias vendidas de cara. “Conto de areia” (“é agua no mar,é maré cheia”), de Romildo e Toninho Nascimento, estourou logo. Mas o LP contava com uma seleção imbatível: reunia Caymmi (“O que é que a baiana tem”), Candeia (“Sindorerê”) e João Nogueira ( “Esse meu cantar”), além deElton Medeiros, Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro. Era o destino.

Disco de Clara Nunes — Foto: Fernando Lemos / Reprodução
Disco de Clara Nunes — Foto: Fernando Lemos / Reprodução

Martinho da Vila

Mais do que um disco de samba, um compêndio de cultura popular brasileira, com todo débito que ela tem às tradições africanas e indígenas. Era essa a ideia de Martinho da Vila para seu LP de 1974. Mas ela merecia uma embalagem de primeira, inclusive porque estaria ali um clássico do porte de “Patrão, prenda seu gado”, de Donga, Pixinguinha e João da Baiana.

Disco de Martinho da Vila — Foto: Martinho da Vila
Disco de Martinho da Vila — Foto: Martinho da Vila

— A gravadora fazia uns discos bonitos, de capa dupla, mas era para determinados artistas. Para os mais populares, sambistas principalmente, tinha que ser capa simples, com a foto da cara do artista. Eu falei: “Vamos mudar isso!” Mas a gravadora ficou aborrecida, porque os álbuns não vendiam muito, eram mais caros — revelou o cantor ao GLOBO, no ano passado.

Escolhida como música de trabalho, a faixa-título puxou o disco, que ainda fez sucesso com outro grande samba da pena do cantor de Duas Barras, consagrado em Vila Isabel: “Disritmia”.

— Aí houve pedidos do Brasil inteiro e eles tiveram que parar a fábrica só para fazer mais LPs! — desabafa Martinho.

Cartola

Gravado por insistência do produtor paulista J.C. Botezelli, o Pelão (1942-2021), “Cartola” traz boa parte daqueles sambas pelos quais se conhece o compositor: “Disfarça e chora”, “Tive sim”, “O sol nascerá”, “Acontece”, entre outros. Feito com os melhores músicos do samba, num dos melhores estúdios do Rio (o da RCA, em Copacabana), ele registra um clima de descontração que incomodou o publicitário Marcus Pereira, dono do selo que iria lançar o LP. Em sua biografia, Pelão conta que Pereira reclamou até de latido de cachorro. “Mas era a cuíca do Marçal!”, escreve. Em agosto de 1974,“Cartola”entrou na lista dos 10 LPs mais vendidos do Jornal do Brasil — e lá se manteve por quatro semanas, até sair o “Alvorecer” de Clara Nunes.

Disco de Cartola — Foto: Fernando Lemos/Reprodução
Disco de Cartola — Foto: Fernando Lemos/Reprodução

Mano Décio da Viola

Parceiro de Silas de Oliveira no clássico samba-enredo da Império Serrano “Heróis da Liberdade”, Mano Décio contava 46 anos de composição quando um de seus grandes admiradores, Álvaro Casado, conseguiu viabilizar a gravação de um LP que seria dado de brinde por uma gráfica aos seus clientes. Mais tarde, o disco foi reeditado, sem grande repercussão, pela gravadora Tapecar.

— Papai comprava uma caixa de LPs e saía distribuindo entre os amigos — conta o filho do sambista, Jorginho do Império.

Beth Carvalho

Revelada para no Festival Internacional da Canção de 1968 com a toada “Andança”, a cantora andava descontente na Odeon e viu na gravadora Tapecar chances melhores de se sagrar no samba. Em “Pra seu governo”, seu segundo LP na casa, ela voltou a investir em Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito (“Miragem”, “Falência”) e em Paulo César Pinheiro (“Maior é Deus”), mas quem trouxe o sucesso que faltava foi Gracia do Salgueiro, com “1800 colinas”.

Disco 'Pra seu governo', de Beth Carvalho. — Foto: Fernando Lemos / Reprodução
Disco 'Pra seu governo', de Beth Carvalho. — Foto: Fernando Lemos / Reprodução

Elza Soares

Em 1974, incomodada com o fato de Clara Nunes ser a prioridade no segmento do samba na gravadora, a cantora deixou a Odeon, onde estava há uns bons anos, e partiu para a Tapecar (onde já se encontrava bem instalada Beth Carvalho). De cara, Elza fez sucesso com o compacto de “Salve a Mocidade”, seu passaporte para um LP produzido pelo mestre do sambalanço Ed Lincoln. Nele, a cantora investiu em composições inéditas, como “Bom dia Portela” (David Corrêa e Bebeto de S. João) e “Xamego de crioula”(Zé Di).

Luiz Ayrão

Lançada em compacto, “Porta aberta” literalmente abriu as portas do samba para o compositor transformado em cantor, que neste seu primeiro LP ainda fez sucesso com “Silêncio na madrugada”. Em seus LPs seguintes, Ayrão sedimentou sua carreira com faixas como “Bola dividida” (1975) e “Os amantes”, samba romântico e torturado que dominaria as paradas de sucessos no ano de 1977.

João Nogueira

O segundo LP do cantor encontrou o seu título numa das parcerias de João com Paulo César Pinheiro — mas foi outro samba da dupla, “Batendo a porta”, que levaria o LP, segundo registrou o GLOBO em outubro de 1974, a esgotar as 5 mil cópias iniciais que haviam sido postas à venda pela Odeon. E não é só na capa que João homenageava Vila Isabel: ali, ele também gravou “Gago apaixonado”, do Poeta da Vila, Noel Rosa.

Benito di Paula

Após LPs em que tinha cantado de Chico Buarque a Tim Maia, Benito lançou um LP só com músicas suas. O disco trouxe a curiosa faixa “Meu amigo Charlie Brown”, em que ele apresenta as maravilhas do Brasil ao amigo do Snoopy. Mas o personagem não era muito popular no Brasil. Ele lembra:

— Ninguém aqui conhecia o Charlie Brown! Achavam que era um amigo meu.

Os Originais do Samba

O grupo que deu ao mundo o samba e o humor de Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, trombou firme com o sucesso em seu LP de 1974, por obra e graça da divertida “Tragédia no fundo do mar (o assassinato do camarão)”, de Zere e Ibraim. E nem Adoniram Barbosa escapou da suingada demolição de seu “Samba do Arnesto”que a turma promove no disco.

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