Música
PUBLICIDADE
Por — Rio de Janeiro

Todo ano são feitas enquetes para apontar os melhores sambas-enredo de todos os tempos, e os resultados pouco variam: "Aquarela brasileira" (Império Serrano 1964) aqui, “Os sertões” (Em Cima da Hora 1976) ali, às vezes uma obra mais recente, como “Kizomba, festa da raça” (Unidos de Vila Isabel 1988) ou “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” (Imperatriz Leopoldinense 1989), e não se sai muito disso.

Quando o papo de botequim é sobre os sambas mais populares, aqueles que não saem da boca do povo e são entoados pelas torcidas no Maracanã (sim, isso já aconteceu), a resposta é unânime: “Peguei um Ita no Norte”, o famoso "Explode coração", do Salgueiro de 1993, é o mais cantado – e o último samba-enredo a ser um sucesso fora da bolha carnavalesca, há 31 anos.

– As modas são cíclicas – começa o pesquisador e escritor Rodrigo Faour, autor de livros como "História da música brasileira sem preconceitos", volumes 1 e 2. – O auge do sucesso do samba-enredo começa nos anos 1970, com o “Pega no ganzê” (“Festa para um rei negro”, samba do salgueiro campeão de 1971, cujo refrão é cantado até hoje pelo mundo, inclusive entre torcedores de futebol na Europa), e vai mais ou menos até o “Atrás da verde e rosa só não vai quem já morreu”, da Mangueira em 1994.

Ele lamenta que canções compostas para o carnaval não cheguem mais aos ouvidos do grande público.

– O rádio acabou – decreta. – Eu saio muito, ando de Uber, de táxi, viajo, e são sempre as mesmas músicas: ou os sucessos massificados, de funk, piseiro ou sertanejo, aquelas canções feitas para ganhar o gosto de adolescentes em 30 segundos, ou os flashbacks de música pop. Outro dia, um amigo meu perguntou a uma turma de alunos da PUC quem era Beth Carvalho, e só duas pessoas sabiam. Veja bem, a Beth Carvalho, que estava aqui até outro dia (a cantora mangueirense morreu em 2019), não é a Aracy de Almeida.

'Pede caju que eu dou... Pé de caju que dá!'

No entanto, na virada do ano um cheiro doce de mudança pode ter surgido: "Pede caju que eu dou... Pé de caju que dá!", samba que a Mocidade Independente de Padre Miguel levará à Avenida na abertura dos desfiles da segunda-feira de carnaval, dia 12 de fevereiro, foi o líder da parada semanal Viral Rio, do Spotify. Atualmente com mais de 660 mil cliques, teria o samba da Zona Oeste estourado a bolha e chegado aos ouvidos do povo? A explosão nos ensaios técnicos da Sapucaí e os aplausos de famosos como Jojo Todynho e o prefeito Eduardo Paes levam a crer que sim.

– É um samba leve, brincalhão, cheio de picardia – diz o jornalista e pesquisador Fábio Fabato, coautor do enredo da Mocidade ao lado do carnavalesco Marcus Ferreira, sobre a canção de refrão fácil, assinada por Marcelo Adnet, Paulinho Mocidade e outros parceiros. – Esse tipo de samba estava em baixa, talvez pelo momento político que o país vivia. Tivemos, por exemplo, o samba da Marielle ("História para ninar gente grande", que deu o título à Mangueira em 2019), que estourou depois do carnaval e depois foi regravado pela Maria Bethânia, necessário naquele momento difícil. Em 2024 mesmo, o meu samba preferido depois do da Mocidade é o “Hutukara”, do Salgueiro, uma obra cantada em primeira pessoa pelos ianomâmis, um protesto, cheio de apelo político. No carnaval tem que ter espaço para os dois.

Detalhes de caju nos carros alegóricos da Mocidade Independente de Padre Miguel, na Cidade do Samba — Foto: Fabio Rossi
Detalhes de caju nos carros alegóricos da Mocidade Independente de Padre Miguel, na Cidade do Samba — Foto: Fabio Rossi

Curiosamente, o samba do Salgueiro, de Dudu Nobre, Arlindinho Cruz, Pedrinho da Flor e outros parceiros, é o que anda rivalizando com o da Mocidade nos cliques do Spotify. Na última semana, os dois se revezaram nas primeiras posições, aproximando-se do respeitável número de 700 mil cliques.

Como os números, ainda que impressionantes, não se comparam àqueles dos sucessos massificados, que chegam às centenas de milhões ou até ao bilhão de cliques, é bom buscar no próprio Spotify os critérios das paradas virais. Segundo o site (charts.spotify.com, aberto a todos os usuários), uma faixa é considerada viral se as audições aumentam, se ela é compartilhada com frequência e se novos ouvintes surgem para conhecê-la. O “Caju” da Mocidade, depois de virar o ano em primeiro lugar na parada viral carioca, ou Local Pulse Rio de Janeiro, se manteve próximo do topo, onde estava na última semana, à frente de concorrentes de peso como "Dia de operação", de MC Cabelinho, "Louco pra voltar", de Felipe Ret, e "Maliciosa", de Ludmilla.

É importante notar que uma posição melhor na parada viral local não significa um número maior de ouvintes, visto que os outros artistas têm uma penetração nacional (e até internacional) bem mais significativa do que os sambas-enredo cariocas, além de contar com gravadoras, fã-clubes e outros tipos de parafernália. A título de comparação: o artista Mocidade Independente de Padre Miguel tem 119 mil ouvintes mensais e o Rio Carnaval (que reúne os discos de sambas-enredo), 261 mil, enquanto os estourados Ret e Lud têm, respectivamente, 8,7 milhões e 17,3 milhões. Galáxias distantes.

– Não existe espaço para as músicas mais específicas, elas ficam nos nichos – explica o historiador Faour, que tem sentido isso na pele, como coautor da marchinha “Romeu ou Julieta?”, composta por ele com João Roberto Kelly e lançada neste início de ano, na voz de Maria Alcina. – Em todos os lugares em que tocamos a música, como bailes e blocos, ela foi um sucesso, todo mundo riu, dançou e cantou junto. Mas nenhuma rádio ou emissora de TV quer levar a Alcina para cantar uma marchinha de carnaval de João Roberto Kelly.

'Há muitas semelhanças com as marchinhas'

Um dos caminhos que o “Caju” percorre para chegar a novos públicos (como o infantil, uma das forças desse sucesso, segundo Fabato) é exatamente sua semelhança com as marchinhas.

– É um refrão marcado, fácil, como aqueles dos sambas mais marcheados, tipo “Que tititi é esse que tem na Sapucaí?” – cantarola Luís Filipe de Lima, violonista, jornalista e autor do livro “Para ouvir o samba”, que destrincha os subgêneros do estilo (o samba em questão é “O ti-ti-ti do sapoti”, do Estácio de Sá em 1987). – Tenho visto o “Caju” ecoar entre pessoas que não são aqueles ouvintes tradicionais do segmento samba-enredo, o que é sempre uma boa notícia. Há muitas semelhanças com as marchinhas, como andamento e acentos rítmicos, além da picardia e do duplo sentido da letra.

Ele, que também é jurado do Estandarte de Ouro, do GLOBO, lamenta, no entanto, uma crescente desvalorização dos compositores de sambas-enredo.

– As escolas surgiram em torno dos sambas e de seus autores – lembra. – No início, eram sambas simples, de duas estrofes, sem refrão. Nos últimos anos, desde que os andamentos voltaram a ser mais lentos, depois de uma época de muita aceleração, eles ficaram mais longos, com vários refrãos, lembram até os antigos sambas-lençol, enormes, empolados. Acho que isso se deve às sinopses dos enredos, cheias de detalhes, muitas vezes exigindo que as letras tenham determinadas palavras ou expressões. A simplicidade é bem-vinda.

Cinco sambas-enredo que já chegaram populares ao carnaval:

Desfile do Império Serrano em 1982: Rosa Magalhães assinou como uma das carnavalescas do inesquecível "Bumbum, Paticumbum, Prugurundum" — Foto: Anibal Philot
Desfile do Império Serrano em 1982: Rosa Magalhães assinou como uma das carnavalescas do inesquecível "Bumbum, Paticumbum, Prugurundum" — Foto: Anibal Philot

  • “Bumbum paticumbum prugurundum” - Império Serrano, 1982
  • “Festa profana” - União da Ilha do Governador, 1989
  • “Sonhar não custa nada… ou quase nada” - Mocidade Independente de Padre Miguel, 1992
  • “O ti-ti-ti do sapoti” - Estácio de Sá, 1987
  • “Contos de areia” - Portela, 1984

Cinco sambas-enredo que estouraram na Avenida ou depois do desfile:

Marquinhos Art'Samba, cantando o samba campeão da Mangueira em 2019 — Foto: Marcelo Theobald
Marquinhos Art'Samba, cantando o samba campeão da Mangueira em 2019 — Foto: Marcelo Theobald

  • “Peguei um Ita no Norte” - Salgueiro, 1993
  • “História para ninar gente grande” - Mangueira, 2019
  • “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós” - Imperatriz Leopoldinense, 1989
  • “Os sertões” - Em Cima da Hora, 1976
  • “Ratos e urubus, larguem minha fantasia” - Beija-Flor, 1989

Mais recente Próxima Taylor Swift, SZA e Olivia Rodrigo: o que esperar do Grammy 2024, o mais feminino dos últimos anos
Mais do Globo

Supremo Tribunal Federal reservou três semanas para ouvir 85 testemunhas de defesa de cinco réus, sendo que algumas são as mesmas, como os delegados Giniton Lages e Daniel Rosa, que investigaram o caso

Caso Marielle: audiência da ação penal contra irmãos Brazão e Rivaldo Barbosa será retomada hoje pelo STF

A decisão do candidato da oposição de deixar a Venezuela por temer pela sua vida e pela da sua família ocorreu depois de ter sido processado pelo Ministério Público por cinco crimes relacionados com a sua função eleitoral

Saiba como foi a fuga de Edmundo González, candidato de oposição da Venezuela ameaçado por Nicolás Maduro

Cidade contabiliza 21 casos desde 2022; prefeitura destaca cuidados necessários

Mpox em Niterói: secretária de Saúde diz que doença está sob controle

Esteve por lá Faisal Bin Khalid, da casa real da Arábia Saudita

Um príncipe árabe se esbaldou na loja da brasileira Granado em Paris

Escolhe o que beber pela qualidade de calorias ou pelo açúcar? Compare a cerveja e o refrigerante

Qual bebida tem mais açúcar: refrigerante ou cerveja?

Ex-jogadores Stephen Gostkowski e Malcolm Butler estiveram em São Paulo no fim de semana e, em entrevista exclusiva ao GLOBO, contaram como foi o contato com os torcedores do país

Lendas dos Patriots se surpreendem com carinho dos brasileiros pela NFL: 'Falamos a língua do futebol americano'

Karen Dunn tem treinado candidatos democratas à Presidência desde 2008, e seus métodos foram descritos por uma de suas 'alunas', Hillary Clinton, como 'amor bruto'

Uma advogada sem medo de dizer verdades duras aos políticos: conheça a preparadora de debates de Kamala Harris

Simples oferta de tecnologia não garante sucesso, mas associada a uma boa estratégia pedagógica, mostra resultados promissores

Escolas desconectadas