Natural que fosse no subúrbio do Rio a grande festa de Zeca Pagodinho, filho pródigo de Irajá que completou 65 anos neste domingo (4). O estádio Nilton Santos, casa do Botafogo, time de coração de Zeca, foi o local escolhido para o show que foi ponto de partida da nova turnê do cantor que comemora 40 anos de carreira. Na abertura, Pretinho da Serrinha e sua roda de samba já davam indícios do que o estádio no Engenho de Dentro se tornaria para celebrar o aniversariante: um grande botequim para cerca de 35 mil pessoas.
A chuva que caiu sobre a cidade no fim da tarde atrasou o início do show, marcado para 19h. Lá para as 19h25, Zeca Pagodinho abriu a apresentação da mesma maneira que abriu a carreira: cantando “Camarão que dorme a onda leva”, seu primeiro samba gravado, uma parceria com Arlindo Cruz e Beto Sem Braço (1940-1983). No telão, homenagens aos parceiros e também à Beth Carvalho, sua eterna madrinha.
A chuva até parou, e o filho de seu Jessé e dona Irineia seguiu o baile soltinho, com “Pisa como eu pisei”, “Ser humano” e “Quando a gira girou”. Na quinta música do show, Zeca chamou seu primeiro convidado: o maestro Rildo Hora, com quem trabalhou em diversas oportunidades, como nos volumes que fez do Acústico MTV. A doce “Lama nas ruas”, de Zeca e Almir Guineto, ganhou brilho com a gaita de Rildo.
‘Ô, coceira boa...’
Também foi um primeiro bloco de reverências religiosas — tema caro ao cantor que já se disse “evangélico, umbandista, espírita...”. Marcelo D2 mandou a plateia “fazer barulho” para o amigo depois que ambos cantaram juntos “Minha fé”. Em “Patota de Cosme”, dos versos “Porque Cosme é meu amigo e pediu ao seu irmão Damião / Pra reunir a garotada e proteger meu amanhã”, Zeca abriu a camisa e mostrou orgulhoso a tatuagem de São Cosme e Damião que ostenta no peito.
Transmitido pelo Globoplay e pelo Multishow, oshow estava sendo gravado para um registro audiovisual. Mas Zeca estava à vontade, mesmo, como alguém que convida os amigos para um churrasco no quintal. Sorte do público. Em determinado momento, pediu licença: “Interrompe a gravação um pouquinho para eu coçar o pé? Eu preciso pedir licença porque está sendo gravado. Ô, coceira boa...”, exclamou aliviado. E foi tocando a noite com a malandragem que lhe fez o maior crooner do samba.
Depois que o rapper mineiro Djonga, o terceiro convidado, cantou com Zeca “Ogum”, uma versão instrumental de “A voz do morro”, de Zé Keti, encerrou o primeiro bloco. Zeca chamou ao palco Xande de Pilares, Jorge Aragão, Diogo Nogueira e Pretinho da Serrinha. Sentados à mesa como num bar, começaram “Mutirão do amor”, de Zeca, Aragão e Sombrinha. Mas o anfitrião interrompeu a canção logo no início. “A Alcione gravou essa?”, perguntou aos amigos. Após uma breve resenha, recomeçaram a canção, sem antes, no entanto, “molhar a garganta”. Da mesa, ainda vieram “Minta meu sonho”, “Não sou mais disso” e “Brincadeira tem hora".
Pequenas intervenções
A partir daí, a apresentação foi marcada por algumas interrupções e repetições — umas por conta do rigor da gravação, outras pela maneira quase anárquica com que o cantor faz questão de conduzir o próprio show. A plateia, no entanto, parecia não se importar. Muito pelo contrário: caía no riso a cada vez que Zeca deslizava ou fazia qualquer intervenção. No terceiro e último bloco, Zeca trocou a cor da camisa de azul marinho para branca. Recebeu Seu Jorge e juntos fizeram “Saudade Louca”, um dos pontos altos do show. Em “Exaustino”, Zeca pediu pra parar e voltar, pois não cantava há muito tempo. Acabou tirando a música do show, na marra. “A gente não cantava essa música há uns 20 anos? (estou com) 65 anos, não dá para lembrar de tudo”, argumentou. Quem vai contrariar o aniversariante? “Vacilão”, um de seus grandes sucessos, também foi repetida.
Outro grande momento foi a presença de Alcione, que refez “Mutirão de amor”, com Zeca, e depois quase fez o homem chorar ao cantar seu hino “Sufoco”. Saiu ovacionada do palco.
![Zeca e Alcione: emoção no palco — Foto: Vera Donato / Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/oeAjTxHLuYkExpEfWVgafAHkrTg=/0x0:4946x3298/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/E/0/YlJ3Q8RZAPAHlY0ADKcA/mg-7420-zeca-pagodinho-e-alcione-1-.jpg)
Nesta parte final, vieram as canções mais alegres e os sambas mais populares da carreira de Zeca, como “Caviar”, uma versão encurtada de “Faixa amarela” (sem os versos que falam em agressão à mulher), e “Seu balancê”. Iza o acompanhou em “Cadê meu amor”, de Nelson Rufino e Taís Rufino.
Para passar a régua e pedir a conta, vieram os estrondosos sucessos “Coração em desalinho”, de Monarco e Ratinho, “Deixa a vida me levar” (que virou mantra popular) e “Verdade”. A festa foi encerrada com o partido alto “Bagaço da laranja”, que nem estava prevista no setlist do show. Aí foi o momento daquele Zeca lá, o de Irajá. Mandou parte de sua família subir no palco, num grande parabéns abraçado por filhos e netos . O cantor terminou o show por volta das 21h40, mantendo exatamente aquele clima meio botequim que dá muito certo há 40 anos. E contando.