Música
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Por — Rio de Janeiro

Macetar, verbo transitivo: “golpear (alguém ou algo) com maceta ou macete, um martelo de cabo curto”. A definição está nos dicionários, mas o carnaval, como de praxe, mascarou o significado a seu bel-prazer. O coro da multidão que acompanhou Ivete Sangalo na abertura da folia de Salvador, na última quinta-feira (8), comprova que esta é a época ideal para enriquecer o vocabulário. Música gravada pela cantora baiana com participação de Ludmilla, a recém-lançada “Macetando” desponta como hit nacional ao encher a boca do povo com o refrão-chiclete: “Ah, bebê, é a Veveta que tá no comando / Macetando, macetando....”.

— Tem gente que associa com algo obsceno ou sexual. Mas, poxa, acho que dá pra dizer que “macetando” tem a ver com “vou te dar um amasso, vou te pegar”... No carnaval pode isso, por que não? Desde que haja permissão, está tudo valendo — ressalta Samir Trindade, compositor da letra ao lado de Luciano Chaves e Ivete, com quem cultiva uma parceria há duas décadas.

Anatomia de um termo

Ivete e Ludmilla não foram as primeiras a macetar. No carnaval do último ano, Anitta emplacou o termo em duas músicas rebolativas: “Macetar” e “Ai, papai”. Na última, de refrão mais sugestivo — “ai, papai, macetei” —, fez relativo sucesso. À época, a artista contou que não fazia ideia do significado do verbo, mas com uma ponderação: “Sei que está na moda, então vou cantando”. Um ano depois, ela mostra estar certa.

Curiosamente, a aplicação do termo ao universo musical tem origem numa observação infantil. A responsável é a pequena Maitê, que, aos 6 anos, durante uma partida de videogame, exclamou: “Aprendi um macete, papai, macetei!”. À sua maneira, a criança lembrou que “macete” é também “artimanha”. E inspirou o pai, o compositor Wallace Vianna, a concluir a frase que faltava para entregar mais um sucesso nas mãos de Anitta.

— Vejo palavras voando ao meu redor o tempo inteiro. E acredito que o trabalho do compositor é ficar com ouvidos e olhos abertos — afirma Wallace, um dos integrantes do bem-sucedido estúdio Hitmaker. — “Macetei” realmente surgiu de um jeito engraçado. Transformamos um substantivo em verbo: eu maceto, tu macetas, ele maceta (risos)... E o que era o termo de um jogo, referindo-se a um “atalho”, acabou virando algo sexual. Hoje, a galera por aí fala: “Macetei aquela pessoa e tal”, com o sentido de: “Pô, ‘acabei’ com ela”. Mas é muito mais num significado sexual. O brasileiro tem uma capacidade incrível de botar um duplo sentido em tudo.

De lá para cá, figuras como Wesley Safadão e MC Mirella se aventuraram, com êxito, em letras com “macetar” no título. Mais ou menos no mesmo período, a rapper Azzy — que interpretou a dançarina Ivy na novela “Vai na fé” (2023) — lançou, junto com a MC Slipmami, a música “Molho”, na qual abusa do termo “macetar”. Natural de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, ela diz que a palavra era, até então, uma gíria usada em comunidades do estado fluminense.

— Desde 2005, havia vários funks com letras do tipo “faz macete,”, “ela tem um macetinho”, “ela me maceta”... Mas não era algo tão popular assim — reinvindica a artista. — Esta é uma palavra de empoderamento. Tem a provocação da mulher que fala para o cara: “Se prepara porque essa noite eu vou te macetar e vou acabar contigo”. A gente usa para se sentir poderosa.

‘Atoladinha’

Todas essas versões em torno de um mesmo vocábulo reforçam que a língua é viva. Ao revisitar a história da música recente, a linguista Jana Viscardi identifica um efeito semelhante no uso da palavra “atolada”, que ganhou conotação sexual — com diminutivo a tiracolo — nas vozes de MC Bola de Fogo e Tati Quebra Barraco, nos anos 2000.

— Uma língua não é uniforme, e os significados podem se reconfigurar com o tempo — analisa Jana. — Aconteceu isso com “sentar”, que recentemente ganhou o sentido de “transar”. Mas isso também pode se perder. Tudo depende do contexto. Nada é definitivo.

Nos lábios de Ivete, a palavra “macetando” ganhou contornos inéditos. Num período em que se discute cada vez mais o etarismo, uma mulher de 51 anos triunfa ao enunciar um discurso normalmente associado a artistas mais jovens.

— Faz parte do percurso de Ivete se assumir uma mulher mais velha, o que já aparecia em “Cria da Ivete”, música lançada no carnaval passado — destaca o pesquisador Thiago Soares, professor da Universidade Federal de Pernambuco. — “Macetando” é uma música sobre mulheres mais velhas e ricas, que tomam “drinques com guarda-chuvinha”, como diz a letra, mas também são “bagaceiras”. Ivete entende quem é o eu-lírico dela, como mulher mais velha e que sabe se divertir.

A observação do docente sublinha que a cena que marcou a abertura do carnaval na Bahia — um mar de gente “macetando” — está ancorada numa estética hoje vinculada às dancinhas do TikTok.

Não à toa, ao apresentarem para Ivete, pela primeira vez, a ideia inicial do futuro hit, os autores Samir Trindade e Luciano Chaves logo revelaram a fórmula: “Olha, a gente tem uma coisa ‘tiktokeana’ para lhe mostrar”. A dupla fazia referência à rede social que ajudou a impulsionar a coreografia da música — “de ladinho, coraçãozinho / manda beijinho pra quem tá filmando”, ensina o refrão —, atualmente presente nos carnavais de rua do Brasil.

— A dancinha é tão importante quanto a letra. Para haver sucesso, tem que rolar uma sintonia entre as duas coisas — defende Luciano. — “Macetando” é a tradução do brasileiro que está aí arrebentando a boca do balão.

(Colaboraram Ruan de Sousa Gabriel e Silvio Essinger)

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