Música
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Por — Rio de Janeiro

Há, pelo menos, duas formas de se destacar a vida artística de Amélia Brandão (1897-1983), a Tia Amélia. A primeira é reconhecê-la como um dos principais nomes do piano popular brasileiro. A segunda pode ser resumida pela imagem da cavaquinista Luciana Rabello, aos 15 anos, em 1976, sentando-se no colo da pianista antes da gravação de um programa de TV: “Era a minha Xuxa”, disse a musicista carioca para a produtora paulistana Jeanne de Castro, autora da recém-lançada biografia “Tia Amélia”.

Nascida em Jaboatão (PE), Tia Amélia teve programas entre 1958 e 1967, exibidos nas TVs Rio, Tupi, Cultura (SP) e Brasília. Primeiramente, “Velhas estampas”; depois, “Tia Amélia, suas histórias e seu piano antigo”. Eles fizeram grande sucesso e a tornaram uma figura popular. Para se ter uma ideia, o disco “Velhas estampas” chegou ao topo das paradas de sucesso de 1959, segundo o crítico Lúcio Rangel.

Para a biografia, Jeanne colheu depoimentos de outros que viam os programas, como Egberto Gismonti, Angela Ro Ro e Júlio Medaglia.

— Fiquei chocada ao perceber, em 2020, que eu nunca tinha ouvido falar em Tia Amélia — diz Jeanne. — Como pode uma pessoa que teve esse tamanho praticamente desaparecer da memória do país? Resolvi pesquisar e me apaixonei.

Seu projeto ganhou o primeiro lugar de não ficção do edital do ProAC (Programa de Ação Cultural), de São Paulo. Com este apoio, ela passou quase quatro anos reconstituindo a trajetória de Tia Amélia, tarefa um tanto difícil:

— Não achei cartas, fotos antigas, nada. Ela nunca zelou por isso. Viveu o momento até os últimos dias.

E a pianista deixou pistas falsas. Em entrevistas ao longo da vida, dizia ter ficado viúva aos 25 anos. Jeanne mostra que o marido morreu apenas em 1955, quando ela estava com 58 anos. A mentira era para ocultar sua coragem: na década de 1920, largou a vida de senhora de engenho no interior de Pernambuco e se mandou com os três filhos para o Recife. Queria viver de música. Teve relacionamentos, mas nunca mais se casou.

Silene, a filha mulher, a acompanhou por vários anos cantando, até no exterior, como em Nova York (e morava com a mãe em Goiânia quando Amélia morreu, aos 86 anos). Já os outros filhos, Clóvis e Dirceu, foram criados, em boa parte do tempo, pela irmã de Amélia, Débora. A pianista priorizou a carreira, que deslanchou de vez quando ela se estabeleceu no Rio.

Muito antes, nas primeiras passagens pela cidade, conheceu Ernesto Nazareth (1863-1934) e Chiquinha Gonzaga (1847-1935). Esta tinha largado, ainda no século XIX, marido e até os três filhos para se dedicar à música.

— Amélia ficou decepcionada com Chiquinha. Achou que seria acolhedora, maternal, mas ela disse como a carreira era difícil e apenas lhe desejou boa sorte — conta Jeanne.

Nazareth a convidou para sua casa em 4 de agosto de 1930. Encantou-se com o estilo da jovem e lhe disse: “Depois que eu me for, não deixe o choro morrer.”

— Tia Amélia pegou o estilo de Nazareth e desenvolveu, fez um piano mais moderno e que continua moderno até hoje — aponta Hercules Gomes, que gravou em 2020 o disco “Tia Amélia para sempre”.

Tia Amélia em 1966: virtuose do piano popular, pernambucana influenciada por Ernesto Nazareth tem canções e complexidade do trabalho recuperadas — Foto: Arquivo
Tia Amélia em 1966: virtuose do piano popular, pernambucana influenciada por Ernesto Nazareth tem canções e complexidade do trabalho recuperadas — Foto: Arquivo

‘Confusão’ com o rei

Pesquisador dos pianistas populares, os chamados pianeiros, Hercules chegou à obra de Tia Amélia em 2014. Caçou LPs na internet, tirou as gravações de ouvido, por causa da falta de partituras, e constatou a complexidade do trabalho da artista.

— Ela tinha virtuosismo, balanço, a mão esquerda que imita um regional de choro completo. Lembra um pianista de jazz, como Jerry Lee Morton. É relativamente simples de entender, mas muito difícil de tocar — explica.

Hercules só pôde gravar 14 composições, pois eram as únicas editadas. Agora, os parentes espalhados pelo mundo estão se unindo para organizar a obra de Amélia, e outras músicas estarão disponíveis. É uma chance para mais gente interpretar.

— Se ninguém toca, ninguém grava, ninguém escuta, ninguém conhece — destaca ele.

Nas entrevistas, Amélia também gostava de dizer ter mais idade do que realmente tinha. Incorporava o papel de tia/vovó, uma espécie de Dona Benta do “Sítio do Pica-pau Amarelo”. Gostava de contar histórias que ouvira na infância e nos anos de engenho. O cabelo branco estava sempre preso num coque. Mas ela cativava gente bem adulta como Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, e a turma de “O Pasquim”, que a entrevistou em 1975.

— Era da pá virada, embora só tomasse água. Dizia ser da madrugada e que só acordava meio-dia. Usou a vestimenta de velhinha a favor dela, para aparecer como uma velhinha muito especial — diz Jeanne.

A biógrafa esclarece um equívoco em que ela mesma acreditava. A canção de Roberto Carlos “Minha tia”, que fala em “titia Amélia”, não é para a pianista, mas para uma tia dele. A confusão pode ter se dado porque Amélia participou de um especial de fim de ano do Rei, em 1976.

‘Tia Amélia’

Autora: Jeanne de Castro. Editora: Tipografia Musical. Páginas: 264. Preço: R$ 86.

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