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Morreu neste sábado (3), na Basileia, na Suíça, o violoncelista brasileiro Antonio Meneses, aos 66 anos. Um dos principais músicos de sua geração, ele foi diagnosticado em junho com gliobastoma multiforme, um tipo agressivo de tumor cerebral. Não haverá funeral, a pedido do próprio músico, e seu corpo será cremado. Meneses deixa a mulher, Satoko, e o filho, Otávio, do primeiro casamento.

Antonio Meneses contaria repetidas vezes que seu pai, João Gerônimo, tinha um plano de carreira para os cinco filhos: todos deveriam tocar instrumentos de corda, pois era onde as orquestras mais tinham vagas abertas. Quando completou dez anos, seu pai, trompista no Municipal do Rio, chegou em casa com um violoncelo infantil, que pertencia ao amigo Marcio Carneiro. A ordem estava dada; por sorte, o pequeno Toinho era um garoto obediente.

Um dos mais elegantes intérpretes do violoncelo nos séculos 20 e 21, Antonio Meneses começou a estudar em 1967, com Nydia Otero, e desenvolveu-se rapidamente: em 1971, aos 13 anos, já tocava com a Orquestra Sinfônica Brasileira. Dentro da própria orquestra, seus admiradores eram tantos que praticamente forçaram Antonio Janigro (1918-1989) a ouvi-lo, entre os ensaios de um concerto com a OSB em 1971. O solista italiano gostou e sugeriu que poderia lhe dar aulas.

"Aí dona Nydia me disse: você tem que sair agora, senão você vai ficar nessa vida de músico de orquestra e vai ficar por isso mesmo", contou Meneses, em 2020. E assim, em 1974, o rapaz – que já tinha ganhado um concurso para instrumentistas na TV Globo – foi para Düsseldorf, com dinheiro da poupança de músico e nenhum conhecimento do idioma, e depois Stuttgart. Tocou em casamentos, tocou em velórios, se virou nos dreissig (trinta, em alemão). Na música, ao menos, seu arco era fluente.

No exterior

Janigro o ajudou com suas conexões, e sua carreira internacional começou em 1977, quando apresentou a "Fantasia para Violoncelo e Orquestra", de Heitor Villa-Lobos, em Washington. No mesmo ano, vestindo roupas doadas, ganhou o prêmio anual das rádios e TVs de Munique, que já tinha premiado gente como Mitsuko Uchida. Em 1982, viaja a Moscou para enfrentar outros 68 artistas no Concurso Tchaikovsky, derrotando o soviético Aleksandr Rúdin; lá, o mundo definitivamente se abre para o jovem de bigode, óculos e uma vasta cabeleira.

Antonio Meneses vence o Concurso Tchaikovsky de 1982, em Moscou, tocando as "Variações sobre um Tema Rococó", do compositor russo.

"Soube depois que um representante do ministério da Cultura soviético perguntou à presidente do júri se eu era bom mesmo e permitiu que o prêmio fosse entregue a mim", contou Meneses, em 2020. "Segundo o burocrata, a URSS não tinha disputas diplomáticas com o Brasil, então poderiam me dar o prêmio. Às vezes não basta você tocar bem."

Antonio Meneses  — Foto: Divulgação/Clive Barda
Antonio Meneses — Foto: Divulgação/Clive Barda

Como prêmio, gravou com a Filarmônica de Moscou o "Concerto para Violoncelo" de Antonín Dvorák. Seis meses depois, o regente mais poderoso da Alemanha (e de toda a história discográfica), o austríaco Herbert von Karajan, convocou o jovem de 24 anos para seus propósitos.

Empolgado com os avanços da gravação digital, Karajan voltava a registrar algumas obras e preferia se unir a jovens músicos ascendentes pela oportunidade de lhes impor concepções pessoais. Além de incluí-lo, em janeiro de 1983, numa gravação do Concerto Duplo de Brahms (para violino, violoncelo e orquestra, ao lado da virtuose Anne Sophie Mutter), escalou Meneses em 1986 para o papel que já tinha entregado a Mstislav Rostropovich (pela EMI) e Pierre Fournier (pela Deutsche Grammophon) no esplendoroso poema sinfônico "Dom Quixote, op.35", de Richard Strauss (1864-1949), diante da Filarmônica de Berlim.

Esse é, sem dúvida, o episódio que mais rapidamente determina a grandeza de Meneses, o que não é pouco num pós-guerra que viu virtuosos como Jacqueline du Pré, Yo Yo Ma e Mischa Maisky. Conquistou esse lugar sem jamais ser rotulado como um intérprete "latino", por assim dizer, talhado para as composições de Villa-Lobos, drama e pouco mais: antes, procurou entender cada obra e o que ela demandava, e assim se tornou um intérprete de referência, seja nas Seis Suítes de Bach (que gravou três vezes), nos trios de Beethoven ou no Concerto de Elgar. Quando sofreu críticas, era por cálculo excessivo, e não por arrebatamento.

“Geralmente me aproximo das obras muito antes de realmente começar a aprendê-las. É uma espécie de namoro, que para mim é muito importante para que haja uma familiarização intelectual e espiritual com ela. Depois disso, muitas vezes começo a estudá-la mesmo sem ter nenhum concerto marcado. Só quando me sinto bem à vontade com ela é que marco a data do ‘casamento’, ou no caso, da apresentação". Ele detalhou esse processo no livro "Antonio Meneses – A Arquitetura da Emoção", em que foi entrevistado pelos jornalistas Luciana Medeiros e João Luiz Sampaio, enquanto se recuperava da extração de um tumor no braço, em 2009.

Se Karajan foi o trampolim, a opção pela música de câmara em altíssimo nível acabou fixando-o numa escala de menor produção discográfica, mas absolutamente sofisticado em termos de parcerias e apresentações ao vivo. Casado no início dos anos 1980 com a pianista filipina Cecile Licad (com quem teve seu único filho, Otavio), Meneses travou contato nos EUA com o Beaux Arts Trio, fundado pelo pianista judeu nascido na Alemanha, Menahem Pressler. Integraria a formação de 1998 a 2008, quando o grupo se dissolveu. “Meneses tem uma técnica infalível, uma sonoridade de uma especial beleza e uma busca por musicalidade que fazem dele um artista como poucos”, afirmou o veterano Pressler, que morreu aos 100 anos em 2023.

'Canto humano'

Meneses acreditava que muito de seu aprendizado vinha da observação do canto humano e de certa busca. "Até hoje digo muito aos meus alunos que a coisa mais importante que um instrumentista de cordas pode fazer é ouvir cantores. Aprende-se que qualquer tipo de música é pura retórica, é poesia, é contar uma história. É importante tentar compreender os pontos mais e menos acentuados como as sílabas mais ou menos acentuadas. Qualquer música imita isso, e que não ouve canto não entende os pontos de apoio e os de relaxamento."

Numa vida muito discreta, que incluiu o cargo de professor na Universidade de Berna de 2008 até a aposentadoria, em 2023, o currículo é assombroso. Colaborou com Zubin Mehta, Riccardo Chailly, Claudio Abbado, Mariss Jansons, Riccardo Muti e André Previn, entre outros. Se é verdade que se radicou na Basileia, Meneses sempre achou uma brecha para colaborar com artistas e orquestras nacionais, tais como os pianistas Cristina Ortiz e Nelson Freire, a cravista Rosana Lanzelotte e, mais recentemente, Cristian Budu, com quem gravou Debussy, Ravel, Franck e Fauré em 2023. Também é de se destacar a parceria com a pianista portuguesa Maria João Pires, de temperamento tão tímido quanto ele; saíram em turnê e registraram em 2012 um recital no mítico Wigmore Hall de Londres, lançado pela Deutsche Grammophon. Por fim, imitou Rostropovich e encomendou a compositores brasileiros obras que estreou e tocou pelo mundo, divulgando nomes como Ronaldo Miranda, Marlos Nobre, Edino Krieger, Almeida Prado, Marisa Rezende, Marco Padilha e, mais ultimamente, André Mehmari.

Meneses anunciou seu adeus dos palcos em 7 de julho a fim de receber cuidados paliativos em casa, depois de ter sido diagnosticado com um glioblastoma multiforme, um dos mais agressivos tipos de câncer no cérebro. Estava a poucos dias de completar seu 67º aniversário, em 23 de agosto. Antonio Meneses deixa a segunda mulher, Satoku Kuroda, com quem vivia na Basileia desde 1989, uma discografia preciosa em selos como AVIE e Azul Music, e um silêncio de catedral na música clássica brasileira.

Homenagens

O Ministério da Cultura divulgou uma nota de pesar: "O Ministério da Cultura (MinC) recebe com pesar a notícia da morte do violoncelista Antonio Meneses. Um dos maiores solistas de sua geração, é dono de uma vasta discografia e esteve nos principais palcos do mundo. (...) Além de um legado pautado pelo aperfeiçoado constante, o violoncelista compartilhou o amor pela música erudita, de quem foi grande estudioso e, também, professor. Nos unimos à família, aos amigos e aos admiradores de sua obra neste momento de despedida, mas de profunda gratidão por sua construção e contribuição à nossa cultura."

Myrian Dauelsberg, pianista e musicóloga respeitada e presidente da Dellarte, referência em produção de eventos e espetáculos em áreas como música clássica, do ballet, jazz e de ópera, divulgou comunicado. “Em 1982, eu estava em Moscou convidada pelo concurso internacional Tchaikovsky para assistir o tradicional concurso do mesmo nome na categoria violoncelo. Ganhou o nosso brasileiro Antônio Menezes, que foi indicado pelos jurados a falar em nome dos candidatos premiados sobre o concurso. Antônio Meneses era muito tímido e teve que ser convencido por mim que não poderia recusar essa grande honra. Era o início de uma carreira internacional das mais brilhante. O mundo musical está de luto. A Dellarte sofre com a partida desse ilustre ser humano”.

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