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Revelação na cena carioca, Ana Frango Elétrico estreia em disco

Cantora de 20 anos lança ‘Mormaço queima’ que cruza referências como Rita Lee, Ben Jor e Björk

“Surrealismo antropofágico”. A cantora, que estudou piano e teoria musical quando criança (“esqueci tudo”), dá pistas de seu “bossa-pop-rock”: “Na infância, queria ser meio a Hannah Montana. Minha música tem esse rosa chiclete”, diz
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Bárbara Lopes
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Agência O Globo
“Surrealismo antropofágico”. A cantora, que estudou piano e teoria musical quando criança (“esqueci tudo”), dá pistas de seu “bossa-pop-rock”: “Na infância, queria ser meio a Hannah Montana. Minha música tem esse rosa chiclete”, diz Foto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

RIO - Ana Frango Elétrico. O nome da artista de 20 anos vem chamando a atenção no circuito da música independente carioca — e não somente pelo inusitado do batismo. Tão original e estranhamente pop como o nome, sua música soa como se saísse das mãos de uma acid Rita Lee, ou mesmo de uma Gal Costa tropicalista se 1969 fosse 2018. São algumas definições possíveis — e insuficientes — para o que se ouve nos 27 minutos e 40 segundos de “Mormaço queima”, seu disco de estreia.

Crítica: 'Mormaço queima' apresenta o estranho e divertido mundo de Ana Frango Elétrico

A voz quase juvenil abre o disco num lamento singelo e original, em forma e conteúdo: “I have only farelos.” Ao longo dos minutos seguintes, os farelos se espalham em personagens como um passeador de cachorros que parece o Lenny Kravitz; filosofias vãs sobre o McLanche Feliz; devaneios de metrô que incluem lista de supermercado e suicídio; tragos de cigarro e pitadas de sal (“tome cuidado com a pressão”); frieiras. “Mormaço queima”, o nome, sintetiza o desejo do pop nada óbvio — temperado de sutileza e humor e surpresa — de sua música.

— “Mormaço queima” é o pequeno que te afeta, apesar de passar despercebido — explica Ana, que também é poeta e artista visual. — Tem a ver com a poética que uso nos meus quadros e poemas. Fiz um livro que se chama “Escoliose: paralelismo miúdo”. É isso.

Para falar de seu paralelismo miúdo, ela lembra os versos de Jorge Ben Jor para “Hermes Trismegisto”: “O que está embaixo é como o que está no alto.” E exemplifica em poema (“olhando pro teto que é o chão da dona do cão que você escuta caminhar de madrugada”) e canção (“No metrô, eu penso que passo/ Num subterrâneo/ Perto da sua casa/ Como dói”).

A referência a Ben Jor, que ela ama, a princípio parece deslocada em meio a outras como Björk e David Bowie (“artistas que criaram universos próprios, quero fazer isso”). Mas o fluxo de pensamentos simples do autor de “Mas que nada”, aliados a seus voos da poética do nonsense, conversa diretamente com os versos de Ana.

— Minhas letras têm essa coisa de surrealismo antropofágico — avalia. — Mas não de uma antropofagia de Oswald de Andrade, de absorver todas as culturas. É mais das coisas se engolirem mesmo, um armário engolir um cachorro, essas coisas.

A ORIGEM DO NOME

Frango Elétrico é uma derivação de seu sobrenome, Fainguelernt. Como “Mormaço queima”, o nome é mais que piada:

— Queria um nome que as pessoas pudessem pronunciar. Além disso, quis me colocar num lugar contrário à dinastia das famílias na música brasileira. E também fiquei buscando os sobrenomes das mulheres da minha família, minha avó, e fui descobrindo que todas carregavam o sobrenome do pai ou do marido. Então, foi meio um jeito de ligar o foda-se para o patriarcado, para o peso do sobrenome.

Como toda jovem de sua geração, Ana não trata como detalhe o fato de ser uma mulher num universo ainda bastante masculino (seu disco é produzido por ela em parceria com quatro homens, Guilherme Lirio, Gustavo Benjão, Marcelo Callado e Thiago Nassif).

— Várias cantoras e compositoras ótimas da minha geração, na casa dos 20, estão chegando aí, como Doralyce Gonzaga, Tainá e Clara Anastácia — diz Ana, que prepara também a estreia de sua banda, Almoço Nu.

Além de seu trabalho solo — que já apresentou em espaços como Teatro Ipanema, Espaço Sérgio Porto e Audio Rebel — e do Almoço Nu, Ana toca baixo na banda de Marcelo Callado e faz vocais no projeto Vovô Bebê, de Pedro Carneiro. Uma trajetória que começou quando ela escreveu suas primeiras composições, aos 16 anos — depois de “ter esquecido tudo” que havia aprendido de música desde a infância, quando estudou piano e teoria musical, e de ter ouvido “malucos” como Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção.

— Comecei a compor e a desenhar na mesma época. Queria entender como criar uma linguagem minha. Meu trabalho está todo ligado: pintura, poesia e música. Eu era muito hipocondríaca, pintava uma personagem chamada Nóia. E minha primeira música foi: “De mim para Nóia” — conta, lembrando uma curiosidade que ajuda a entender um pouco seu “pop azedo, torto”, como ela chama. — Na infância, queria ser meio a Hanna Montana. Minha música tem esse rosa chiclete.

Antes que viesse um rótulo, brinca Ana, ela decidiu classificar sua música com uma etiqueta quase naïf: bossa-pop-rock.

— Tem bossa, tem pop e tem rock, né? — diz, sobre o disco que traz colagens que passam também por samba, maracatu, metais e timbres eletrônicos. — Cresci já com internet, YouTube, num contexto sócio-espacial-virtual de muita informação. “Too much information” (cita o verso de “Farelos”) .