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Por Silvio Essinger — Rio de Janeiro

A cantora americana Beyoncé LA Jacobs/Divulgação

Aos fãs que madrugaram na sexta, Beyoncé trouxe o alívio: “Break my soul”, o single antecipador, pedrada de house music, não era um ponto fora da curva. “Renaissance”, o aguardado sétimo álbum da cantora, é mesmo aquilo o que se esperava (e, de certa forma, até mais) – um disco dançante do começo ao fim (em sua mais de uma hora de duração), com todo o espírito positivo de um verão que demorou a chegar, e aquelas faixas individuais na medida para o povo soltar os demônios na pista.

Depois de um álbum conceitual que cumpriu seu objetivo (“Lemonade”, de 2016) e a trilha de “O Rei Leão” (“The gift”, de 2019), Beyoncé partiu para o que seria considerado até óbvio: um disco pós-pandemia e pós-Trump (o que ela explicita no “votin’ out 45” – tirar pelo voto o 45º presidente – da letra de “Energy”). Com o excelente acabamento que a cantora costuma dar aos seus trabalhos, “Renaissance” vai além do esperado ao organizar uma espécie de compêndio de mais de 50 anos de produção negra de dance music, dentro do generoso espaço de uma coleção de 16 faixas.

As referências do disco são fartas e nem sempre obscuras: da mesma forma que “Break my soul” pegou o que pôde do hino house “Show me love” (1993), de Robin S, a faixa de encerramento, “Summer renaissance”, presta um tributo aos Donna Summer e Giorgio Moroder de “I Feel love” (1977), gravação que inaugurou toda uma cultura clubber. Mas “Renaissance” não é um disco que enverga sob o peso das referências: elas estão ali para animar a festa bem hedonista (e, eventualmente, feminista) desse disco leve e descomplicado (mixado como um set de DJ), que jamais soa vazio.

Usando a voz como instrumento, nunca um fim em si mesma, a cantora guia o ouvinte por um trajeto que se inicia com “I’m that girl”, reggaeton mutante que recende a Rosalía, mas é puro Beyoncé. Em “Cosy”, house com baixo acústico, ela faz uma marota menção à briga, anos atrás, de sua irmã (a cantora Solange) com o seu próprio marido (o rapper Jay-Z), dentro de um elevador (“sugiro que você não se meta com a minha irmã”, canta). E em “Alien superstar”, Beyoncé invoca de maneira criativa, no refrão, a velha sensação das pistas “I’m too sexy” (1991), da dupla Right Said Fred.

Um lado funky e alegre de “Renaissance” se revela em canções como “Cuff it” (que ironicamente se liga aos dominantes “sentadões” do pop brasileiro no verso “can I sit on top of you?”), a ótima “Plastic off the sofá” (com divinas harmonias vocais e um clima geral bem anos 1990) e “Virgo’s groove”. O espírito de redenção do disco se traduz de forma mais intensa em “Church girl”, com sua batida empolgante e um rap típico dos gloriosos e ingênuos tempos de Salt-N-Pepa.

Nem todas as faixas do álbum, porém, se escoram em procedimentos puramente retrô. “Heated” vai para os lados do afropop contemporâneo e “Thique” faz a ponte (com seus baixos profundos e a letra hipersexualizada) entre o trap atual e o Miami Bass dos anos 1980. E assim, com talento, bom gosto, experiência e uma consciência histórica da música, Beyoncé devolve, em “Renaissance”, um pouco da leveza que o pop andou perdendo, mas sem deixar que ele deslize para a irrelevância.

Cotação: Ótimo