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Rosalía reúne desejo de festejar e dores da pandemia em 'Motomami': 'Passei quase dois anos longe da minha família'

Disco foi elaborado ao longo dos últimos três anos
Capa do álbum "Motomami", da cantora espanhola Rosalía Foto: Divulgação
Capa do álbum "Motomami", da cantora espanhola Rosalía Foto: Divulgação

Nascida há 29 anos em uma pequena cidade na Catalunha, Rosalía Vila Tobella viveu de perto a tradição da música flamenca —mas logo entendeu que havia mais futuro do que passado em sua vida. Seu segundo álbum, o dolorido “El mal querer” (2018), chamou a atenção do mundo ao recriar a raiz musical espanhola sob a orientação do R&B americano e do reggaeton porto-riquenho de ponta. Seguiram-se um hit global (“Con altura”, de 2019, com o astro colombiano J Balvin), uma música com Billie Eilish para a série “Euphoria” (“Lo vas a olvidar”, em 2021) e, agora, “Motomami”, seu aguardado e ambicioso terceiro álbum, que chega esta sexta-feira ao streaming.

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Disco cuidadosamente elaborado, ao longo dos últimos três anos, ele concilia participações estreladas ( The Weeknd em “La fama”, Pharrelll Williams em “Hentai”) com as de talentos emergentes (como a rapper dominicana Tokischa, em “La Combi Versace”), da mesma forma que equilibra o seu lado “moto” (de canções dançantes, sexy) com o “mami” (de baladas românticas, sofridas e tocantes, caso de “Diablo”, “Como un G” e a bela “Sakura”, que fecha o disco).

— Passei quase dois anos longe da minha família ( por causa da pandemia )... foi doloroso. Fiquei nos Estados Unidos porque era o lugar onde estavam meus colaboradores. Se eu fosse para a Espanha talvez não fosse possível voltar para terminar o álbum. Então eu segui adiante, o que me trouxe um monte de tristeza, por isso compus as canções “mami” — conta por Zoom, misturando inglês e espanhol, uma animada Rosalía. — Ao mesmo tempo, eu tinha vontade de festejar e dançar. E por isso surgiram faixas como “Bizcochito” e “Cuuuuuuuuuute”. E há também espiritualidade, menções à grande referência que para mim é Deus. Claramente havia duas energias percorrendo o projeto, que para mim eram partes da mesma coisa. “Motomami” representa essa dualidade.

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Com quase 20 milhões de seguidores no Instagram, La Rosalía soube alimentar a curiosidade do público em relação ao disco (“Todo e qualquer detalhe nesse álbum é intencional. Cada decisão, cada palavra, cada som ali tem uma razão de ser”, diz ela) e veio colhendo os frutos: há poucos dias, tornou-se a primeira mulher a apresentar duas canções em espanhol (“La fama” e “Chicken teriyaki”) em toda a história do programa “Saturday Night Live”. E, na quinta-feira, fez no TikTok (plataforma que ela define como “um ambiente de muita criação, de trabalhos que não circulam nos meios convencionais, como um dia foram os filmes Super 8”) um pré-lançamento de “Motomami” com a participação, por Zoom, de artistas afins, como Pabllo Vittar .

— E ela me disse que tinha um toque brasileiro na percussão de “Cuuuuuuuuuute” — disse Rosalía, corroborando a impressão do repórter sobre a música, que tem sons muito parecidos com os de uma bateria de escola de samba. — O curioso é que essa batida foi feita por uma garota no México, Tayana, uma grande produtora. Quando ela me chegou às mãos fiquei pasma, caí da cadeira, achei muito louca. Foi a única faixa do disco que eu compus em cima de um beat.

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Grãozinhos de areia

Entre colaboradores, estrelados ou não, há muita gente envolvida em cada uma das faixas de “Motomami” — e todos são citados na ficha técnica, garante Rosalía.

— Gosto de ser muito transparente nos créditos, e se há pessoas que participaram um pouquinho que seja na criação, elas terão seus nomes lá. Sou muito grata a todo mundo que pôs seu grãozinho de areia nesse projeto — diz ela, admitindo, porém, que essa transparência muitas vezes não a ajuda. — Muitas mulheres que são compositoras e produtoras, como eu, sofrem com isso. Porque, se você dá o crédito também aos homens, existe essa presunção de que eles fizeram mais do que você. O que é um absurdo, já que eu sou a responsável pelo meu som e pela minha proposta criativa. Muitas vezes, era só eu, em casa, empurrando o carro sem ninguém ao meu lado, por horas e horas.

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Sim, “Motomami” tem músicas que celebram o sexo. Mas, segundo a cantora espanhola Rosalía, está longe de ser essa a razão de ela ter escolhido aparecer nua na capa do disco.

— Acho que há uma pureza nesse corpo nu, é o que de mais natural existe, é essa força na fragilidade. A capa foi inspirada na energia feminina, que é tão belamente representada na Vênus de Botticelli — explica a cantora, que não à toa se cercou no disco de mulheres como Tokisha, representante do dembow, estilo sensação do novo pop. — O dembow é muito vivo e cru, ainda mais se você ouve essa música no underground da República Dominicana. E, no Brasil, também há muitos artistas jovens que estão fazendo coisas impressionantes, como Kevin O Chris, que soa tão fresco. Eu tenho encontrado muita inspiração na América Latina, e nesse disco eu quis mostrar o meu respeito por essas culturas. Esses artistas têm sido tão inspiradores para mim quanto ( o pioneiro japonês da música eletrônica ) Ryuichi Sakamoto, ( o grupo americano de rock industrial ) Nine Inch Nails, ( o astro porto-riquenho do reggaeton ) Daddy Yankee, ( a bailarina espanhola de flamenco ) Lola Flores... poderia passar um dia inteiro falando nomes de pessoas que me levaram a fazer “Motomami”.

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Com o lançamento do novo trabalho, só o que falta é que Rosalía faça shows no Brasil:

— Mal posso esperar para ir aí! Eu sei que disse exatamente isso dois anos atrás, mas tenho a desculpa de que o mundo parou por causa da pandemia. Agora que ele está girando novamente, quero retribuir todo o amor que os brasileiros vêm me mandando todo esse tempo.