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Tom Zé: explicar para confundir, confundir para esclarecer

O conjunto da obra do artista
Tom Zé Foto: Marcos Alves
Tom Zé Foto: Marcos Alves

RIO - Artista difícil? Não, difícil é apontar algum artista da música popular brasileira que tenha uma comunicação tão imediata quanto Tom Zé. Velho, criança, papagaio, não tem quem não se deixe contagiar pelas invenções que o baiano encena por aí, seja no palco ou em uma conversa ao pé do balcão da padaria. Sacando da cartola sabedorias diversas, populares e acadêmicas, ele tece o seu bordado de referências e impertinências com a perspectiva lúdica de um garoto hiperativo e proporciona uma das experiências mais libertadoras, desopilantes que se pode ter na MPB. Tom Zé é daquela mesma estirpe de Jorge Ben: sua conversa está além do sentido que as palavras ganham, normalmente, quando se juntam. É explicar para confundir, confundir para esclarecer.

Mas a fama de difícil grudou no tropicalista sênior (e, ao mesmo tempo, enfant terrible do movimento), condenando-o a um ostracismo que foi sendo rompido, lentamente, a partir do momento em que o talking head David Byrne se deparou, por acaso, com o LP “Estudando o samba” (1976), de “Tô”, “Vai (Menina amanhã de manhã)” e “Mã”. Foi um dos grandes discos que ele gravou, numa fileira que vai do “Tom Zé” (1968), de “São São Paulo” e “Namorinho de portão”, ao “Correio da estação do Brás” (1978), passando pelo provocativo “Todos os olhos” (1973), de “Augusta, Angélica e Consolação”. Discos nos quais o samba, o rock, os ritmos nordestinos e as vanguardas eruditas se encontram para alargar os limites da canção nacional. Incomuns, altamente inventivos e cheios de camadas sonoras. Mas difíceis? Em nada.

Os anos 1990 e os seguintes foram mais generosos com Tom Zé, que ganhou regravações, confraternizou com as novas gerações do pop (e com alguns contemporâneos), exercitou a crônica, deu vazão à inquietude política em canções, gravou mais álbuns (uns melhores que outros, mas sempre coerentes com o conjunto da obra) e se consagrou como um dos mais respeitáveis pensadores da cultura brasileira — sem jamais deixar de ser aquele menino excitado com a descoberta da força que têm as letras e os sons.