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Cultura

Nanda Costa e Lan Lanh falam de gravidez e dizem que Cássia Eller e Eugênia servem de exemplo

Percussionista contou ao pai sobre a gestação horas antes de ele morrer de Covid
Nanda Costa e Lan Lanh: 'A vida começou a fazer mais sentido', diz a atriz Foto: Rê Duarte / Divulgação
Nanda Costa e Lan Lanh: 'A vida começou a fazer mais sentido', diz a atriz Foto: Rê Duarte / Divulgação

Nanda Costa e Lan Lanh tinham três exigências para escolher o doador do sêmen a que recorreram para gerar as filhas gêmeas, com nascimento previsto para outubro:

—Que fosse saudável, brasileiro para ter suíngue e não fosse bolsominion — conta Lan, em tom de brincadeira.

Elas recorreram a um banco nacional de esperma. Depois de vasculharem os serviços internacionais e descobrirem que, por causa da reserva escassa na pandemia, teriam de aguardar 90 dias, resolveram internamente. O que acharam bom por dois motivos. O primeiro é que a maioria dos doadores estrangeiros que encontraram era louro de olho azul, portanto, distante do tipo físico comum brasileiro. O outro é que, enquanto lá fora as informações sobre o dono do material genético são detalhadíssimas (alguns disponibilizam até foto), por aqui, ele é mantido no anonimato.

— Eu já estava doida com tanta informação. Percebemos que era melhor não ter tanta. Porque não vai mudar nada, são nossas filhas — afirma Nanda.

Ao todo, foram três tentativas de inseminação artificial. O sinal positivo veio numa hora delicada, quando Lan perdeu o pai para a Covid-19. Antes de ele partir, deu tempo de dar a notícia, até então, guardada a setes chaves mesmo para as famílias.

— A médica ligou dizendo que não havia mais nada a fazer, para eu me despedir dele. Pedi para colocarem o telefone no ouvido e, enquanto fazia carinho na testa dele ( pela tela do celular ), contei que  ia ganhar duas netinhas — lembra a percussionista. — Ele partiu naquela madrugada. Acho que acalmou o coração. Tive a sensação de que bati o tambor para ele fazer a passagem.

A notícia também foi alívio para a avó de Nanda. Ela tinha receio de que, por a neta ser lésbica, a família parasse de crescer. Ao saber da boa nova, dona Maria Inês gritou da janela de sua casa no Centro Histórico de Paraty: “Eu vou ser bisa!”. No que os vizinhos responderam: “Parabéns!”. Desde que a crise sanitária se abateu sobre o mundo, a matriarca da família da atriz tem se comunicado desta forma com a vizinhança. Agora, ganhou até um megafone.

Lan e Nanda começaram a pensar em filhos em 2018, quando tornaram pública a relação. Em 2019, a atriz iniciou o tratamento com hormônios para estimular a ovulação. Naquele ano, elas se casaram já pensando no documento como garantia para registrar futuros filhos no nome das duas mães. Na semana em que fariam a transferência dos embriões, veio o convite para que Nanda fizesse “Amor de mãe”. O jeito foi congelar os óvulos e os planos, retomados com o fim da novela. Antes de a gravidez vingar, elas viveram o luto de tentativas frustradas e até um falso positivo.

Lan sempre teve desejo de gerar. Chegou a conversar com amigos, quando surgiu "uma leva de pretendentes". Mas foi levando a vida de turnê em turnê e, quando viu, estava com mais de 50 anos (ela tem 53; Nanda, 34). Agora, é como se também estivesse grávida. Parou de menstruar junto com Nanda, sente enjoo e azia — o que, aliás, tem atrapalhado a vida sexual das duas.  Lan só não deve amamentar. Não quer recorrer a hormônios.

Por enquanto, rega o amor com música. Lançou “Duas mães”, canção que traz o som do coração das bebês e fala da relação com Nanda. Uma história que já havia sido cantada em “Não é comum, mas é normal”, lançada ao anunciarem o namoro. Um momento difícil para Nanda.

— Eu não tinha nenhuma referência, não havia uma atriz assumidamente lésbica que falasse abertamente sobre isso e estivesse trabalhando, com personagens relevantes, e fazendo capas de revista — lembra. — Quando comecei a namorar Lan, a gente saía para jantar e, quando ela fazia algum carinho, eu já olhava em volta para ver se alguém  tinha visto. Parecia que eu ia ser pega no erro. Passei muito tempo me escondendo. Nada me fazia tão mal quanto ficar calada, vendo as pessoas falarem pelas costas. Via isso e ficava tomando cuidado com meus gestos, com a roupa que usava.

Por isso, nem passa pela cabeça de Nanda, cuja beleza tem contribuído na composição dos personagens, neuras com as mudanças no corpo sarado.

— O que estou vivendo é muito maior. Falo: “Olha, Lan, o meu corpo se transformando num corpo de mãe”. Apesar de amar minha profissão, nada me deu o que eu tenho hoje, vida começou a fazer mais sentido.

Lan e Nanda sabem que educar as filhas num mundo tomado pelo conservadorismo não será fácil. Ganharam muito apoio (“estamos recebendo uma tsunami de amor”, conta Lan), mas também ataques homofóbicos nas redes. Diante disso, pretendem deixar claro que errados são os intolerantes. Como referência inspiradora de dupla maternidade trazem Cássia Eller, parceira musical de Lan, e Eugênia (que mandou mensagem dizendo que não vê a hora de cheirar a nuca das bebês). A atitude de Chicão, filho delas, diante do bullying na escola também serve de exemplo.

— Quando ele ouvia “sua mãe é sapatão”, respondia, “e daí?” e acabava o assunto — conta Lan.

No entanto, os maiores modelos de mulheres que lutaram pelo direito de ser quem são as meninas terão dentro de casa mesmo. Nanda cresceu encarando quem a impedisse de jogar futebol, sua brincadeira infantil preferida. Não desistia nem quando os garotos da rua tentavam excluí-la com times “sem camisa” para desanimar a menina, que já sentia os seios despontarem atrás da blusa. Na época, não havia a referência de Marta ou Formiga, e Nanda não concretizou o sonho de ser jogadora profissional. Mas se tornou atriz, outro de seus desejos.

Do outro lado, Lan desbravava o universo masculino da percussão batucando no mármore para ganhar uma batida forte que rivalizasse com a dos machos. Abriu espaços em festivais em que a presença de mulheres instrumentistas sempre foi pífia. Trabalho nunca faltou. E continua assim. Ela acaba de se tornar a primeira musicista brasileira a realizar uma criptoarte, com três obras disponíveis no leilão de uma plataforma virtual. Também prepara o clipe de “Duas mães”, que contará com a participação de casais de mulheres e seus filhos.

Já Nanda está no ar em “Império” e, a partir do dia 19, em “Pega pega”. A novela de 2017 teve efeito libertador para a atriz, que morria de medo de comédia por não saber... gargalhar. Trauma que aumentou quando uma cena do filme “Gonzaga — De pai pra filho” teve de ser cortada porque sua risada não havia ficado legal. A dificuldade foi vencida durante a preparação para a novela e a gargalhada se tornou até marca registrada da personagem Sandra Helena, que rendeu outros ganhos à atriz.

— Tinha medo de que comentassem minha sexualidade, o famoso “dar pinta” era uma sombra. Mas ninguém questionou. A personagem foi amada, sexy e feminina. Isso me ajudou no meu processo. Depois, veio a Maura, de “Segundo sol”, eu e Lan falamos do nosso amor e a vida melhorou muito.