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Cultura

Não importa quem seja o secretário da Cultura, 'será mais um fantoche', diz Maitê Proença

Artistas e personalidades do meio político reagem à exoneração de Regina Duarte do posto de comando na Secretaria Especial de Cultura
Regina Duarte durante a entrevista na TV Foto: reprodução
Regina Duarte durante a entrevista na TV Foto: reprodução

A classe artística reagiu com descrédito em relação ao interesse no governo no bom funcionamento da Secretária de Cultura, após a exoneração de Regina Duarte , nesta quarta-feira. A atriz assumirá a presidência da Cinemateca de SP, em movimento que também preocupa profissionais ligados ao setor. Maitê Proença , cuja participação irritou Regina durante a entrevista à "CNN Brasil" , acredita que governo tenta paralisar a cultura.

— Fica cada vez mais claro que a troca frenética de ministros e secretários acontece principalmente nos setores em que o presidente deseja que nada se mexa — disse a atriz.

Analítico : Na Cultura, Regina Duarte foi secretária sem nunca ter sido

Maitê também acredita que o ator Mario Frias , convidado para assumir o cargo , não consiga desenvolver um trabalho sério à frente da secretaria.

— Não importa. Será mais um fantoche. Se for um bom fantoche dura, se não, cai.

Ex-marido e parceiro de set de Regina Duarte, Daniel Filho diz que a saída da atriz a tornou "mais uma bolsonada". Ele, que dirigiu Regina na série "Malu Mulher", nos anos 1970, acredita que a atriz foi "jogada para escanteio" ao ser realocada na Cinemateca Brasileira.

Imagem prejudicada

Regina Duarte e Jair Bolsonaro gravaram vídeo para o anúncio Foto: Reprodução / Facebook
Regina Duarte e Jair Bolsonaro gravaram vídeo para o anúncio Foto: Reprodução / Facebook

Para Armando Babaioff , Regina Duarte aceitou um cargo onde "não fez diferença alguma" e acabou prejudicando tanto a carreira quanto sua imagem que ficara na história.

— O diálogo nunca existiu, não disse a que veio, não teve apoio da classe artística e provavelmente não terá agora ocupando a Cinemateca de SP. — lamenta o ator. — Mesmo dizendo que tinha muita coisa para dizer não disse nada além de um discurso de ódio e assim será lembrada, como aquela que naturalizou a morte, aquela que flerta com a ditadura, como aquela que foi sem nunca ter sido. Regina Duarte é o próprio pum do palhaço, uma piada.

Zélia Duncan seguiu a mesma linha de raciocínio, em comentários nas redes sociais. Para a cantora e compositora, "não fazendo nada e ainda agredindo a classe artística, ela estava cumprindo todas as suas funções e ainda mandava beijos pra ditadura".

Leoni também reagiu, ponderando que Mario Frias não é uma boa escolha.

— Com a Regina, mesmo sendo uma pessoa com a qual tinha discordâncias, ainda havia uma esperança. Agora já vimos que não existe. Com todas essas modificações nos ministérios e secretarias, ficou claro que é irrelevante quem estará no cargo. Porque se não pensar exatamente igual ao presidente, será mandado embora. Ele busca recrutas, não técnicos. Mario Frias não tem nenhum histórico que o credencie a não ser o fato de se alinhar a Bolsonaro e Olavo de Carvalho.

Temor pela Cinemateca

A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, tem um acervo de mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que contam a história do audiovisual no país Foto: Divulgação
A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, tem um acervo de mais de 250 mil rolos de filmes e um milhão de documentos que contam a história do audiovisual no país Foto: Divulgação

Em vídeo postado na manhã desta quarta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, Regina Duarte diz que sua saída da Secretaria foi um 'duplo presente' , graças à nomeação para a Cinemateca. Mas muitos artistas questionam a ida dela para lá. Marina Lima criticou a capacidade administrativa de Regina e se disse preocupada com a Cinemateca, que já vive uma crise, com salários atrasados e acervo ameaçado .

— Lamento demais pela Cinemateca. Regina Duarte já se mostrou incapaz de qualquer tipo de administração ou representatividade da cultura. — criticou a cantora. — Repudio todas as manifestações públicas que ela fez. E sou contra ela assumir qualquer cargo público ligado ao nosso setor cultural. Uma lástima.

O cineasta Joel Pizzini também demonstra preocupação com a ida de Regina para a Cinemateca de SP, o principal acervo da América Latina. E espera que ela "assuma seu melhor papel" na gestão do espaço.

— O drama atual do cinema brasileiro extrapola a Cinemateca, mas se não houver um plano emergencial ela voltará a ser um "matadouro", pulverizando nossa memória. — alerta Pizzini. — Espero que a Regina Duarte, que faz parte deste imaginário depositado lá,  assuma o seu melhor papel na história a favor da preservação e difusão audiovisual. A situação é grave pois a Cinemateca é gênero de primeira necessidade.

Professor de cinema, pesquisador e membro da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), Fabián Núñez alerta que o momento nunca foi pior para a Cinemateca.

— De todas as crises que marcaram a história da Cinemateca Brasileira, essa talvez seja a mais grave, pois, até a energia elétrica pode ser cortada, pela primeira vez. E sabemos da catástrofe que é o corte de luz para os acervos climatizados. É uma destruição imediata, décadas de trabalho e de dedicação e, no caso, de dinheiro público, perdidos, com perdas irreparáveis para a memória do cinema brasileiro.

Professor de História do Cinema na Universidade Federal de São Carlos e ex-integrante do Conselho da Cinemateca Brasileira, Arthur Autran também lamenta a nomeação.

— Dá prosseguimento à ausência de uma política cultural consequente no governo Bolsonaro, principalmente no que tange à preservação da memória. A Cinemateca Brasileira necessita urgentemente que recursos financeiros para o pagamento de pessoal sejam liberados, bem como de uma gestão que tenha à frente alguém comprometido com a preservação dos filmes brasileiros e não para fazer proselitismo político.

Para Renata Magalhães, produtora de cinema e presidente do Instituto Brasileiro de Audiovisual (IBAV), trata-se de mais um episódio de descaso com o setor do audiovisual.

— Quando você acha que chegamos no fundo do poço, fica mais fundo. Nunca ouvi nenhuma declaração de Mario Frias, não sei o que acha de política cultural, mas concluo que tudo isso é supérfluo para o Bolsonaro pois ele só quer alguém que atue dentro de seu plano de destruir a cultura brasileira. O setor audiovisual está totalmente parado, ninguém convoca o comitê gestor, as produtoras estão demitindo, muita gente desempregada e ninguém nos procura. Agora a Regina Duarte que nos ignorou esse tempo todo vai assumir uma joia abandonada como a cinemateca. Tudo está de cabeça para baixo. Dias piores virão — explica Renata, finalizando com uma paródia ao nome do filme "Dias melhores virão", de Cacá Diegues, seu marido.

No Twitter, a escritora e jornalista Eliana Alvez Cruz escreveu: "Regina, toda sorrisos ao lado de você sabe quem, disse que ganhou um presente: a cinemateca. Ela disse que ganhou um cargo público de presente...dinheiro seu, meu, nosso. Pre-sen-te. Eu, você, nós estamos ofertando um 'mimo' a ela".