Nelson Motta
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Nelson Motta

Jornalista, compositor, escritor, roteirista e produtor.

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Nelson Motta


Redes sociais — Foto: Pexels
Redes sociais — Foto: Pexels

Tenho ouvido muito falar em coragem nas redes sociais, como se fosse uma commodity valorizada, como a sinceridade, a credibilidade e a originalidade. Acho que corajoso não é quem não tem medo de nada, esse é só um tolo temerário e inconsequente. Coragem é ter medo, muito medo, consciência dos riscos e do perigo, mas enfrentá-lo com todas as suas forças, como uma escolha de vida, uma exigência das circunstâncias, de caráter. As redes sociais são um campo fértil para corajosos de araque, que tentam fazer parecer como atos de rebeldia contra a caretice, o conservadorismo e as velhas normas de comportamento o que é só exibicionismo raso de imagens e palavras em busca de biscoitos e seguidores, o que, claro, atrairá seguidores da pior espécie e os elogios baratos de consumidores de aparências pouco exigentes. Qual é a coragem de quem tem uma cara ou um corpo instagramável se expor? Nada contra, cada um dá o que tem. Mas coragem é gente mais velha e mais feia se mostrar como é, e que não é só um corpo e uma cara, mas o que pensa e sente, suas ideias e propósitos, suas experiências transformadoras.

É preciso alguma coragem para expor suas opiniões sinceras e seus sentimentos íntimos para estranhos em busca de conexão e aprovação, quantos mais melhor, porque se poucos notam é a decepção e o fracasso, mas é preciso coragem para ler os comentários negativos, grossos e debochados a que está sujeito quem se abre a esse mercado. É preciso coragem para enfrentar o ridículo e a humilhação, que doem em qualquer ego.

Como na feira das vaidades digital há mais oferta do que procura, a concorrência pela atenção de estranhos é um vale-tudo impiedoso que exige muita coragem para enfrentar, seja para os propósitos mais generosos ou os mais rasos, os mais solidários ou os mais narcisistas, os mais amadores ou os mais profissionais.

Coragem mesmo é preciso para assumir seus erros e limitações e enfrentá-los, publicamente, para milhares de desconhecidos; o medo do cancelamento dá coragem até a quem não tem rsrs.

“A vida, o que ela quer da gente é coragem”, dizia Guimarães Rosa, mesmo porque não há outra opção, é o instinto de sobrevivência, fisiológica, psicológica, espiritual, que alguns têm mais, e outros, menos, ninguém sabe por quê. Mas sabe-se que a coragem em si mesma, como um dom, um traço de personalidade, não é um valor em si, mas medido pelo que se faz com ela, pelos medos que enfrenta. Coragem não se aprende, ou se vem com ela de fábrica ou se conquista na luta para sobreviver e crescer. A coragem irracional e insensata, movida pelo impulso e as emoções, é o melhor caminho para as piores escolhas. É como a inteligência, que quando é voltada para o mal, é pior do que a burrice, como dizia Hélio Pellegrino, porque provoca mais danos.

Na real: o medo da decadência, do abandono e da morte é que nos mantém vivos. E para enfrentá-lo é preciso muita coragem, porque ele cresce a cada dia.

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