Cultura
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Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro

Foi há exatos 125 anos, em 20 de julho de 1897, numa sala do museu Pedagogium, na Rua do Passeio, que a Academia Brasileira de Letras nasceu oficialmente. Com a presença de 16 acadêmicos, seu primeiro presidente, Machado de Assis, fez um breve pronunciamento. O primeiro secretário, Rodrigo Octavio, leu a memória histórica dos atos preparatórios, que vinham se realizando desde o ano anterior, e o secretário-geral, Joaquim Nabuco, fez o discurso inaugural da ABL.

O mundo vivia o fim de um século decisivo para a cultura ocidental, e o Brasil, que acabara de chegar à era republicana, ensaiava grandes transformações. Foi nesse cenário que surgiu a Academia Brasileira de Letras, propondo-se a reunir cabeças pensantes em torno do próprio país.

No objetivo definido no estatuto da fundação, a ABL “tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional”. Mas vai além. O maior escritor brasileiro, tão fundamental para a formação e prestígio da instituição que a tornaria conhecida como Casa de Machado de Assis, dividiu sua criação com diplomatas como Nabuco e Graça Aranha; poetas como Olavo Bilac; juristas como Rui Barbosa; dramaturgos como Artur Azevedo e médicos como Teixeira de Melo, entre os 40 integrantes originais.

Centenas de outros acadêmicos vieram desde então, e a ABL continuou a receber representantes de diferentes áreas, da Filosofia ao Direito, da Sociologia à Medicina, da Economia à Religião (a casa teve até agora quatro prelados acadêmicos, entre eles Dom Silvério Gomes Pimenta, o primeiro arcebispo negro do Brasil). Aberta a todas as tendências e saberes, a Academia tornou-se a casa tanto da vanguarda literária (Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles e Ferreira Gullar, entre tantos outros) quanto da excelência científica (de Osvaldo Cruz ao neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho). Também marcaram presença homens que fizeram a história da imprensa no país, como os jornalistas Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, e Roberto Marinho, do GLOBO.

Esses e tantos outros nomes souberam conjugar saberes diversos no cenário cultural, político e social brasileiro, ajudando a pavimentar o papel da instituição como guardiã e promotora do pensamento humanista. E esse ideal esteve presente desde as primeiras sessões preparatórias para a fundação até o fechamento das atividades presenciais durante a pandemia de Covid, passando pelas grandes reinvenções promovidas nas presidências de Austregésilo de Athayde e Marco Lucchesi.

Assim, a ABL conseguiu equilibrar-se entre tradição e modernidade, mantendo valores de sua fundação enquanto buscava adequar-se aos novos tempos. Se nos anos 1920 a casa foi palco das disputas entre os modernos e os “helenos” — anos mais tarde, aliás, a entrada de modernistas como Manuel Bandeira mostrou que até mesmo os “moços” que atacavam o “império da velhice” mudaram de ideia sobre a instituição —, hoje ela se abre para a cultura popular com nomes como Gilberto Gil.

Nos últimos anos, a casa intensificou seus esforços para dialogar com a sociedade, recebendo povos indígenas e representantes da cultura afro-brasileira, papel que ganha relevância no momento em que se faz cada vez mais necessária a defesa das liberdades, da democracia, da ciência e da cultura como um todo.

Este material especial do GLOBO lembra a trajetória da casa que celebra 125 anos de olho no futuro. A instituição, que já foi conhecida como “torre de marfim”, abre cada vez mais suas portas e se moderniza, buscando novos meios e tecnologias para compartilhar sua História e seus valores com os brasileiros.

Acompanhe abaixo uma cronologia com algumas datas importantes para a ABL.

15 de dezembro de 1896: Começam as sessões preparatórias para a criação da Academia Brasileira de Letras, proposta por Lúcio de Mendonça e inspirada na composição da Academia Francesa, com 40 integrantes e 20 sócios correspondentes estrangeiros. Às 15h, na redação da Revista Brasileira, na Rua do Ouvidor, Machado de Assis foi eleito presidente. A revista, editada por José Veríssimo, funcionava como um polo cultural que ajudou a unir o grupo fundador da ABL.

28 de dezembro de 1896: De acordo com a ata da sessão, Valentim Magalhães não pode comparecer à reunião “por inconveniente de saúde”, mas ofereceu à Academia um exemplar de sua obra “Flor de sangue”. O livro marca o início da coleção bibliográfica da Academia e hoje está exposto na Biblioteca Lúcio de Mendonça, no segundo andar do Petit Trianon.

28 de janeiro de 1897: É publicado o estatuto da casa, que informa, em seu Artigo 1º: “A Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional, e funcionará de acordo com as normas estabelecidas em seu Regimento Interno”.

20 de julho de 1897: A sessão inaugural, que marca o início da história da ABL, acontece no Museu Pedagogium, na Rua do Passeio. No evento, estiveram 16 acadêmicos, e o discurso inaugural ficou a cargo de Joaquim Nabuco.

 A sessão inaugural, que marca o início da história da ABL, acontece no Museu Pedagogium, na Rua do Passeio. — Foto: Arquivo ABL
A sessão inaugural, que marca o início da história da ABL, acontece no Museu Pedagogium, na Rua do Passeio. — Foto: Arquivo ABL

1901: Machado de Assis e outros acadêmicos e artistas criaram em 1901 o grupo Panelinha, que costumava se reunir em almoços. A fotografia desta página é de um deles, realizado no Hotel Rio Branco, que ficava em Laranjeiras. Além de Machado (o segundo sentado, da esquerda para a direita), estão ali Rodolfo Amoedo, Artur Azevedo, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, José Veríssimo, Sousa Bandeira, Filinto de Almeida, Guimarães Passos, Valentim Magalhães, Rodolfo Bernadelli, Rodrigo Octavio, Heitor Peixoto, João Ribeiro, Lúcio de Mendonça e Silva Ramos.

Machado de Assis e outros acadêmicos e artistas criaram em 1901 o grupo Panelinha, que costumava se reunir em almoços — Foto: Arquivo ABL
Machado de Assis e outros acadêmicos e artistas criaram em 1901 o grupo Panelinha, que costumava se reunir em almoços — Foto: Arquivo ABL

29 de setembro de 1908: Morte de Machado de Assis.

29 de junho de 1917: O livreiro Francisco Alves de Oliveira morre deixando em testamento toda sua fortuna para a instituição, que sempre foi “culta, brilhante, mas pobre”, como lembrava reportagem do GLOBO nos 50 anos da ABL. Como contrapartida pelo recebimento da herança, a casa precisava organizar concursos, prêmios literários e sessões ordinárias bonificadas.

 O livreiro Francisco Alves de Oliveira morre deixando em testamento toda sua fortuna para a instituição — Foto: Divulgação/ ABL
O livreiro Francisco Alves de Oliveira morre deixando em testamento toda sua fortuna para a instituição — Foto: Divulgação/ ABL

1923: A Academia, até então abrigada no Silogeu, em outro endereço, finalmente se muda para o Petit Trianon, sua primeira sede própria, espaço que ocupa até hoje na Avenida Presidente Wilson. Doação do governo francês, o palacete é uma réplica do Petit Trianon de Versalhes em pleno Centro do Rio. Ele foi originalmente construído para abrigar o pavilhão da França durante as comemorações do centenário da Independência do Brasil, em 1922.

19 de junho de 1924: Em uma polêmica conferência intitulada “O espírito moderno”, Graça Aranha chama a academia de “reunião de espectros, um túmulo de múmias, um império de todas as velhices”. O discurso provoca uma divisão na plateia, com os mais jovens gritando “morra a Grécia”. Como resposta, os acadêmicos erguem Coelho Neto nos ombros e desfilam com o veterano pelo auditório. No meio da euforia, Coelho Neto grita: “Sou o último dos helenos”. Quatro meses depois, Graça Aranha desliga-se da Academia.

 Em uma polêmica conferência intitulada “O espírito moderno”, Graça Aranha chama a academia de “reunião de espectros, um túmulo de múmias, um império de todas as velhices”.  — Foto: Arquivo ABL
Em uma polêmica conferência intitulada “O espírito moderno”, Graça Aranha chama a academia de “reunião de espectros, um túmulo de múmias, um império de todas as velhices”. — Foto: Arquivo ABL

29 de dezembro de 1943: Posse de Getúlio Vargas na cadeira 37. Em pleno Estado Novo, o ditador não precisou seguir os rituais da eleição, enviando uma carta de inscrição. Em vez disso, seu ingresso foi patrocinado por um grupo de acadêmicos.

Getúlio Vargas em seu fardão — Foto: Arquivo
Getúlio Vargas em seu fardão — Foto: Arquivo

20 de setembro de 1945: A Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa se encontram para assinar o Acordo de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa.

15 de agosto 1972: Austregésilo de Athayde lança, ao lado do cardeal Dom Eugênio Sales, a pedra fundamental do novo prédio da ABL. Athayde, ocupante da cadeira 8, pensou no empreendimento como forma de tornar a instituição sustentável economicamente no futuro, e ampliar o alcance da ABL na promoção da cultura no país.

4 de novembro de 1977: Oitenta anos após sua sessão inaugural, a Academia recebe a primeira mulher como integrante da casa. A cearense Rachel de Queiroz, autora de romances como o “O quinze” e “Memorial de Maria Moura”, tornou-se a quinta ocupante da cadeira 5.

20 de julho de 1979: Inauguração do imponente arranha-céu de 29 andares, ao lado do Petit Trianon. O prédio, batizado como Palácio Austregésilo de Athayde, tornou-se uma parte importante do patrimônio da instituição.

Palácio Austregésilo de Athayde — Foto: Arquivo ABL
Palácio Austregésilo de Athayde — Foto: Arquivo ABL

1989: Athayde completa três décadas na presidência da ABL. Ao todo, ocupou o cargo por 35 anos, sendo o imortal que ficou mais tempo na função. Sua administração foi responsável por aproximar a casa do público e torná-la mais amigável a visitantes.

Austregésilo de Athayde, o acadêmico com mais tempo de presidência da ABL — Foto: Arquivo ABL
Austregésilo de Athayde, o acadêmico com mais tempo de presidência da ABL — Foto: Arquivo ABL

19 de outubro de 1993: Desde 1931 à frente do jornal O GLOBO, fundado por seu pai, Irineu Marinho, em 1925, o jornalista Roberto Marinho toma posse da cadeira 39, sucedendo ao também jornalista e escritor Otto Lara Rezende.

Roberto Marinho na posse da cadeira 39, na ABL — Foto: Cezar Loureiro/Agência O Globo
Roberto Marinho na posse da cadeira 39, na ABL — Foto: Cezar Loureiro/Agência O Globo

1996: Nélida Piñon, ocupante da cadeira 30, é eleita a primeira mulher presidente da casa. Ana Maria Machado ocuparia a presidência em 2012 e 2013.

Nélida Piñon como a primeira mulher presidente da ABL — Foto: Marco Antônio Rezende / Agência O Globo
Nélida Piñon como a primeira mulher presidente da ABL — Foto: Marco Antônio Rezende / Agência O Globo

20 de julho de 1997: Começam as comemorações do primeiro centenário.

5 de abril de 2001: Inauguração do Espaço Machado de Assis, destinado à pesquisa e à difusão do universo machadiano.

22 de setembro de 2005: Inauguração da biblioteca Rodolfo Garcia, com 1.300m², no Palácio Austregésilo de Athayde. O acervo abriga cerca de 91 mil volumes, que podem ser consultados pelo público, e é espaço para atividades culturais da instituição.

21 de novembro de 2007: Reinauguração do Teatro Raimundo Magalhães Jr., com show do futuro acadêmico Gilberto Gil.

29 de setembro de 2008: Assinatura do Acordo Ortográfico, em evento que marcou o centenário de morte de Machado de Assis.

2019: Lançamento da centésima edição da Revista Brasileira, fundada em 1855 e que passou a ser responsabilidade da ABL em 1941.

16 de abril de 2019: Pela primeira vez, crianças guaranis são convidadas para conhecer a sede da Academia. Foram recebidas em guarani pelo então presidente Marco Lucchesi e cantaram no mesmo idioma uma música em agradecimento ao deus Tupã. Em junho, a ABL sediou a mesa-redonda “As línguas indígenas no Brasil do século XXI”.

A mesa-redonda “As línguas indígenas no Brasil do século XXI”, na ABL — Foto: ABL
A mesa-redonda “As línguas indígenas no Brasil do século XXI”, na ABL — Foto: ABL

12 de março de 2020: Pela primeira vez em sua história, a ABL suspende suas atividades presenciais e abertas ao público, por causa da pandemia de Covid-19.

20 de julho de 2020: Os 123 anos da Academia são comemorados de um jeito inédito: numa cerimônia virtual por causa da situação sanitária. A celebração dos 124 anos, em 2021, também se dá pela internet.

2022: Juntam-se à Academia dois grandes conhecidos do povo brasileiro, mostrando um esforço da instituição em ampliar os saberes de Humanidade e popularizar os ocupantes de suas cadeiras: a atriz Fernanda Montenegro, que tomou posse em março, e o músico Gilberto Gil, em abril.

A posse da atriz Fernanda Montenegro — Foto: Alexandre Cassiano /Agência O Globo
A posse da atriz Fernanda Montenegro — Foto: Alexandre Cassiano /Agência O Globo

1º de junho de 2022: Relançamento da Revista Brasileira, número 110, inaugurando a décima fase da publicação, agora sob a direção da acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira. Os imortais Cacá Diegues, Zuenir Ventura e Joaquim Falcão compõem o Conselho Editorial.

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