Cultura
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Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

Clara Buarque fala baixo e devagar. Fecha os olhos e respira fundo toda vez que é indagada sobre algum acontecimento de sua vida. Reconstrói sem pressa a imagem daquela situação dentro da própria cabeça antes de discorrer sobre ela. A suavidade dos gestos da menina de 23 anos, cercada por uma aura dengosa de filha de Oxum, contrasta com a força visual do mulherão sentado agora na minha frente, sobre os pés descalços.

Inocência e sensualidade se fundem na personalidade dela, que nasceu em berço de cultura brasileira, mas só agora vem assumindo oficialmente a veia artística que carrega no sangue. Filha de Helena Buarque e Carlinhos Brown, neta de Marieta Severo e Chico Buarque, Clara despontou para o público ao gravar "Dueto" com o avô no disco "Caravanas" (2017).

Em 2019, integrou o elenco do musical "Novos baianos" e, este ano, o da série "Tudo igual só que não", da Disney + (a segunda temporada vai ao ar no ano que vem). Na mesma plataforma, rodou ainda "Tá tudo certo", série com Pedro Calais, Ana Caetano, Vitão, Rubel, Agnes Nunes, entre outros.

Clara Buarque: 'Não tenho intenção de ser um grande nome. Quero ser feliz' — Foto: Leo Aversa
Clara Buarque: 'Não tenho intenção de ser um grande nome. Quero ser feliz' — Foto: Leo Aversa

Agora, ela fará sua primeira novela, "Travessia". Também vai estrear no cinema, no longa "Ó paí, ó 2", que está sendo rodado. Esse dois trabalhos carregam valor afetivo enorme para Cacá, como é chamada pela família. Sua mãe era a melhor amiga de Daniela Perez (assassinada em 1992), filha de Glória Perez, autora de "Travessia".

— Me sinto orgulhosa e feliz que a estreia da Clarinha nas novelas venha pelas minhas mãos. A personagem está sendo construída com o maior carinho — diz Glória, que prefere não dar mais detalhes para não estragar uma surpresa na história.

Já "Ó paí, ó 2" se passa em Salvador, cidade onde Clara cresceu e domina cada cantinho. Ela chorou ao receber a notícia de que havia passado no teste para o filme dirigido por Viviane Ferreira, em que vive uma menina das ruas do Pelourinho. É que o longa a faria mexer em memórias profundas.

Clara Buarque:  — Foto: Leo Aversa
Clara Buarque: — Foto: Leo Aversa

Clara só foi descobrir que não era baiana lá pelos 10 anos. Ouviu da boca da mãe que nascera no Rio, onde Helena fez questão de parir todos os quatro filhos e onde moram há cerca de 13 anos. A informação surpreendeu a menina, que chegou àquele pedaço de terra com meses de vida. Ali aprendeu a andar e a falar. Passou uma infância moleca e livre, cercada pelo amor das tias e dos avós paternos.

Corria de um lado para o outro rodeada de primos, subia em árvores e circulava pelada pela casa da família, no Rio Vermelho, no final da rua que desemboca na Praia do Buracão. O lugar era animado, vivia cheio de parentes e amigos artistas do pai, como Marisa Monte a will.i.am.

Clara gostava de cantar e dançar. Seu talento era imitar Joelma, da banda Calypso, jogando o cabelo para frente e para trás. Daquele tempo, a família guarda um áudio dela cantando os famosos versos "estava à toa na vida/ o meu amor me chamou" de "A banda", clássico do avô.

Futebol era outra paixão da menina, que fazia aulas de futsal e dava olés nos irmãos e no pai nas peladas no quintal. Os dentes projetados para frente lhe renderam o apelido de Ronaldinha, que ela incorporou até no endereço de seu e-mail naquela época. O ponto alto das férias no Rio era entrar em campo com o time do Flamengo no Maracanã.

Clara Buarque era apaixonada por futebol quando criança e ganhou o apelido de 'Ronaldinha' — Foto: Reprodução
Clara Buarque era apaixonada por futebol quando criança e ganhou o apelido de 'Ronaldinha' — Foto: Reprodução

Foi em busca de suas raízes que Clara partiu quando se viu perdida, em dúvida do que fazer da vida após se formar na escola. Quis passar uma temporada soteropolitana, perto do pai, para encontrar a si mesma.

— Nascemos no mesmo dia (23 de novembro), somos muito conectados, ele é meu melhor amigo. Sou meu pai em versão mulher. Ele é a minha referência de liberdade, de ser quem se é e de coragem. É só olhar para ele que entendo quem eu sou. Gosto de estar com ele, da presença, da energia. Perto dele, me reabasteço — conta ela.

Transição capilar

Perto também dos avós paternos que Clara tomou consciência de sua ancestralidade e da espiritualidade que, para ela, vem por meio do candomblé. O processo de autoconhecimento havia começado pouco antes, com uma medida que provocou a transformação:

— O grande acontecimento da minha vida foi a transição capilar. A partir daí, tudo fez sentido. Pode parecer coisa pequena, mas só quem passa por isso sabe — revela. — Depois, veio o trabalho interno de estar perto do meu pai, avós, daquela cultura que, no Rio, é mais embranquecida. Minha família do Rio é branca, a de Salvador, é negra. Voltar lá e escutar a Clara da infância dizer "calma, você vai chegar lá", foi forte, espiritual. Voltei com orgulho, aprendi a me amar do jeito que vim ao mundo, porque é daí que vem tudo.

Até então, Clara passara a vida alisando e fazendo luzes no cabelo. Sentia insatisfação com vários outros de seus traços físicos.

Clara Buarque: 'O grande acontecimento da minha vida foi a transição capilar. Só quem passa, entende'' — Foto: Leo Aversa
Clara Buarque: 'O grande acontecimento da minha vida foi a transição capilar. Só quem passa, entende'' — Foto: Leo Aversa

— Até que vi na minha cabeça uma imagem minha no futuro e pensei: “Essa aqui não sou eu, quero me reconhecer”. Vi esse cabelo cacheado, essa presença. E isso envolvia gostar do meu nariz, da minha boca. Coisas que, numa determinada época, eu não gostava. Eu queria me embranquecer.

Não foi fácil desapegar dos antigos padrões. A terapia ajudou. E a partir do momento em que venceu essa briga, Clara passou a exibir autoestima nas redes sociais, onde afirma, em fotos repletas de amor próprio e corpo livre, a delícia de ser quem é.

— Quero estar ali como referência de beleza natural, de alguém que nunca fez nada no rosto, no dente, não tem botox, harmonização facial, tanquinho na barriga. É um trabalho afirmar isso. Porque vejo essas meninas no padrão e acho lindas. Só que tem muita coisa por trás que as pessoas não veem. Coisas que passei na transição e entendi. Pressões estéticas não podem estar acima da saúde mental. A gente adoece por querer chegar num lugar que não tem fim. A beleza não pode vir em primeiro lugar — afirma ela, que conquistou um lugar importante fazendo trabalhos como modelo para marcas variadas.

Conselhos da avó Marieta

Carlinhos Brown é o principal incentivador da carreira musical de Clara Buarque. "Você é cantora, sua voz é linda", diz o músico à filha, desde que ela se entende por gente. Foi o pai quem a convidou para o primeiro dueto oficial. Clara tinha 16 anos e cantou "Ruidinho nu" em homenagem aos 450 anos do Rio de Janeiro. Depois, gravaram juntos "Paladar", ao lado do uruguaio Jorge Drexler. Mais tarde, veio a gravação com o avô.

A avó Marieta, com quem ela gosta de dividir a cama até hoje, é a grande conselheira nas questões que envolvem o ofício de atuar. É também sua melhor amiga. Marieta, a quem Clara cansou de acompanhar nas gravações de "A grande família", foi a primeira a receber a notícia de que a menina faria seu primeiro trabalho na TV .

— Digo a ela que se pode ter talento, mas é preciso vocação. Já vi muito talento minguar por falta de dedicação — conta a atriz, que destaca a capacidade da neta em imitar pessoas e criar personagens. — Desde pequena, Clara é observadora. Sempre levou muito humor para nossas reuniões familiares, provocava ataques de riso como uma blogueira paulista.

Clara encarou muitos testes antes de ter sua primeira oportunidade como atriz. Sempre recebeu mais não do que sim. Duvidava de si mesma, sentia-se insegura, mas seguia. Sem expectativas, garante, porque nem tinha certeza se era esse mesmo o rumo que desejava seguir. Até que a aprovaram para viver a Florzinha de "Ó paí ó 2". Daí, resolveu largar a faculdade de dança Angel Vianna e se dedicar às artes cênicas na Cal (Casa das Artes de Laranjeiras).

O longa acabou sendo adiado, mas, nesse meio tempo, Clara também levou a melhor no teste para interpretar Leilinha em "Novos Baianos". Pensar que ela quase desistiu do papel...

— Clara chegou ao microfone e disse: 'Eu não quero mais fazer o teste'. Já achei aquilo muito bom. Aí, insistimos e ela começou cantar. Me emocionei. Acho a Clara um diamante — define o direto do musical, Otavio Müller:

A experiência do espetáculo firmou a certeza de que deveria seguir a carreira. Porque levou certo tempo para que se convencesse de que era mesmo uma artista. Puxou a timidez e o medo de palco do avô, conta. Queria, sim, cantar, dançar, atuar, mas preferia o lugar de coadjuvante. Sonhava ser... dançarina da Anitta.

— A verdade é que nasci artista, mas durante muito tempo neguei isso. Achei podia fazer psicologia ou pedagogia... Mas chegou uma hora em que não tive mais como fugir — afirma ela. — Carrego algo forte, que ainda estou entendendo. Estou aproveitando para mergulhar nesse mundo que sempre foi tão meu e da minha família.

Justamente por ser fruto dessa família recheada de nomes gigantes do panteão da cultura brasileira que o pânico bate forte. Além do receio de perder sua liberdade e privacidade, há a sombra da comparação.

— Queria não ter esse peso e espero que as pessoas não coloquem tanta expectativa em mim como fazem quando veem alguém seguindo os passos da família. Não quero me encaixar — afirma. — Só existe uma Marieta Severo, um Chico Buarque e um Carlinhos Brown. Clara Buarque também só tem uma, do jeito dela. Não tenho intenção de ser um grande nome. Quero ser feliz tendo e ter retorno com o que eu amo fazer. Para mim, isso é o sucesso.

Outra coisa que Clara não quer é ter que escolher apenas uma porta.

— Existe no Brasil a ideia de que ou você canta ou atua. Não pode fazer as duas coisas que sempre vai ter alguém te prefere assim ou assado. Sou um ponto de interseção, tenho um pouco de Salvador, do Rio, da negritude, uma mistura que dá para ver meu físico, na minha historia, nas minhas duas famílias.

O tempo de cada coisa ela parece saber esperar. Não deve ser muito difícil para quem carrega baianidade e os ensinamentos de uma discretíssima mãe como Helena, responsável por desacelerar e manter os pés da menina no chão.

Clara poderia gravar hoje um disco com canções que tem prontas — “Voltar à Bahia”, parceria com Francisco e José Gil, foi registrada pelos Gilsons. Mas ela prefere esperar o “tempo das coisas”.

— Sempre me perguntam: "Quando vai lançar seu álbum como cantora?". Respondo: "Vai acontecer". Para mim, não é só fazer, tem que sentir. Está tudo aqui dentro de mim, mas ainda estou experimentando o que a arte me proporciona. Tento não me cobrar tanto.

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