Cultura
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Por Mari Teixeira — Rio de Janeiro

Quando Victoria Baffini nasceu, em 2004, o filme “Meninas malvadas” estava sendo lançado, Avril Lavigne hitava com “My happy ending” e Paris Hilton era um ícone fashion com calças de cintura baixa, brilho e muito rosa. Dezoito anos depois, tudo isso voltou para a vida de Victória graças a um resgate dos anos 2000 e a incorporação completa de elementos daquela década pela geração Z (os nativos digitais, nascidos entre 1996 e 2010).

A estética está em tudo: na moda, nos cabelos, em maquiagens, acessórios, filmes e música — estudos mostram aumento pela procura por canções de catálogo, especialmente pela geração Z (leia mais na página ao lado). Até a câmera digital estilo Cybershot voltou a fazer sucesso. Só no TikTok, as hastags “y2k” (anos 2000) e “Y2KAesthetic” (estética anos 2000) somam 11,3 bilhões de visualizações. Victória acha que a internet e as redes sociais têm participação direta nesse processo.

— Acho que a minha geração acaba por roubar pequenas coisas de diferentes épocas para montar sua própria estética. Além disso, a gente perdeu algumas partes da adolescência com a entrada das redes sociais nas nossas vidas e essa volta para os anos 2000 vem da vontade de viver essa fase vista e admirada por nós em diversos filmes e séries que amamos — diz a estudante, citando como exemplos “Meninas malvadas”, “Diário de uma princesa”, “High School Musical” e “Uma sexta-feira muito louca”.

Para pesquisadores ouvidos pela reportagem, o movimento pode ser explicado por alguns motivos. O primeiro é o “ciclo dos 20 anos”, conceito muito usado na moda e no design que diz que, a cada 20 anos, tendências se repetem com uma nova roupagem. Depois, vem a sensação de nostalgia e descoberta e, por fim, a tentativa de fuga da realidade. A head de pesquisa no Grupo Consumoteca, Marina Roale, acredita que características da geração Z como ansiedade podem contribuir também para o resgate do passado.

— Esta é uma geração muito melancólica com muitas questões de saúde mental. Eles são poucos otimistas em relação ao mundo, ao futuro. Só que lidam com isso com deboche, então põem um glitter no rosto, no corpo, e estão coloridos por fora. E aí vem uma onda de anos 2000 que entrega tudo isso — diz Marina.

Gargantilha estilo anos 2000 — Foto: Reprodução
Gargantilha estilo anos 2000 — Foto: Reprodução

Pandemia e TikTok

O resgate de uma década não é exclusividade dos anos 2000 e muito menos foi inventado pela geração Z. A mudança talvez seja na forma como isso tem sido feito e a proporção que a tal estética ganhou. Pontos cruciais para entender o fenômeno são a pandemia e o TikTok, diz Adriana Amaral, coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Cultura Pop, Comunicação e Tecnologias (CultPop) da Unip. Enquanto o mundo estava em isolamento social, era necessária uma válvula de escape, o que levou à popularização da plataforma chinesa de vídeos curtos, que, por sua vez, passou a ditar o comportamento de grande parte dos jovens com as trends (quando um assunto se torna tão viral que vira uma tendência). Uma delas foram os anos 2000 e praticamente qualquer referência a eles: trechos de cenas de filmes, tutoriais de penteados de cabelo e maquiagem e músicas são exemplos. Bandas como Simple Plan e Paramore foram resgatadas e tiveram renovação de fãs graças ao TikTok.

— Quando uma hashtag tem bilhões de visualizações, quer dizer que aquele conteúdo deu certo. É uma reação em cadeia, vai chegando em cada vez mais pessoas, mais criadores vão usando esse conteúdo, e assim vai se espalhando pela plataforma. Não existe uma fórmula para tornar um conteúdo viral, somos uma plataforma extremamente democrática e o número de seguidores não dita o número de usuários que seu conteúdo vai atingir — diz o head de parcerias de conteúdo do TikTok Brasil, Ronaldo Marques.

Bombardeados então por conteúdo quase 24 horas por dia, com referências e possibilidades diversas, os nativos digitais entram em um conflito de identidade. O estudo “ Geração Ctrl Z”, realizado este ano pelo Consumoteca com jovens de Brasil, Argentina, México e Colômbia, mostrou que 58% dos entrevistados procuram sempre ser diferentes e autênticos.

Um dos pontos levantados por Marina Roale, portanto, é: como essa geração pode ser original se eles nasceram e foram inseridos em um contexto digital, onde tudo parece já ter sido criado? Aí que entra a busca por referências e adaptação delas para o momento atual. Logo, mesmo que os nativos digitais sintam, sim, uma nostalgia com relação ao passado, quando as coisas eram mais simples (afinal, a maioria deles era criança), o resgate de uma década, nesse caso, passa a ser uma descoberta, uma novidade, diferentemente do que acontece com os millennials (nascidos entre 1981 e 1995), que de fato viveram os anos 2000 e voltam a ele por saudade, opina Marina:

— Essa semana a Giovanna Ewbank deu uma festa de aniversário com o tema anos 2000. Quando ela faz uma festa dessa, com certeza é pela nostalgia, para matar a saudade da adolescência dela. E é interessante perceber que ela é millenial e boa parte dos convidados também era, e vendo as fotos dá para entender que eles estão usando roupas e elementos dos anos 2000 como fantasia e o Z não faz isso. Eles usam no dia a dia. Para eles não é fantasia, é uma estética que eles estão experimentando.

Os pesquisadores não conseguem precisar um momento-chave para que os anos 2000 tenham se tornado uma tendência, mas, na avaliação de Adriana Amaral, a nostalgia tem dois aspectos que se retroalimentam e fomentam esse comportamento:

— Ela tem essa questão subjetiva, mais psicológica, que esbarra nesse vazio e na ideia de que o passado era mais simples. Mas, por outro lado, o mercado entendeu que a nostalgia vende, principalmente as indústrias entretenimento. Uma coisa estimula a outra.

Penteado Bubble Hair — Foto: Reprodução
Penteado Bubble Hair — Foto: Reprodução

Novo disfarçado de antigo

Segundo o estudo “Geração Ctrl Z”, 53% dos jovens entrevistados dizem buscar as tais referências nas artes em geral e na música. A partir disso, então, Adriana Amaral, Marina Roale e o CEO da empresa de consultoria em branding LabOf, Bruno Bernardo, arriscam que produções como a série da HBO Euphoria, lançada em 2019 já mexendo com a estética dos anos 2000 em penteados, maquiagens e roupas das personagens, contribuíram para instigar a geração Z a experimentar o estilo.

— Essa linguagem dos anos 2000 já vinha sendo tratada como tendência de design. Então qualquer marca que respira um pouco disso já estava apta a começar a produzir algo nesse sentido. Não tem como fugir disso — opina Bruno, que aponta uma curiosidade no encontro entre épocas diferentes. —Um dos principais artifícios que as marcas estão usando para se aproximar desses jovens é através de vídeo, de motion design. É muito louco, porque a gente vê as marcas gravando em 8K, mas reproduzindo com filtros e efeitos para trazer uma linguagem do fim dos anos 1990 e começo dos 2000.

Barbie Ferreira como Kat em Euphoria — Foto: Divulgação
Barbie Ferreira como Kat em Euphoria — Foto: Divulgação

A música anda mais décadas para trás

O designer Renan Sanches, de 23 anos, incorporou os anos 2000 em sua vida de forma mais sutil. Em vez de adotar toda a estética, mantém as músicas da época por perto.

— Eu vivi a vida toda com contato com os anos 2000 porque tenho uma irmã seis anos mais velha que eu. Então cresci com referências dela na minha pré-adolescência. Ali em 2010, já tinha meu gosto próprio e mantive. Fico feliz que bandas como Paramore e o pop rock em geral estejam de volta à moda — diz Renan.

Dentro do comportamento atual de resgate da década retrasada, a busca pela música acaba indo ainda mais para trás. De acordo com o relatório global anual de tendências do Spotify, Culture Next, só no último ano 69% dos integrantes da Geração Z no Brasil afirmaram que gostam de ouvir e ver conteúdo de décadas passadas porque lembra um tempo em que as coisas eram mais simples. Além disso, um estudo feito pela Pro-Música mostra que no ano passado o consumo de catálogo cresceu 161%, enquanto o de lançamentos avançou só 67%.

Exemplos não faltam. Abba, Fleetwood Mac, Celine Dion e Bee Gees são alguns nomes que viralizaram em redes sociais e acabaram no topo dos charts, batendo recordes.

Diante desses resultados, o Spotify lançou um projeto que faz regravações de canções de Milton Nascimento, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Paulinho da Viola — todos completando 80 anos em 2022. Entre os convidados para a homenagem estão Ludmilla, Djonga, Pabllo Vittar, Linn da Quebrada, Mari Fernandez, Marina Sena, Emicida e Criolo.

— A gente discute catálogo cada vez mais no nosso dia a dia de negócio. Vimos isso crescer muito na pandemia e, hoje, 25% dos streams de catálogo são virais — diz Carolina Alzuguir, líder de parceria com artistas e gravadoras no Spotify no Brasil.

Catálogo em alta

Ao encontro dessa tendência de comportamento vai também um estudo feito pela Som Livre, mostrando que a busca por músicas de catálogo (para a gravadora, canções lançadas há mais de 42 meses) cresceu cerca de 30% em 2022. Dentro dessa estatística, um número chamou a atenção da gravadora: a busca pelos Novos Baianos chegou a crescer 35%.

Aproveitando a popularidade e o aniversário de 50 anos de um dos álbuns mais emblemáticos da banda e da MPB , “Acabou Chorare”, a Som Livre criou a campanha (Re) Descubra, com ações que impulsionam ainda mais as músicas de catálogo.

— Acho que vai além de um sentimento de nostalgia. É um comportamento como um todo que tem a ver com essas plataformas de vídeos curtos. As pessoas querem gerar conteúdo, e saber a música atual, todo mundo sabe, é mais do mesmo. Como é que você se diferencia em relação aos outros? Quando você sabe mais, cria tendências e se tora mais interessante — opina Daniela Barcellos, gerente comercial Digital da Som Livre.

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