Cultura
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Por Bolívar Torres

Quando o parisiense Marcel Proust morreu, no dia 18 de novembro de 1922, aos 51 anos, esgotado por problemas pulmonares, já havia sido consagrado cavaleiro pela Legião de Honra e vencido o Goncourt, principal prêmio de seu país. No Brasil, porém, a difusão de seu trabalho engatinhava. Tanto que a primeira tradução para o português de “Para o lado de Swann” (em algumas versões, “No caminho de Swann”), volume que inaugura a sua obra seminal, "À procura do tempo perdido", só aconteceu em 1948. Até então, ter acesso aos sete livros da saga era privilégio de poucos por aqui: só havia edições importadas e era mandatório o domínio do francês.

No momento em que os 100 anos da partida do autor são lembrados, o cenário é bem diferente. Proust se tornou um dos autores estrangeiros mais conhecidos e estudados no país. Uma nova tradução de "À procura do tempo perdido" , assinada por Mario Sergio Conti e Rosa Freire d’Aguiar e editada pela Companhia das Letras, chega às livrarias em dezembro, assim como diversas publicações que comprovam o interesse brasileiro pelo francês. Há desde obras de ficção inspiradas em sua vida, como “O último romance de Proust” (Ibis Libris), de Claudio Aguiar, a sólidos ensaios sobre o universo estético do escritor, como “Proust e as artes” (Todavia), escrito por Roberto Machado, um dos maiores especialistas no tema.

— O interesse mundial por ele é tão grande que existe até uma indústria nitidamente fetichista e comercial para o Proust — diz Mario Sergio Conti, citando lançamentos extraliterários, como um livro sobre as viagens do escritor editado nos anos 1990 pela grife Louis Vuitton. — Mesmo quem não leu Proust o conhece, porque existe uma aura em torno dele. Os sete volumes de "À procura do tempo perdido" exigem atenção, tempo e dedicação. Tudo que não temos hoje.

Quadrinhos e receitas

Na era dos tuítes de 180 caracteres, as longas frases de Proust podem assustar. Assim como uma narrativa de três mil páginas, cujas tramas espalhadas ao longo do caminho não parecem muito palpitantes quando resumidas a uma mera sinopse. Por outro lado, hoje abundam, na França e no mundo, estudos e comentários críticos que contextualizam essa obra difícil (até adaptações em quadrinhos e livros de receitas com comidas do livro já foram produzidas). Sem internet e num mundo pré-globalização, os tradutores brasileiros dos anos 1940 não tiveram acesso a esse tipo de recurso.

Financiada pela editora da extinta Livraria do Globo, de Porto Alegre, a primeira empreitada reuniu um time de peso formado por Mário Quintana, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Ainda assim, há equívocos. Conti lembra de um “mármore de Siena” que virou um “mármore de Viena”, provavelmente por conta de uma gralha (um erro tipográfico, que nas edições seguintes não foi corrigido). E o pesquisador francês Étienne Sauthier, que assina um dos prefácios da nova versão, conta que Quintana traduziu o “loge” (camarim) da Ópera de Paris por “aquário”.

— A tradução da Editora Globo é uma boa tradução, dentro do que era possível na época — avalia Sauthier, autor de “Proust sous les tropiques”, livro que contextualiza a difusão de Proust no Brasil até os anos 1960.

Manuscrito de "Em busca do tempo perdido", com a última frase do livro. Item exposto na mostra "MarcelPproust, la fabrique de l'oeuvre" — Foto: Divulgação
Manuscrito de "Em busca do tempo perdido", com a última frase do livro. Item exposto na mostra "MarcelPproust, la fabrique de l'oeuvre" — Foto: Divulgação

Esperada desde 2012, a nova tradução será somente a terceira da saga feita no Brasil (há ainda uma do poeta Fernando Py, lançada nos anos 1990). Os dois primeiros volumes, “Para o lado de Swann” e “À sombra das moças em flor” chegam dia 7.

Como mostra Sauthier em seu livro, a popularização do autor por aqui é cheia de casos curiosos. O texto de Proust foi visto como direitista por alguns dos seus primeiros intérpretes brasileiros, como Alceu Amoroso Lima. Outros se enxergaram nele dentro do contexto regionalista, como Jorge de Lima.

O poeta alagoano, aliás, descobriu a obra por intermédio do dândi Henri Rochat, ex-amante e ex-secretário do escritor francês. Para se livrar de sua presença, Proust conseguiu para ele um emprego em um banco de Recife. Ao sair da cidade às pressas, anos depois, Rochat deixou alguns exemplares assinados pelo ex-chefe, assim como diversas fotos dos dois. Uma dessas edições acabou nas mãos de Lima, que em seguida as repassou a José Lins do Rego. O paradeiro atual dos livros e das fotos é incerto.

Exposição e grupos de estudo

Desde os anos 1970, quando soube da história por intermédio do jornalista Tadeu Rocha, amigo de Jorge de Lima, o escritor Claudio Aguiar busca localizar esses documentos deixados por Henri Rochat. Ainda não conseguiu, mas pelo menos o mistério lhe rendeu uma obra de ficção. No recém-lançado “O último romance de Proust”, ele acrescenta um pouco mais de pimenta à história: não apenas haveria edições e fotos de Proust no Brasil, como também um romance inédito (o derradeiro do autor), em posse de um latinista radicado em Olinda. Na trama, situada em 1972, um contrabandista de obras de arte inglês envia à cidade pernambucana três auxiliares com a missão de roubar o manuscrito.

— A história real dos originais de Proust é cheia de reviravoltas — lembra Aguiar. — O seu primeiro romance, “Jean Santeuil”, ficou 30 anos escondido após sua morte e só foi publicado em 1952. Isso também me inspirou.

Durante a primeira metade do século XX, antes das traduções, os familiarizados com “Em busca do tempo perdido” formavam uma elite tão seleta que chegou-se a criar um Proust-Club do Brasil. Entre seus membros, havia notáveis como Álvaro Lins e Saldanha Coelho. Até autores consagrados, como Rachel de Queiroz, se mostravam intimidados com o distinto grupo. “Não apresento candidatura formal com medo de ser rifada”, escreveu a cearense, em uma crônica de 1949.

Pintura e música

Hoje, associações dedicadas ao mestre ainda existem no país, mas são muito mais democráticas. Diversos grupos do gênero podem ser encontrados na internet. Um dos maiores proustianos brasileiros, o filósofo e ex-professor da UFRJ Roberto Machado, morto em 2021, passou dez anos escrevendo o recém-lançado “Proust e as artes”, reunião de ensaios baseados em grande parte no grupo de estudo que manteve sobre o autor. Os textos investigam como o universo estético de seu tempo, em especial a pintura e a música, influenciaram Proust na criação de sua obra-prima.

Editor do livro, Pedro Süssekind fez parte do tal grupo. Na primeira vez em que foi convidado, outros integrantes, como Bruno Lara Resende e Ovídio de Abreu, já estavam com a leitura avançada no quinto volume. Três meses depois, novo convite, desta vez aceito: Roberto Machado e os demais haviam recém-terminado a saga e se dispunham a retomá-la desde o início. Essa circularidade, aliás, remete ao próprio Proust. No último volume da saga, ao perceber que só a memória involuntária permite ressuscitar o passado, o protagonista decide enfim escrever a sua obra, voltando ao ponto de partida.

— Os leitores de Proust estão sempre relendo Proust — observa Süssekind. — “Em busca do tempo perdido” é curioso neste sentido: o protagonista passa todos os romances se perguntando se vai ou não começar o seu livro. Quando descobre a sua vocação, a leitura já chegou ao fim.

Em cartaz desde o mês passado na Biblioteca Nacional da França (BnF), em Paris, a exposição “Marcel Proust: La Fabrique de l’oeuvre” permite, como o seu nome em francês indica, um mergulho na fabricação de “Em busca do tempo perdido”. Pinturas, roupas de época e documentos descobertos recentemente, como um bloco de notas usado em 1909 e 1913, ajudam a contextualizar o universo de Proust. A mostra traz, também, a maior reunião de manuscritos e rascunhos do escritor. Da primeira à última frase, um raio-x do estilo único do gênio.

— O método de Marcel Proust consiste, em um primeiro momento, de sequências de texto isoladas e passagens separadas, que ele vai concluir em um segundo momento para organizar a narrativa — diz Guillaume Fau, chefe do setor de manuscritos modernos da BnF e um dos curadores da mostra. — Os manuscritos reconstituem todas as etapas cronológicas da elaboração do texto e revelam vários tipos de operações intelectuais próprias da criação proustiana, como as supressões, os deslocamentos e o corta-cola.

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