Antes mesmo da abertura para o público, ontem, a Art Basel Miami já acumulava números significativos de vendas, como os US$ 7 milhões alcançados por uma tela de Agnes Martin, uma pintura em lona de Keith Haring de 1981 vendida por US$ 4,5 milhões, ou os US$ 3,8 milhões da compra de “Flowers” (1964), de Andy Warhol.
Enquanto cifras se acumulam, como não poderia ser diferente numa feira comercial, outros valores chamam a atenção entre as 289 galerias participantes da 20ª edição do evento, o maior do gênero nas Américas. Temas relacionados a diversidade, povos originários, realidade pós-pandêmica ou direitos suprimidos, como a revisão do aborto pela Suprema Corte dos EUA, ganham destaque em estandes.
Curadora do programa Meridians pelo terceiro ano, Magalí Arriola diz que as obras selecionadas não fogem do caráter comercial da feira, uma vez que estão inseridas no circuito de arte mundial, mas o conjunto propõe abordagens que seriam mais difíceis de ser concretizadas separadamente pelas galerias. Visões artísticas sobre o corpo se complementam, seja na performance da colombiana María José Arjona, que passa períodos de três horas por dia suspensa numa cadeira levantada por cabos; seja na instalação “Achados e perdidos”, do brasileiro Jonathas de Andrade, na qual sungas achadas em piscinas públicas do Recife vestem esculturas de barro de torsos masculinos; ou na monumental tela de crochê de “Birth” (1984), da americana Judy Chicago.
Sócio da Gentil Carioca e membro do conselho da Art Basel, Marcio Botner crê que tanto a feira quanto as galerias acompanharam uma produção que cresceu substancialmente nos últimos anos, evidenciando diálogos entre o Sul Global e maior representação de galerias africanas. No estande, destacam-se artistas que relacionam estes temas com a realidade brasileira, como Arjan Martins, Denilson Baniwa ou Maxwell Alexandre.
— Ano passado, já havia uma boa presença de galerias do continente africano, e este ano isso está mais forte. São várias, da África do Sul, de Uganda, da Nigéria, que vemos pelos corredores. Não por acaso, dividimos nosso estande este ano com a (sul-africana) Goodman Gallery — ressalta Botner.
Um dos estandes a trazer essa representatividade local é o da K.Art, de Buffalo (NY), que se apresenta como a única galeria totalmente focada na produção contemporânea de artistas nativos americanos.
Para o colecionador brasileiro Ademar Britto, também chama a atenção o destaque da produção de artistas negros americanos dos anos 50 e 60.
— Não era comum há alguns anos, o que mostra que pode haver uma demanda por essa produção histórica. Dos brasileiros, foi bom ver trabalhos de Emanoel Araújo, Abdias Nascimento, Rubem Valentim bem representados — pontua Britto.
Relacionar muitas das questões em evidência foi a proposta do mineiro Paulo Nazareth, representado na feira pela Mendes Wood DM e pela alemã Meyer Riegger. Neste último estande, ele traz duas obras: uma melancia, fruta de origem africana, rachada no chão, e uma intervenção na histórica foto “As costas açoitadas”, publicada em 1863 pelo jornal The Independent.
— Trabalhei muito tempo em feira livre, então de certa forma também venho nesta feira oferecer meu trabalho, criar formas de espantar a morte com a arte — diz.