Cultura
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Por Bolívar Torres — Rio de Janeiro

Ano novo, vida nova. Numa época prolífica para promessas, metas e resoluções, muitos acabam recorrendo a práticas de autoajuda e outras fórmulas prontas de sucesso. Mas, para quem anda sufocado pela pressão por mudanças, há um filão editorial que vai na contramão do chamado “desenvolvimento pessoal”. São obras que poderiam, com certa dose de humor, ser chamadas de “antimotivacionais”: em vez de trazer lições para alcançar objetivos, se propõem a repensar a cultura de aperfeiçoamento permanente.

Baseado em um perfil homônimo com 700 mil seguidores no Instagram, o livro “Coach de fracassos” (BestSeller), do anti-influencer Julio Peixoto, defende a normalização da derrota com bordões como “jamais deixe de desistir” e “quando te falarem que não vai dar certo, acredite”.

Já “Positividade tóxica” (BestSeller), do psicólogo Svend Brinkmann, questiona as buscas obsessivas por um “novo Eu”. E “Quatro mil semanas” (Objetiva), do jornalista Oliver Burkeman, culpa falácias sobre produtividade pela disseminação do burnout na sociedade. O mesmo Burkeman já havia lançado no Brasil um livro com cujo título, “Manual antiautoajuda” (Paralela), parece sintetizar esse filão.

— Existe uma onda de positividade que deixa as pessoas vulneráveis ao charlatanismo — diz Julio Peixoto. — Fiz o perfil para tirar a onda com aquele estilo de coach que propõe soluções simples para problemas complexos, do tipo “mude de vida em dez passos”. Isso faz as pessoas não aceitarem nos seus erros. No livro, proponho uma humanização do fracasso. Antes de vencer, temos que aprender a perder, a lidar com o erro.

Sem emprego, com crossfit

O 2022 do próprio Peixoto ilustra o grande perde-ganha da vida. Em um ano “cheio de umas coisas meio coisadas”, como ele mesmo define, foi para a UTI por conta de uma trombose quase fatal e se surpreendeu com uma demissão via telegrama... Mas também voltou para o doutorado, começou crossfit e lançou seu primeiro livro.

— Tenho um amigo que passou oito anos tentando entrar em Medicina e hoje é um dos melhores programadores que conheço — conta Peixoto. — E veja quanto tempo ele perdeu insistindo em algo que não era para ele!

Os autores citados acreditam em um ponto em comum: que a sociedade capitalista transformou a desistência — e até mesmo a acomodação — em um pecado imperdoável. Seus livros pretendem lançar bases para mudar essa ideia. Burkeman, por exemplo, vive incentivando a imperfeição. Em “Quatro mil semanas”, ele promove uma gestão do tempo “para mortais”. E nos conscientiza sobre a nossa própria limitação. O autor britânico garante que, sim, está tudo certo se não conseguirmos fazer tudo (seguindo essa ideia, aliás, não encontrou tempo para dar entrevista).

A cultura do autodesenvolvimento nos tornou seres permanentemente insatisfeitos, afirma Svend Brinkmann. Segundo ele, a vida contemporânea nos levou a acreditar que só ficaremos bem se abraçarmos uma dinâmica de progresso infinito. Não importa o quão perfeito tenha sido o nosso 2022 — no próximo ano, teremos que fazer ainda melhor.

“Nunca somos bons o suficiente e só temos a nós mesmos para culpar”, disse o dinamarquês na palestra “Resisting the self-improvement craze” (resistindo à mania do autoaperfeiçoamento, em tradução livre), disponível no YouTube.

Isso não significa, claro, que tenhamos que necessariamente viver sem objetivos e metas. Em seu perfil @habitosquemudam no Instagram, a influenciadora Larissa Rodrigues propõe trocar cronogramas engessados por uma rotina criativa, leve e descomplicada. O foco é a qualidade de vida, não as metas ilusórias.

— Hoje nos é imposto um ritmo impossível de ser atingido, e assim se cria uma insatisfação para vender métodos e fórmulas — diz Rodrigues, autora do livro “Rotina criativa e hábitos que mudam” (Galera). — Quando as pessoas ficam reféns de métodos e passo a passo, acabam não entendendo o que de fato funciona para elas.

Mentores duvidosos

A multiplicação de mentores duvidosos que exploram desesperos por autoaperfeiçoamento é um prato cheio para a sátira, como mostra o romance “As vantagens de ser você”, da escritora e roteirista Ray Tavares. Na trama, uma jovem frustrada pelo desemprego e pela solteirice ingressa no retiro de Tony Diniz, uma mistura de coach com guia espiritual fictício (mas baseado em muitas figuras reais que já surgiram).

No retiro, a personagem vai aprender a “mentalizar os seus sonhos” e se familiarizar com expressões como “transformar o seu mindset” e “emanar ondas da felicidade”. Ray se inspirou em vídeos reais de cursos de coach com pessoas batendo no peito e gritando “sou foda” (o livro, por sinal, também parodia a onda de títulos de autoajuda na linha “seja foda”, surgida de 2017 para cá).

Durante o processo de escrita, ela chegou a temer que seu Tony Diniz poderia soar caricato demais. Mas, em janeiro de 2022, quando viu a notícia do coach que havia se perdido com 32 de seus seguidores no Pico dos Marins, em São Paulo, concluiu que a realidade era ainda mais assustadora do que a ficção.

— Existe uma ideia geral de que esse tipo de pseudociência é, na pior das hipóteses, inofensivo — diz Ray. — É uma normalização perigosa, porque permite a muita coisa esdrúxula se alastrar, como terapias alternativas.

Os livros

"Rotina criativa e hábitos que mudam". Autora: Larissa Rodrigues. Editora: Galera Record. Páginas: 120. Preço: R$ 55,17.

"As vantagens de ser você". Autora: Ray Tavares. Editora: Galera Record. Páginas: 350. Preço: R$ 46,67.

"Positividade tóxica". Autor: Svend Brinkmann. Editora: Best Seller. Páginas: 160. Preço: R$ 39,90.

"Quatro mil semanas: gestão de tempo para mortais". Autor: Oliver Burkeman. Editora: Objetiva. Páginas: 208. Preço: R$ 63,67.

"Coach de fracassos’". Autor: Julio Peixoto. Editora: Best Seller. Páginas: 322. Preço: R$ 49,90.

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