Cultura
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Por Ana Lúcia Azevedo

Faz dois séculos este ano que uma exuberante flor vermelha da Mata Atlântica, hoje em extinção, tornou-se um símbolo das maravilhas de um Brasil que começava a se revelar aos olhos do mundo. Em 1823, essa malva baiana ganhou o nome científico de Goethea cauliflora. Pouca gente viu essa rara flor, e menos numerosos ainda são os que conhecem a história de amor de um dos gênios da literatura com o Brasil que ela materializa.

A flor teve por padrinhos dois dos maiores nomes da história da botânica: Carl von Martius (1794-1868, autor da monumental “Flora Brasiliensis”) e Nees von Esenbeck (1776-1858). E homenageava Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), considerado o maior escritor de língua alemã e um dos mais influentes intelectuais de seu tempo. Na verdade, Goethe deu nome a todo um gênero de flores brasileiras, as Goetheas.

’Goethea cauliflora’: uma das plantas brasileiras batizadas com o nome do escritor alemão — Foto: Divulgação/ PAPENFUSS Atelier für Gestaltung
’Goethea cauliflora’: uma das plantas brasileiras batizadas com o nome do escritor alemão — Foto: Divulgação/ PAPENFUSS Atelier für Gestaltung

A homenagem tinha raízes profundas. Goethe era fascinado pelo Brasil. Uma paixão que propagou o interesse sobre o país nas elites culturais da Europa e plantou a imagem do Brasil como símbolo tropical por excelência.

O caso de amor à distância do autor do “Fausto” é revelado em detalhes no livro “Viagem de Goethe ao Brasil”, do alemão Sylk Schneider (Nave Editora), resultado de dez anos de pesquisas. A obra traz gravuras, documentos e desenhos inéditos. E abre uma nova perspectiva sobre as relações entre o Brasil e a Europa no início do século XIX.

Amor platônico

O subtítulo “Uma jornada imaginária” se explica: o amor era platônico. Goethe jamais esteve no Brasil. Ele já passava dos 60 anos quando começou a se interessar pelo país — e eram longas e penosas as travessias transatlânticas.

Porém, lá da pequena cidade onde vivia, Weimar, nutria seu romance brasileiro com relatos em primeira mão de gente como o próprio Von Martius, o naturalista que percorreu mais de dez mil quilômetros no Brasil. Outros eram Wilhelm Ludwig von Eschwege, pioneiro da geologia por aqui, e os naturalistas Maximilian de Wied e Johann Emanuel Pohl. Todos haviam realizados expedições pioneiras ao país e explorado territórios remotos e desconhecidos.

Schneider revela que foi por acaso que tomou conhecimento sobre o fascínio de Goethe pelo Brasil. Durante o tempo em que estudou na Universidade Federal de Pernambuco, teve contato com muitos dos relatos de viagem dos naturalistas europeus no Brasil do século XIX e chamou a atenção o número de referências recorrentes a Goethe.

— Quando voltei a Weimar e comecei a me aprofundar nas pesquisas, descobri uma faceta totalmente nova de Goethe. Fiquei encantado — diz o alemão.

Goethe reuniu uma notável coleção de documentos, cartas, pranchas botânicas, peças etnográficas, mapas e livros. Schneider, que continua suas pesquisas, já descobriu mais de 300 citações ao Brasil em cartas e diários do autor.

Em obras publicadas por Goethe, o país está apenas em sua autobiografia e na resenha do “Historia naturalis palmarum”, livro de Von Martius dedicado às palmeiras — sim, Goethe estudava botânica, além de geologia e zoologia.

Mas há um sinal da importância que Goethe dava ao Brasil: nenhuma cidade de língua alemã publicou mais sobre o país do que Weimar no seu tempo. Para Schneider, o interesse dele sobre o país se refletia no mercado editorial local.

— É impressionante uma cidade pequena como Weimar publicar mais do que as metrópoles da época, como Viena, Berlim, Frankfurt ou Munique — destaca Schneider.

Autor do prefácio, o professor de línguas e literaturas estrangeiras Berthold Zilly, conta que Guimarães Rosa certa vez disse ao ensaísta alemão Gunther W. Lorenz que “Goethe não escrevia para o dia, mas para o infinito. Era um sertanejo”.

Rosa aludia ao fato de Goethe se interessar pelo estudo da variedade de paisagens e de culturas, explica Zilly, sócio-correspondente da Academia Brasileira de Letras, tradutor de Euclides da Cunha e Machado de Assis para o alemão e que se dedica no momento à tradução de “Grande Sertão: Veredas”.

Como Rosa e Martius, Goethe era apaixonado por palmeiras brasileiras, sobretudo o buriti, resiliente e generoso em seus frutos. Adorava a elegância de formas das espécies de palmeiras. Em sua biblioteca, Goethe guardava com carinho as pranchas das espécies de palmeiras identificadas por Martius.

— O maior interesse de Goethe no Brasil era pela botânica, mas ele se deslumbrou com a variedade de paisagens, de diversidade de fauna e de geologia. E também de culturas. Se interessou pelo artesanato, pela arte e pela variedade de tipos físicos. Vislumbrou no Brasil possibilidades infinitas de descobertas. Viu, por exemplo, um enorme potencial em plantas medicinais — frisa Zilly.

Uma referência

Schneider acrescenta que Goethe era o centro de um dos círculos intelectuais mais importantes de sua época. Suas ideias influenciavam outros nomes que ajudaram a forjar o imaginário do século XIX e conceitos que sobreviveram à passagem dos séculos, para o bem e para o mal.

— O entusiasmo de Goethe e dos naturalistas do século XIX com a diversidade botânica influenciou as artes e a literatura e desembocou na utopia do Brasil, país do futuro do escritor austríaco exilado Stefan Zweig — afirma Kristina Michahelles, tradutora de alemão e diretora da Casa Stefan Zweig em Petrópolis.

Para ela, o fascínio de Goethe e seus contemporâneos gerou uma fantasia que mascarou o olhar para a finitude dos recursos e a escassez. Schneider e Zilly observam que a influência de Goethe certamente ajudou a firmar a imagem do Brasil como o país tropical por excelência.

— Isso pode ter desembocado na ideia do país do futuro. É uma hipótese. É impossível medir o quanto ele ajudou a forjar a visão europeia sobre o Brasil, que se abria ao mundo no século XIX. Mas sem dúvida ele era ouvido com atenção — enfatiza Zilly.

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