Que o carnaval é inspirador ninguém pode negar. A festa mais profana do Brasil sempre alimentou o imaginário de artistas do país e dos mais variados cantos do mundo, que a cada ano contribuem para turbinar uma já imensa produção cultural que bebe na fonte da folia.
A prova mais recente de como o carnaval joga purpurina na criatividade dos criadores é a quantidade de lançamentos de projetos, músicas e eventos culturais que pipocam por aí neste período. O GLOBO preparou uma lista com novas canções, filmes, exposições, livro e até intervenção artística para reaproveitar ou deixar a fantasia mais contemporânea. Veja abaixo:
"Da Avenida à Harmonia: mais de um século de carnaval no Centro do Rio de Janeiro". A mostra que abriu no sábado passado, no Centro Cultural Inclusartiz (Rua Sacadura Cabral, 333, Gamboa), apresenta registros históricos e trabalhos contemporâneos que evidenciam as diversas manifestações do carnaval carioca. Com curadoria de Victor Gorgulho, a coletiva mistura obras de artistas consagrados como Carlos Vergara - que preparou um recorte de sua icônica série "Carnaval", com imagens sobre o bloco Cacique de Ramos registradas nos anos mais duros da ditadura militar -, com nomes quentes da cena atual. É o caso de do fotógrafo Lucas Bori, que tem se embrenhado na multidão para fazer registros autorais do fervo. Há ainda a artista Laura Lima e o fotógrafo francês Vincent Rosenblatt, além de registros históricos pescados de arquivos da cidade. “A partir de uma ampla janela temporal, que se propõe a dar conta de cerca de um século de história do carnaval de rua e de Avenida do Rio de Janeiro, a mostra busca traçar uma cartografia histórica mas, sobretudo, afetiva dessa que é uma das maiores e mais importantes festas populares de todo o mundo”, conta Gorgulho.
Capivara do Brasil. A marchinha de carnaval, lançada pela gravadora Biscoito Fino no último dia 10, é uma parceria do cantor e compositor Pedro Miranda com o poeta Chacal. Com arranjo e violão do fera Luís Filipe de Lima, a gravação contou com um timaço de músicos, que inclui Pedro Sá (guitarra), Kassin (baixo) e Domenico Lancellotti (bateria). A sonoridade é de um power trio de rock, que evoca ao mesmo tempo o carnaval e suas tradições, e a atmosfera transgressora das noites do Cep 20.000, lideradas por Chacal nos anos 1990. A canção traz ainda o coro fofo dos filhos de Pedro. "O Chacal começou a frequentar os ensaios abertos que faço no Parque da Cidade e eu logo o chamei para recitar as poesias dele no microfone. Ele, que tinha acabado de lançar o livro 'Brotou Capivara', escreveu coisas lindas sobre os domingos no parque. Depois me mandou um poema e veio essa marchinha. Descobri que há os aficionados por capivara, um bicho que se adapta a qualquer ambiente e insiste em viver nessa cidade, que a gente chama de maravilhosa, apesar das mazelas. Há essa identificação filosófica com ela...", brinca Pedro. O single é o primeiro que vai integrar o álbum "Atlântica senhora", que sai no fim do ano.
Suvaco e Santa Marta: junto e misturado. No documentário de 15 minutos, produzido por jovens estudantes de cinema das favelas do Santa Marta e do Vidigal, integrantes da comunidade de Botafogo falam sobre sua relação com o famoso bloco carnavalesco, que há 35 anos toma as ruas do Jardim Botânico na folia. O filme começa com baianas dançando ao lado da estátua do cantor Michael Jackson, cravada no alto do morro. Ele segue numa roda de conversa que gira em torno de como começou a relação entre os moradores do Santa Marta, que há mais de três décadas formam o núcleo da bateria do Suvaco, com a rapaziada privilegiada da Zona Sul que criou o Suvaco. "Eles contam como a gente se conhececeu, sobre o que pensam do nome do bloco... As baianas também participam. Em 2000, fizemos uma ala para elas, que chamo de as mães do morro, para homenagear essas mulheres incríveis do Santa Marta. Com a criação da Ong Divinas Axilas, na Rua da Matriz, perto do morro, essa nossa relação se estreitou ainda mais", conta João Avelleira, presidente do bloco desde sua fundação. O doc está previsto para ser lançado em março, junto com o canal do Suvaco no Youtube.
Abre Alas. O carnaval serve de mote para a arte na galeria A Gentil Carioca (Rua Gonçalves Ledo, 17, Centro). O espaço escolheu o nome que remete ao carro inaugural dos desfiles das escolas de samba para batizar a mostra que não só dá o start em seu calendário de exposições anual, como apresenta novos nomes da arte. Após inaugurar a Abre Alas 18 em São Paulo no último dia 9, e promover um desfile carnavalesco na encruzilhada que fica na frente ao espaço para marcar ao lançamento carioca, no sábado passado, a galeria convida os visitantes a conhecerem obras de 29 artistas. "Estamos saindo de um longo inverno, de suspensão de direitos, de ataques ao estado democrático e ao patrimônio cultural, de reacionarismo, para a chegada de um verão. O relaxamento do corpo, o anseio pela catarse e a transformação do espaço público em uma grande arena de lazer em 2023, ganham um outro significado e importância: o prazer não é mais escape, é uma condição vital. Chegou a hora de colher os frutos, se despir dos anseios e vestir as mais vivas fantasias. Pular carnaval como quem atravessou tempestades e rachou os lábios em um inverno gélido", diz o texto do convite da mostra, que tem curadoria de Bruna Costa, Lia Letícia e Vivian Caccuri.
Livro da Orquestra Voadora. O saxofonista André Ramos, de 41 anos, está escrevendo sua tese de mestrado em Música, na UFRJ, sobre a Orquestra Voadora, uma das fanfarras mais charmosas da cidade do Rio. O material, que está em fase de finalização, será publicado em forma de livro. Como é um mestrado prático, além da tese, sairá um caderno de atividades sobre a metodologia de ensino da oficina, contando a história da banda e do bloco, além de abordar aspectos das fanfarras no Brasil e no mundo. "Esse livro tenta mostrar um poucos das raízes da música que fazemos no carnaval do Rio e na cena das novas fanfarras. A gente circula por lugares em que viveram gigantes como Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga, que impactaram profundamente a nossa música. Estamos ligados a uma tradição muito forte e à tradição secular do carnaval. É preciso conhecer e dar o devido valor à nossa história", defende André, integrante da Voadora. "O livro é um registro importante da história da Orquestra Voadora também. Tem um enfoque na nossa oficina, na metodologia que desenvolvemos. Além disso, traz uma mostra da nossa produção artística, principalmente no período da pandemia", encerra. O desfile do bloco será na terça-feira de carnaval, 14h, no Aterro do Flamengo.
Memórias de uma odisseia carnavalesca. Dirigido pelo ator e produtor Pedro Monteiro, o curta-metragem é um documentário histórico sobre o bloco "Meu bem volto já", que teve seu primeiro desfile em 1995. "O meu desejo com esse filme é apresentar para quem não conhece esse bloco do Leme, as suas características que diferenciam de outros blocos da geração dele como o 'Bloco de segunda', 'Barbas', 'Simpatia'...", cita Pedro para, em seguida, dar exemplos: "É um bloco de bairro, o mais tradicional do Leme. Apresenta sambas que entoam sua visão sobre fatos políticos, econômicos e sociais. Tem alas das baianas, mestre-sala e porta-bandeira, mestre de bateria, mas nada marcial, e sim com leveza, como manda a rua. Tem os bares do Leme, como Bar 30, Bar Gatão, Taberna do Leme, como escritórios. E o desejo de ser diferente dos mega ou grandes blocos". O filme foi lançado oficialmente dias atrás, em uma noite na Casabloco, e está disponível no Youtube. O Meu Bem Volto Já sai na terça de carnaval, 14h, da Av. Princesa Isabel.
Mais laço de fita que pulseira vip. "Martelo alagoano", música que é tema do desfile deste ano do bloco Bangalafumenga (domingo de carnaval, 8h30, no Aterro do Flamengo), capitaneado pelo cantor e compositor Rodrigo Maranhão, será lançada nas plataformas digitais cerca de um mês após o carnaval. Diz assim: "Sou mais laço de fita que pulseira vip/ Eu sou da bateria, meu irmão/ Sou mais você e eu/ Mais força que fossa/ Mais samba que bossa/ E os pés no chão/ Marciano/ Martelo alagoano/ Inventando o carnaval". "Vamos tocar jongo com poesia para abrir os caminhos do desfile, antes do ponto de abertura do Banga. Para preparar o terreno para o bloco passar. E para lembrar de onde nós viemos e para onde queremos ir", afirma Rodrigo. "Escolhemos essa por ser uma música diferente. É um jongo psicodélico, que mistura poesia com loucura. É aquela vontade de surpreender o público com algo diferente, que é a vocação do Banga para mim", define. Ano passado, o bloco lançou outras músicas autorais, que também falam da folia e do batuque promovido pelo Banga. "Funk dos orixás", "Sempre tem céu azul", "Maracatu embolado" e "Batuqueira" são algumas delas, disponíveis no Spotify.
Barracão da Hilde. A artista plástica Hildebranda abre seu ateliê, na Escadaria Selarón, na Lapa, para quem quiser criar ou reinventar fantasias carnavalescas nesta quarta-feira (15). A partir de peças lisas levadas pelas foliãs e foliões, Hilde faz intervenções artísticas em serigrafia e disponibiliza brilhos, paetês e demais adereços para o público incrementar o look. "Unindo minha paixão pelo carnaval com meu trabalho de artes visuais, montei o barracão. O objetivo da ação é criar fantasias que tragam poesia, reflexões e questionamentos para a nossa festa. Gerar um movimento coletivo com menos consumo, mais arte e mão na massa", diz a artista que, para a empreitada, convidou a estilista Amada Mujica e a artista e articuladora do carnaval de rua Dani Barbosa. Hilde também confecciona bandeiras vestíveis, que levam frases como "Afeto é safadeza", "Mulher da vida", "Ela é um elo", pintadas à mão, em tule. As obras podem ser usadas como capa, saia, saia, lenço de cabeça e, de quebra, podem ser penduradas na parede depois da festa. Hilde também está fazendo intervenções em muros da cidade durante os blocos, com as frases que pensou para este carnaval.