Era assim que Oscar Niemeyer (1907-2012) mandava para o lixo boa parte de seus croquis nos últimos anos de sua vida, segundo relata seu bisneto, Paulo Sérgio Niemeyer: “Pode jogar fora, Paulo, está uma merda”. Muitos destes desenhos, no entanto, foram resgatados por Paulo Sérgio e compõem seu acervo pessoal, repleto de itens relacionados à vida e à obra do arquiteto. Amanhã, parte deste catálogo estará ao alcance do público português na exposição “Oscar Niemeyer, 115 anos da curva infinita”, que ocupa o Hotel Pestana Casino Park, na Ilha da Madeira, até 4 de abril.
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É emblemático que o Casino Park abrigue a mostra. Cravado no alto de uma falésia, com vista para Porto do Funchal, o complexo que inclui hotel, casino e um centro de convenções é a única obra de Niemeyer em Portugal. O projeto é de 1966.
A mostra, que comemora 115 anos de nascimento do arquiteto, inclui croquis — incluindo um do próprio hotel — plantas, maquetes, mobiliário, fotografias, vídeos, livros, cartas, objetos pessoais e desenhos originais, totalizando cerca de cem itens, muitos deles jamais expostos.
— Uma das raridades que vai despertar muito interesse é o último desenho que ele fez — diz o carioca Alexei Waichenberg, crítico de arte, jornalista e cocurador da exposição, ao lado de Paulo Sérgio Niemeyer. — Ele fez em cartolina preta, com caneta Pilot branca, pois já não enxergava bem. Dá para notar que a mão já estava trêmula. São volumes, curvas de mulheres, que para ele vinham antes da arquitetura.
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Para imprimir um caráter intimista à exposição, a curadoria pinçou objetos pessoais de Niemeyer como uma caixa de charutos, um paletó e uma câmera Rolleiflex, além de cartas trocadas pelo arquiteto com nomes como Fidel Castro, Carlos Drummond de Andrade, Juscelino Kubitschek e Darcy Ribeiro. Waichenberg diz que mergulhar no acervo foi, também, descobrir um Oscar Niemeyer ainda mais humano, alheio à vaidade que poderia ostentar como um dos maiores arquitetos de todos os tempos.
— O interesse maior dele não era a arquitetura, mas o ser humano. Ele se dizia só mais um arquiteto. Quando falavam de Brasília, ele costumava dizer que aquilo não seria possível se não fossem os milhares de retirantes que chegaram nos caminhões para tirar o projeto do papel — afirma Waichenberg.
Paulo Sérgio complementa que, depois da Madeira, já existem negociações para levar a exposição para França e Itália. E Brasília deve receber um formato abreviado da mostra em abril. O bisneto de Niemeyer, que também é arquiteto, ressalta que boa parte dos itens de “Oscar Niemeyer, 115 anos da curva infinita”, como o derradeiro croqui que iria para o lixo, oferecem um olhar para o processo de estudo de seu bisavô.
— Comecei a entender que ali tinha um material de pensamentos do Oscar. Um material inédito, mas não definitivo, que nos ajuda a entender seus projetos e sua obra como um todo — conclui.