'Tenho orgulho de ter colocado nela o apelido de Divina Cleo', diz Zuenir Ventura sobre Cleonice Berardinelli

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O fato de Dona Cleo, como gostava de ser chamada, ter sido mestra de tantos colegas acadêmicos na graduação, na pós-graduação ou em cursos do Itamaraty, deu origem a uma brincadeira corrente na Casa de Machado, de que a sigla da instituição na verdade significa "Academia Berardinelli de Letras".

Sobre a mestra no curso de Letras da antiga Universidade do Brasil (atual UFRJ), Zuenir lembra que, em seu discurso de recepção a sua posse na ABL, em 2015, Dona Cleo citou de uma gafe que cometera com o antigo aluno, julgando que seu nome fosse feminino. E de como reagiu quando, em uma crônica, Zuenir a chamara de "Divina Cleo": "De onde você retirou essa divindade?".

Abaixo, Zuenir homenageia a "Divina Cleo", de quem segue se considerando um aluno:

"Dona Cleonice, ou a Divina Cleo, cujos encantos e graça despertavam nos rapazes platônicas e inconfessáveis paixões, era a nossa musa na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFI), da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro. A voz cristalina, bonita e segura de quem, na juventude, interpretara no palco peças do dramaturgo quinhentista Gil Vicente, seu charme e saber eram a demonstração de como a inteligência podia ser alegre e a erudição, agradável. Uma professora incrível. Cleonice fazia de suas aulas espetáculos de expressão verbal e corporal.

Quando entrei para a faculdade, detestava a épica de Camões, que, no secundário (como se chamava antigamente o ensino médio), só servia para fazer com ele as terríveis 'análises lógicas'. Obrigavam-nos a deixar de lado a beleza daqueles versos para ficar procurando o sujeito, o predicado, os objetos direto e indireto de trechos do poema. Gastávamos um precioso tempo de nossa adolescência fuçando frases para encontrar um sujeito oculto ou o alvo direto ou indireto de uma ação, como se procurássemos um objeto perdido no lixo. Conclusão: 'Os Lusíadas' eram uma grande chatice, até aparecer Cleonice como professora.

Graças a ela, passei a entender 'Os Lusíadas' e a descobrir Fernando Pessoa, sobre quem Cleonice já tinha escrito importantes trabalhos, inclusive uma monumental edição crítica do heterônimo Álvaro de Campos. Ela me mostrou a viagem maravilhosa em 'Os Lusíadas'. Cada dia, para usar uma expressão do Manuel Bandeira, era um alumbramento. Era uma descoberta. Eu ia lendo no bonde. 'Os Lusíadas'acabou virando um de meus livros preferidos.

Tenho orgulho de ter colocado nela o apelido de Divina Cleo. Ela foi tão importante na minha formação que eu não me considerava um ex-aluno. Eu continuava sendo um aluno da Divina Cleo".