Cultura
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Por O Globo

A professora universitária Teresa Laborde, de 45 anos, sentiu na pele os horrores da ditadura argentina. Ela nasceu no dia 15 de abril de 1977, dentro de uma viatura policial em movimento. Sua mãe, Adriana Calvo, estava de mãos amarradas e olhos vendados. Os militares a transferiam de uma delegacia para um centro de detenção clandestino da repressão.

"No dia em que dei à luz minha filha no carro em que fui transferida da 5ª Delegacia de La Plata para Poço de Banfield, fiz uma promessa a mim mesma: se minha filha e eu vivêssemos, lutaria todos os dias da minha vida para que a justiça fosse feita", disse Adriana, que morreu há 13 anos.

"Quem dirigia e o acompanhante riam, diziam que dava na mesma, que iam me matar e matar o bebê, e que não deveria me importar", revelou Adriana no famoso "Julgamento das Juntas", como ficou conhecido o processo que condenou comandantes militares da ditadura argentina (1976 - 1983).

Esse julgamento é considerado um dos mais importantes da História moderna, o único caso de um regime democrático ter lançado uma ofensiva judicial em larga escala contra ex-ditadores. O feito é um divisor de águas para a Argentina e por isso é tão importante neste momento, segundo Ricardo Darín, que estrela o filme "Argentina, 1985", indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro que conta essa história.

Teresa

Nos seus primeiros anos de vida, Teresa viveu no "Poço de Banfield" com sua mãe. Lá, ela conviveu com outras presas políticas e seus filhos, quem ela considera como familiares. "Começamos a ter uma família de laços", disse em uma palestra, em 2020, quando se passaram 10 anos desde a morte de sua mãe. Ela tinha câncer.

Fora do centro de detenção clandestino da repressão, Adriana fundou a Associação de Ex-Presos Desaparecidos e prestou depoimento contra os militares. Por mais que houvesse a liberdade, não foram tempos fáceis, Teresa relembra. Na época, ela tinha entre 6 e 7 anos. Sua família teve o telefone grampeado, foi ameaçada diversas vezes e era seguida na rua.

— Meus irmãos tinham um plano de fuga pela janela, caso acontecesse alguma coisa. Lembro de estar comendo ravióli no domingo e de ligarem para dizer que tinha uma bomba em casa. Lembro de sair com o prato de ravióli na mão, para ver se a casa explodiria ou não — disse Teresa em entrevista ao portal UOL, publicada neste sábado.

Atualmente, Teresa é professora de Arte e Sociedade na Universidade Nacional de Lanús. Ela segue com o espírito ativista da mãe e fala em palestras e debates sobre os horrores daquele período da história da Argentina.

O filme lembra que 'fazer Justiça é possível'

Ricardo Darín em cena de 'Argentina, 1985' — Foto: Divulgação
Ricardo Darín em cena de 'Argentina, 1985' — Foto: Divulgação

O filme, dirigido por Santiago Mitre, lembrou aos argentinos, em palavras de Moreno Ocampo, hoje com 70 anos, “que os abusos podem ser condenados, que fazer Justiça é possível”.

— Na escola de cinema onde trabalho atualmente, nos Estados Unidos, um professor vietnamita costuma dizer que as guerras são disputadas duas vezes, no campo de batalha e na memória. Em 1985 derrotamos os militares na Justiça, no campo de batalha. O filme é a batalha pela memória — afirma o renomado advogado internacional ao GLOBO.

Depois de se consagrar no julgamento aos militares argentinos, Moreno Ocampo foi, entre outras coisas, o primeiro promotor chefe do Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, criado no início deste século para julgar indivíduos acusados de crimes de guerra e contra a Humanidade, caso a Justiça de seus países se omita. Em paralelo ao lançamento do filme na Argentina, no exterior e na plataforma Amazon Prime, o advogado reeditou seu livro intitulado “Quando o poder perdeu o julgamento”, editado pela primeira vez em 1996.

— O livro explica como funciona uma ditadura, e está muito relacionado a tudo o que investigamos no processo de 1985 — conta Moreno Ocampo, interpretado no filme por Peter Lanzani, uma das grandes promessas do cinema argentino.

Ambos conversaram pessoalmente e por telefone, e o advogado considera que Peter “fez um trabalho muito bom”.

— Nem tudo o que se conta no filme aconteceu realmente, mas o espírito do que vivemos está lá e me parece maravilhoso que os jovens estejam gostando e lotando os cinemas. Meu filho mais novo, de 23 anos, só está descobrindo agora o que aconteceu naquele momento — afirma Moreno Ocampo.

Para Moreno Ocampo, o filme “é sobre o abuso de poder e a possibilidade de fazer Justiça. É uma mensagem global, e explica explica o sucesso no exterior”.

'Rosto humano das injustiças cometidas'

Peter Lanzani com o verdadeiro Luis Moreno Lanzani — Foto: Divulgação
Peter Lanzani com o verdadeiro Luis Moreno Lanzani — Foto: Divulgação

Axel Kuschevatzk, um dos produtores do longa, concorda em gênero e grau:

— O filme mostra o rosto humano das injustiças que foram cometidas. Por outro lado, conta uma história que deu certo, na qual conseguiu-se julgar e condenar, e isso é o que gera no público a sensação de satisfação.

Para o produtor, “o que aconteceu na Argentina é inédito, e acho que o filme resgata isso e devolve aos argentinos uma porção de amor próprio”.

Kuschevatzk e Moreno Ocampo lembram que, em outros países da região onde também houve golpes de Estado e governos militares que reprimiram opositores, a falta de um julgamento deixou feridas abertas, que hoje trazem consequências.

— Com democracias frágeis e complexas, como as que temos em nosso país, nas quais discutimos coisas que não deveríamos mais discutir, o filme reivindica a Justiça e a democracia como sistema de vida— frisa o produtor argentino.

Depois de percorrer estreias internacionais e alguns dos festivais mais importantes do mundo, entre eles o de Veneza, Kuschevatzk assegura que “o mais interessante é o vínculo emotivo entre o público e o filme. Além da quantidade de entradas vendidas, ou de views numa plataforma digital, ver o filme com público sempre nos devolve paixão e amor pela história que se conta e pela História real. O que nos surpreendia era descobrir que todas as sociedades têm uma ferida que precisa ser revisada, discutida e ser vista do ponto de vista humano”.

O historiador Felipe Pigna diz ter ficado comovido com a presença de jovens nos cinemas de Buenos Aires. Para ele, “o filme teve muito sucesso porque relata um fato pouco conhecido por muitas gerações”.

— Este julgamento é inédito. Os julgamentos de Nuremberg condenaram um Exército derrotado, e aqui, quando se fez o julgamento, a ditadura argentina estava longe de ter sido derrotada. Os militares continuavam tendo poder, foi um ato de grande valentia. Os jovens ficam surpresos, por isso acho este sucesso muito saudável para nossa democracia — enfatiza Pigna.

Os argentinos se interessaram por um tema que, amplia o historiador, tinha sido esquecido, e, talvez, nunca tenha sido valorizado como foi com o filme.

— Condenar as figuras de proa da ditadura à cadeia perpétua foi algo incrível — aponta o historiador.

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