Cultura
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Por Maria Fortuna — Rio de Janeiro

Um dia depois de receber alta médica, Moacyr Luz ganha flores das mãos desta repórter na sala de sua casa. A inspiração bate na hora: “Aldir (Blanc), você não sabe/ tive com a Maria Fortuna/ tem que ver os girassóis lindos que ela trouxe/ que nem Van Gogh era capaz de pintar”, canta ele, citando o parceiro de tantas canções, morto em 2020.

Nenhum mote tem passado despercebido pelo líder do Samba do Trabalhador. Foi assim até no hospital, onde ficou internado por uma semana, até quarta-feira passada, com edema pulmonar em razão de uma insuficiência cardíaca. Compôs quatro músicas para agradecer às enfermeiras.

E olha que ele deu trabalho. Baixou na clínica com suspeita de pneumonia após sentir dificuldades em respirar. Diante do diagnóstico, não acatou a ordem médica de internação imediata e assinou um termo assumindo a responsabilidade por deixar o hospital à revelia. Tudo para não perder a gravação de um especial de TV. Voltou dois dias depois. Direto para o CTI.

De lá, gritava “socorro, quero sair daqui” sempre que um médico passava perto. Assustou a psicóloga, desavisada de seu humor sarcástico, ao responder “vontade de me matar” quando perguntado sobre o que sentia. “O senhor sempre tem esses desejos?”, quis saber a moça, apavorada.

Ela só se deu conta da brincadeira na hora em que a jornalista Marluci Martins, companheira de Moa, caiu na gargalhada. Os dois comemoraram 17 anos de união dentro do CTI. Marluci, aliás, tatuou a imagem do marido no antebraço esquerdo. A homenagem estava agendada desde março.

Moacyr Luz e a companheira, Marluci Martins, que tatuou imagem do marido no antebraço direito — Foto: Maria Fortuna
Moacyr Luz e a companheira, Marluci Martins, que tatuou imagem do marido no antebraço direito — Foto: Maria Fortuna

No dia em que se viu sozinho no CTI, Moa chorou. Havia acabado de colocar para tocar a canção “Cadê?” para provar à enfermeira que sim, conhecia Diogo Nogueira — que, inclusive, cita seu nome naquela canção. Foi quando a melodia acabou por embalar um pranto que brotou copioso.

Proibido de beber, um de seus maiores prazeres na vida, Moa recorre ao trabalho para espantar o baixo astral. Conta, nesta entrevista, que vêm aí livro e documentário sobre sua vida, além de vários discos inéditos. Também revela que enfrentou um câncer de próstata recentemente e fala pela primeira vez da luta contra o Parkinson, que vem limitando seus movimentos no violão.

Mas acima de tudo, o artista de 64 anos dá uma aula de bom humor e alegria de viver.

Moacyr Luz: 'Quando descobri o Parkinson, comecei a contagem regressiva... Mas já faz 15 anos' — Foto: Leo Aversa
Moacyr Luz: 'Quando descobri o Parkinson, comecei a contagem regressiva... Mas já faz 15 anos' — Foto: Leo Aversa

Quer dizer que nem no hospital a inspiração te abandonou?

As músicas vinham desesperadamente porque eu estava me sentindo como se não fosse gente. Não podia fazer nada sozinho. Até dentro do banheiro tinha que ir alguém comigo. Era muito humilhação. Não podia sair da cama depois das 22h. Aí, de novo, vem a música.

A música sempre te salva...

A Marluci em primeiro lugar, depois a música (risos).

Como na pandemia, em que você me contou que espanta a tristeza compondo, praticamente, uma canção por dia...

É. Como quando fiz 60 anos. Resolvi que era “ou dá ou desce”, que ia vencer pelo cansaço. Comecei a trabalhar muito. Fui me envolvendo com escolas de samba, discos, gravações, shows. Cada vez exigindo mais de mim. Este ano desfilei duas vezes com o Zeca Pagodinho na Sapucaí, saí na Paraíso do Tuiuti, na Embaixadores da Alegria. Toquei em dois camarotes, no Terreirão do Samba, no Amarelinho, no Pirajá, em São Paulo. Deu um cansaço... Veio uma respiração ofegante e a bateria arriou.

Teve medo de morrer?

Não tenho medo de morrer, mas de não viver bem, de não poder tomar um drinque, um vinho. Não tenho ambições materiais, casa com piscina, carro... Agora, sem comer, beber e estar com amigos não sei viver.

Você já tinha trocado a cerveja e a cachaça pelo vinho. Desta vez, o médico disse que não pode beber nenhum álcool porque sobrecarrega o coração... E agora? É como diz sua canção: “Cabô, meu pai, cabô”?

Não dei sorte. Achei que meu cardiologista fosse dos meus. Mas ele é muito sério (risos). E vou diminuir, como já vinha fazendo. Quem está de olho em mim, vê que pego uma tacinha só e fico o dia inteiro com ela na mão.

Hoje mesmo acho que já vou beber um negocinho (“Não vai, não”, corta Marluci de cara, “não pode nem beber água em excesso para não ter acúmulo de líquido, as pernas dele ficaram tão inchadas que não tinha nem joelho”). Não quero ter que beber escondido como fizeram meus amigos que já morreram.

E o Parkinson? Como você tem lidado com a doença?

Sempre evitei falar nisso, mas não tem mais jeito. Detectei em 2008. O dedo não caminhava mais (pelas cordas do violão), tinha dores no braço e rigidez. Sabia que havia algo estranho, olhava no espelho e percebia que estava sem expressão. Minha boca parada... Aí comecei a contagem regressiva: não vou poder mais tocar, depois cantar. Porque a voz também sofre... Só que estamos em 2023 e estou conseguindo administrar. Estou fechando dois shows em Portugal, em maio.

Mas está tudo controlado, com remédio. Também tive câncer de próstata no fim de 2022. Curei com 20 sessões de radioterapia. E operei catarata. Estou tipo plastic, aquela massa que usava no carro para tapar ferrugem, sabe? Por fora, uma delícia, mas se botar o dedo e apertar faz um buraco (risos).

Muitas vezes, você só toca um pouquinho no Samba do Trabalhador. Tem a ver com essa limitação gradativa dos seus movimentos?

Sim. Para piorar, eu tive um tombo (mostra a base do dedão da mão esquerda), que me limitou mais um tiquinho. Mas vou ajeitar.

Acha que sua ânsia por trabalhar vem dessa urgência de não perder nenhum minuto da vida?

Também. Mas não faço isso de uma forma radical, suicida, "ah, vou mergulhar de cabeça". Mas também tem a ver com aproveitar a inspiração. Passei esse período fazendo uma música por dia. E aquilo estava me deixando agoniado. Porque eu acordava e dizia "meu Deus, não quero fazer música". Mas tinha uma coisa me chamando aqui no ouvido e eu pensava: '"Não quero, mas vou fazer".

Como se sentiu diante da comoção no último Samba do Trabalhador, em que pessoas usavam máscaras com o seu rosto? Aliás, você apareceu lá por chamada de vídeo. E no próximo (nesta segunda, 27), vai?

Devo dar uma visitadinha, até porque, a cada segundo, me sinto melhor. Mas não vou tocar. O que aconteceu lá foi de matar, me emocionou muito. Estou vivendo algo que jamais pensei. Trabalho muito e as músicas que faço não estão ligadas a nenhum processo radiofônico ou ao que está na moda. “Vai picadinho, vai/ vem miudinho, vem” (cantarola no ritmo do hit “Zona de perigo”, de Léo Santana). Comecei a perceber uma coisa estranha, tipo entrar e sair de um bar e ser aplaudido. Vivi a experiência louca de ir sozinho até o Setor 1 da Sapucaí e ouvir meu nome gritado pelos garis, por toda a multidão.

Por que acha que isso está acontecendo num país que, muitas vezes, só valoriza os artistas depois da morte?

Acho que é porque, para onde apontam, eu estou (risos). Uma coisa interessante é que a minha parte no Samba do Trabalhador é feita com as minhas músicas. O que está fazendo sucesso na minha roda é autoral. Isso dá uma diferenciada. Não sou o cara que está cantando Arlindo Cruz, o que seria uma honra, mas canto as minhas músicas.

Talvez o início da minha água no pulmão tenha sido a Mangueira não ter se classificado bem com o meu samba no ano passado. Mas só sei que ele é um sucesso. Até em Paris todo mundo cantou junto.

Tem um filme e um livro sobre você sendo produzidos?

O documentário é dirigido pela Tarsilla Alves com roteiro do Hugo Sukman. Visita os bares que frequento, shows, a história do Samba do Trabalhador, parceiros. Se chama “Moacyr Luz, o embaixador dessa cidade”.

O livro, do Diogo Cunha, chama “Essa eu não contei pro Aldir” com as histórias das nossas parcerias. Tem ainda música inédita com o Zeca Pagodinho, “Grande mar”. Lancei em 2022 o disco “A música do músico” , estou produzindo um disco do Hélio Delmiro com o Augusto Martins (“Certas coisas”), gravando outro (“Mapa dos rios”) com o Pierre Aderne, em Portugal, e mais outro com o Paulo Pauleira (“Luz e Pauleira”), uma viagem mais moderna, diferente.

É como Beth Carvalho, que cantou até o fim, deitada na cama: “Você não vai parar nunca...”

Não sei se chego a tocar deitado, mas sentado, com certeza. Vou tocar para sempre.

Duas letras inéditas compostas no hospital por Moacyr Luz em homenagem às enfermeiras

"Quantas vezes eu imaginei seu nome/ num anúncio das boates, nos reclames/ e pensar que um tempo depois encontraria teu nome/ na enfermaria 32/ no fundo a sua voz dizia/ precisando de mim me chame/ meu nome é Taiane, meu nome é Taiane" ("Musica para CTI número 1")

"A fisioterapia da bela Vanessa faz tantos milagres/ nos fracos da vida ajeita a cabeça/ e antes que eu me esqueça, Vanessa tem mãos de princesa/ por isso não existe surpresa/ você se apaixonar por Vanessa/ Vanessa, quando você volta? / Alguém aqui sente a sua falta". (Ainda sem título)

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