Há traços de Flavio Colin por toda parte. O trabalho do quadrinista carioca de risco tão característico e temas caros à cultura brasileira está num processo de resgate. Nos últimos meses, foram relançados seis livros do autor, que começou a desenhar HQs profissionalmente em 1956 e faleceu em 2002, aos 72 anos. Todos os álbuns tem acabamento caprichado, que encheriam de emoção os olhos do artista. Sua obra virou até coleção oficial da Chico Rei, com direito a camisetas, canecas e pôsteres.
Agora, acabam de ser relançados mais dois quadrinhos do autor: “O boi das aspas de ouro” (Skript) e “Fawcett” (Comix Zone). Lançados originalmente em 1997 e 2000, ambos chegam às livrarias com capa dura e textos de apoio, um luxo para alguém que fez carreira publicando fundamentalmente em revistas.
Enquanto “O boi das aspas de ouro” parte da lenda gaúcha de que um animal com chifres dourados traria felicidade para quem fosse seu dono, “Fawcett” especula como teria sido a derradeira expedição do explorador britânico na selva amazônica. A nova edição deste quadrinho, ilustrado por Colin e escrito por André Diniz — que editou, de forma independente, a versão original, há mais de 20 anos —, traz uma história inédita feita inteiramente pelo último.
— A história original é uma ficção sobre o que teria acontecido com Fawcett depois de seu desaparecimento, e todo um passado de aventuras do personagem ainda estava intocado — explica o roteirista e desenhista André Diniz. — O Thiago, editor da Comix Zone, então perguntou se eu estaria disponível para fazer umas três ou quatro páginas inéditas. Acabei entregando uma nova HQ de 18 páginas!
![Camiseta Flavio Colin da Chico Rei — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/9zFndUFE6EaV_oj6RHPxFfvwKQE=/0x0:1800x2700/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/m/o/trHppsREAXBjA7bl0vhA/840692e3-85de-11ec-91e9-0701e6b2a112.jpg)
Herdeiros de Colin
De traço bastante inspirado no do parceiro ocasional, Diniz diz que conheceu o trabalho de Colin em meados dos anos 1990, numa coletânea da revista “Calafrio”.
—Quando esbarrei os olhos naquela arte, foi amor à primeira vista.
Diniz revela ter sido influenciado não só pelo trabalho de Colin, mas por tudo aquilo que também foi fonte para ele, como a literatura de cordel e a arte africana:
![Obra de Flavio Colin — Foto: Divulgação](https://s2-oglobo.glbimg.com/jQ8wdND5pgyCdgCHOj4o0StkD0o=/0x0:1018x1202/984x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2023/y/g/BAWHQtTW6iCRvin4EuTQ/aspas-10.jpg)
— Um tempo depois, já com pesquisas avançadas e uma primeira versão do roteiro para “Fawcett”, bem diferente da final, assisti a um bate-papo com o Colin citando o explorador como um dos exemplos de temas brasileiros que poderiam ser explorados nos quadrinhos. Fiquei sonhando com essa possibilidade de parceria até que, uns três anos depois, já com o roteiro pronto, criei coragem e fiz o convite a ele.
Outro quadrinista atual que bebe na fonte de Colin é Jefferson Costa, ilustrador dos títulos do personagem Jeremias, da Turma da Mônica, lançados no selo Graphic MSP.
— Conheci o trabalho dele em “Estórias Gerais” e foi tão significativo para mim que ele não só se impôs como maior referência visual como mudou completamente meu caminho, meu foco, minha percepção e objetivos.
Jefferson diz que, a partir dali, “fazer super-heróis para os gringos” deixou de ser uma meta. Em Colin, encontrou o tipo de história que precisava contar.
— Em minha modesta opinião, Colin é o patrono do quadrinho brasileiro contemporâneo — afirma Jefferson, que escreveu e ilustrou “Roseira, medalha, engenho e outras histórias” (Pipoca & Nanquim) e produziu, com Rafael Calça no roteiro, “Feliz aniversário, feliz obituário” (Conrad), duas HQs influenciadas por Colin. — , Ele sintetiza nossa cena tão diversa e plural, essa profusão de caminhos, ideias e estilos, em que cada quadrinista brasileiro consegue ser tão único quanto se propõe ser.
Um dos méritos no resgate das histórias em quadrinhos de Colin está na diversidade de editoras. Desde o começo da empreitada, no fim de 2021, com “Terror no inferno verde”, pela Pipoca & Nanquim, outras cinco casas também publicaram o autor.
— Flavio Colin e a obra dele são patrimônio do Brasil — conta o curador do espólio quadrinístico do artista, Ivan Freitas da Costa. — Dividir a obra do Colin significa dar a mais editoras a possibilidade de contar com algum trabalho dele em seu catálogo. O resultado são edições mais caprichadas, muitos extras, melhor divulgação de cada lançamento e maior frequência das republicações.
Exposição sobre Colin
Cofundador da CCXP e CEO da Chiaroscuro Studios, Ivan diz que o convite da família de Colin para administrar seu espólio artístico surgiu quando ele propôs uma exposição retrospectiva sobre o quadrinista.
— Eles ficaram muito felizes com a ideia e, enquanto eu montava esse projeto, entraram em contato comigo para oferecer a gestão de toda a obra do artista —diz o curador da obra, que organizou uma pequena amostra da futura exposição de Colin na CCXP do ano passado. — Apesar de ser algo que eu nunca tinha feito (administrar um espólio), estava em linha com a minha intenção de ajudar a resgatar o Colin para os antigos e os novos fãs. Por isso aceitei.
Curador da exposição “Quadrinhos”, que aconteceu no MIS de São Paulo há cinco anos, Ivan é um notório leitor de gibis de super-heróis e, por conta disso, demorou a descobrir o trabalho de Colin — que, aliás, não gostava personagens de Marvel, DC e cia.
—Minha relação com a obra de Colin foi tardia e, infelizmente, não cheguei a conhecê-lo em vida. Era difícil encontrar seus trabalhos, em sua quase totalidade jamais republicados — afirma Ivan, para em seguida revelar sua HQ favorita do autor. — A minha predileta são, na verdade, duas que formam uma obra única: “Caraíba” e “Curupira”. Foram suas últimas obras e estão entre as preferidas dele também. São atualíssimas por tratarem da preservação da natureza, um tema que permeia toda a sua obra.
Segundo ele, ainda não há planos de republicação dessa dupla favorita, mas a editora Trem Fantasma já anunciou “Mulher-Diaba no rastro de Lampião” e a Skript lançará em dois volumes a saga do Lobisomem por Colin. Enquanto isso, a Veneta prepara para breve uma compilação das histórias do personagem Vizunga.
Ivan diz que esse resgate da obra de Colin é importante para que mais pessoas tenham acesso às suas histórias, muitas jamais reeditadas e outras simplesmente perdidas no tempo:
— Colin é um dos pilares dos quadrinhos e da ilustração no Brasil. A obra dele tem enorme influência sobre o trabalho de muitos artistas, além de seu trabalho ser muito brasileiro e sintético, algo difícil de ser alcançado, e que ele levou à perfeição.
Outros quadrinhos de Flavio Colin já relançados
“Terror no inferno verde” (Pipoca & Nanquim): Coletânea de 19 histórias de terror produzidas por Flavio Colin, foi o livro que deu a largada no resgate oficial da obra do autor.
“As aventuras do Anjo” (Figura): Edição que reproduz em fac-símile as artes originais da versão em HQ do personagem surgido como herói de radionovela.
“Aventuras macabras de Edgar Allan Poe” (Skript): Como o título entrega, são quatro HQs baseadas na obra de Poe, cada uma por um ilustrador. Colin faz “A máscara da morte rubra”.
“A Guerra dos Farrapos” (Comix Zone): Colin ilustra roteiro de Tabajara Ruas sobre o conflito histórico em que o Rio Grande do Sul se tornou independente do Império Brasileiro.
“Os estranhos hóspedes do Hotel Nicanor” (MMarte): Coletânea de uma série de terror escrita por Ota e ilustrada por Colin para a antiga revista “Spektro”.
“Estórias gerais” (Conrad): Lançada sem curadoria, a HQ escrita por Wellington Srbek que se passa em Minas nos anos 1920 é um dos mais celebrados trabalhos de Colin.