Elas já são tantas quanto eles. As mulheres representam metade dos jogadores de videogame em todo o mundo, mas os preconceitos de gênero continuam vivos nessa indústria, que é a maior do entretenimento, já superando a música e o cinema. As personagens femininas estão menos nas telas, têm imagens mais sexualizadas e desempenham papéis menos importantes, de modo que suas representações reforçam estereótipos já conhecidos. Um novo estudo agora aumenta essa evidência, mostrando que as personagens femininas não apenas aparecem menos, mas também falam menos e têm diálogos menos relevantes.
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A pesquisa, publicada nesta quarta-feira na revista Royal Society Open Science, analisou seis milhões de palavras faladas por mais de 13 mil personagens de 50 jogos de RPG, onde as conversas são cruciais para o enredo. Segundo os autores do estudo, é a primeira vez que a representação de gênero em conversas ficcionais é medida em larga escala, e os resultados mostram que os diálogos das personagens femininas representam metade da quantidade dos homens.
Em parte, isso se deve à falta de personagens femininas, mas também há preconceitos no que dizem e com quem falam. Em média, elas recebem diálogos menos importantes, e há uma tendência de interagirem menos com outros personagens do mesmo gênero. Embora os diálogos nos videogames também possam variar de acordo com a vontade e as decisões dos jogadores, os resultados da pesquisa sugerem que isso não tem efeito direto na representação de gênero.
Falta representatividade feminina: mulheres sobre mulheres
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Estudante de Direito, Fernanda Sales, de 21 anos, nunca votou em uma mulher, e lembra que nas últimas eleições se preocupou mais em encontrar candidatos de ficha limpa. “Acabei não procurando por candidaturas de mulheres, mas acho que sem dúvidas, deveria ser maior o número de mulheres na política, principalmente analisando a quantidade de homens. É surreal a diferença”, afirma. Agência O Globo
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![Maíra Fernandes, de 37 anos, é advogada e por representatividade e afinidade às pautas, já votou em mulheres para diversos cargos. “Não é possível ter no âmbito do Legislativo ou do Executivo somente homens fazendo leis ou tocando políticas públicas, porque na maior parte das vezes, não levantam pautas que são importantes para mulheres. Há excelentes nomes, mas em número ainda muito pequeno. Fica muito difícil elas conseguirem sozinhas desenvolver esse tipo de proposta", defende. Agência O Globo](https://s2-oglobo.glbimg.com/avGZjLTatu0ILTd2dgX-F4mhKB4=/0x0:941x565/323x182/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/o/x/BJ0inwT2WyWy9WMuapCQ/3.glbimg.com-v1-auth-0ae9f161c1ff459593599b7ffa1a1292-images-brasil-celina-23533591-61c-d30-ft1086a-565-81531836-ri-rio-de-janeiro-rj-11-03-2019-especial-celina-a-inspiracao-na-historia-da-primeira-el.jpg)
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Maíra Fernandes, de 37 anos, é advogada e por representatividade e afinidade às pautas, já votou em mulheres para diversos cargos. “Não é possível ter no âmbito do Legislativo ou do Executivo somente homens fazendo leis ou tocando políticas públicas, porque na maior parte das vezes, não levantam pautas que são importantes para mulheres. Há excelentes nomes, mas em número ainda muito pequeno. Fica muito difícil elas conseguirem sozinhas desenvolver esse tipo de proposta", defende. Agência O Globo
![Trabalhando como bilheteira de uma estação de trem na Zona Norte do Rio, Vanderléia Dantas, de 45 anos, acredita que a presença de mulheres faz diferença na hora de se debater determinadas propostas, e defende que haja mais divulgação das candidaturas femininas. “Se tivesse uma divulgação do partido, com mais mulheres, o que que elas já fizeram, quais são suas propostas, eu poderia até me interessar, mas eles não fazem essa divulgação eficaz, infelizmente”, opina. Agência O Globo](https://s2-oglobo.glbimg.com/YbKzxL4U1VE7_3U-xomYIxMJZeg=/941x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/v/Q/KZTg7HRoaMIvVDJK9sIw/3.glbimg.com-v1-auth-0ae9f161c1ff459593599b7ffa1a1292-images-brasil-celina-23533593-752-40c-ft1086a-565-81531866-ri-rio-de-janeiro-rj-11-03-2019-especial-celina-a-inspiracao-na-historia-da-primeira-el.jpg)
Trabalhando como bilheteira de uma estação de trem na Zona Norte do Rio, Vanderléia Dantas, de 45 anos, acredita que a presença de mulheres faz diferença na hora de se debater determinadas propostas, e defende que haja mais divulgação das candidaturas femininas. “Se tivesse uma divulgação do partido, com mais mulheres, o que que elas já fizeram, quais são suas propostas, eu poderia até me interessar, mas eles não fazem essa divulgação eficaz, infelizmente”, opina. Agência O Globo
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![Baiana da cidade de Ilhéus, Josete Martins Ramos, de 76 anos, vive no Rio há mais de 50 anos. Bancária aposentada, ela acredita que falta representatividade feminina na política brasileira, mas defende que candidatos e candidatas sejam “capazes”. “Precisa ser capaz de exercer o cargo. Se for bem preparado, não importa se é homem ou mulher. Mas na próxima eleição vou procurar com mais carinho por candidatas. Há muito poucas”, diz. Agência O Globo](https://s2-oglobo.glbimg.com/W0pClPRyg8Kzp6zj9ixlHbOWiZE=/941x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2022/q/I/8Q6k0ATri0SbmjEBi6nA/3.glbimg.com-v1-auth-0ae9f161c1ff459593599b7ffa1a1292-images-brasil-celina-23533594-88c-7c1-ft1086a-565-81548329-ri-rio-de-janeiro-rj-11-03-2019-ri-rio-de-janeiro-rj-11-03-2019-especial-celina-a-inspi.jpg)
Baiana da cidade de Ilhéus, Josete Martins Ramos, de 76 anos, vive no Rio há mais de 50 anos. Bancária aposentada, ela acredita que falta representatividade feminina na política brasileira, mas defende que candidatos e candidatas sejam “capazes”. “Precisa ser capaz de exercer o cargo. Se for bem preparado, não importa se é homem ou mulher. Mas na próxima eleição vou procurar com mais carinho por candidatas. Há muito poucas”, diz. Agência O Globo
Na amostra, 11 jogos permitem que os jogadores escolham o gênero do protagonista. Destes, apenas dois - a trilogia Mass Effect e Dragon Age 2 - fornecem um diálogo mais feminino versus masculino quando o personagem é uma mulher. Em 24 jogos, além disso, os pesquisadores tiveram acesso à estrutura dos diálogos marcados pelo algoritmo. Eles simularam um jogador onisciente, tentando maximizar o diálogo de um gênero.
Ao tentar otimizar o diálogo feminino sobre o masculino, o jogador teria sucesso em 36% das tentativas, o que representa uma média de 10 palavras a mais faladas por mulheres em cada conversa. Porém, se o personagem tentasse maximizar o diálogo masculino, o sucesso ocorreria em 65% dos casos, com média de 33 palavras a mais.
“Isso sugere que o preconceito contra o diálogo feminino não pode ser facilmente evitado pelos jogadores”, dizem os autores do estudo.
Houve uma evolução, porém. O estudo também analisa jogos dos últimos 50 anos e descobriu que o número de diálogos femininos aumentou seis pontos a cada década. Apesar disso, nesse ritmo, a diferença de gênero só seria eliminada em 2036. Stephanie Rennick , pesquisadora do Departamento de Filosofia da Universidade de Glasgow e principal autora da pesquisa, explica que a maneira mais rápida de alcançar a paridade seria por os jogos adicionam mais personagens femininas.
“Embora os homens falem duas vezes mais que as mulheres em geral, não descobrimos que o homem médio fala mais do que a mulher média. Em vez disso, havia muito menos personagens femininas do que masculinas”, detalha.
No entanto, simplesmente aumentar o número de personagens femininas não resolverá todos os vieses identificados no estudo, como a sub-representação de personagens não-binários de gênero e outras minorias. A líder do estúdio defende que, para lidar com esses problemas, medidas como monitorar a distribuição de gênero dos personagens e seus diálogos, diversificar papéis e subverter os chamados papéis de gênero devem ser adotados.
Uma das recomendações é realizar o que é conhecido como gender flipping (mudança de gênero): criar o personagem como pertencente a um gênero e, posteriormente, sem alterar outras facetas de seu personagem, como seus relacionamentos ou traços de personalidade, modificar o gênero antes de lançá-lo no jogo.
“Pode ser uma forma útil de identificar preconceitos ou estereótipos porque eles se tornam mais perceptíveis depois de invertidos”, detalha a pesquisadora. “A Royal Shakespeare Company fez uma produção de Cymbelinealguns anos atrás, onde o personagem mudou de gênero para se tornar uma rainha, e a madrasta malvada anterior agora era um padrasto malvado. Isso é diferente de quando um personagem é interpretado por um ator do sexo oposto, algo comum nas performances de Shakespeare. Os personagens não eram mais tipos, mas indivíduos.”
É importante que as empresas não pensem apenas nos personagens principais, mas também nos minoritários, pois em alguns casos, como argumenta a pesquisadora, os vieses são mais evidentes no nível de personagens menos relevantes.
“Vários jogos tinham uma ou mais protagonistas femininas, mas menos da metade do diálogo geral era feminino. Além disso, os estereótipos podem facilmente se infiltrar em personagens de fundo, como quando todos os guardas são homens”, enfatiza Rennick.
A pesquisa destaca que muitos vieses são incorporados aos modelos algorítmicos usados nos estágios iniciais do desenvolvimento de videogames. Em Daggerfall , por exemplo, a distribuição dos personagens coadjuvantes é determinada aleatoriamente e há uma chance igual de serem homens ou mulheres. No entanto, antes de receberem um gênero, eles primeiro recebem uma função. Se forem guardas, serão do sexo masculino por padrão. Assim, se não fosse por essa determinação de papéis, a determinação de gênero poderia ser mais equilibrada.
Os autores sugerem que pesquisas futuras devem se concentrar na identificação de padrões nas narrativas ou na forma como as histórias são contadas. A donzela em perigo ou o cavaleiro de armadura criam uma expectativa do que vai acontecer em uma história, mas também podem reforçar estereótipos problemáticos.
“Se soubermos quais padrões continuamos a perpetuar, podemos decidir se devemos subvertê-los ou evitá-los”, conclui Rennick.