A história do rock feito no Brasil pode ser vista como uma sequência cronológica de fases de maior ou menor popularidade e inventividade, mas sem conexões firmes entre elas. Nesse sentido, não haveria uma linha evolutiva do rock brasileiro.
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De 1955, quando Nora Ney gravou o primeiro rock’n’roll no país do choro e do samba, até hoje, movimentos como a Jovem Guarda ou o BRock dos anos 80 surgem em altos decibéis para logo fenecer, deixando para trás fãs saudosos e um legado questionável. “Baby... Rock!”, de Ricardo Bandeira, é um registro importante, bem-sucedido ao abordar o período de 1955 a 1965, época pouco estudada e que marca o nascimento e a popularização do rock brasileiro. Ou de algo vagamente semelhante a rock.
Os dados e informações contidos em “Baby... Rock!” deixam claro que o rock brasileiro nasce como uma releitura pop e aguada do ritmo criado nos EUA em fins dos anos 1940. Motivados por objetivos mercantilistas e longe de entender estrutura, significado, maneira de tocar e a força estética do ritmo que surgia, artistas, produtores, músicos, disc-jóqueis e apresentadores daqui embarcaram numa onda sem saber direito para que direção a maré apontava.
Bandeira estabelece a gravação de duas músicas para demarcar o período histórico abordado em seu livro. O início se daria com “Rock around the clock” em regravação interpretada pela cantora carioca Nora Ney, então conhecida nacionalmente pelo sucesso do samba-canção “Ninguém me ama” (Antônio Maria, 1952). O fim dessa “era perdida” do rock nacional chega com o estouro, em 1965, de “Quero que vá tudo pro inferno” (Roberto Carlos/Erasmo Carlos). Para Bandeira, o enorme êxito da canção marcaria o fim da fase da descoberta do rock pelos brasileiros e o começo de sua consolidação e popularização, com a Jovem Guarda.
Nesse meio-tempo, mostra o livro do jornalista de Minas Gerais, a maior parte dos registros fonográficos de rocks nacionais da época retratada soam como pastiches ingênuos e anêmicos de uma manifestação cultural que nascida nos EUA cheia de libido, inventividade e potência transformadora.
Boa parte desse resultado musical frustrante se deve à escolha de repertório. Ao mesmo tempo em que nos EUA o rock’n’roll ardia com Chuck Berry e Elvis Presley, no Brasil afofava-se sob um banho de lua e o bom-mocismo de Celly Campello. Ficou-se no pior dos mundos: nem se absorveu a força da tradição nascida com o blues, nem se propôs uma leitura antropofágica do ritmo alienígena (o que só viria a acontecer mais de dez anos depois).
Mas há outras razões para esse descompasso. Não se pode esquecer que, apesar de hoje aceito e digerido, o rock é, na cultura brasileira, uma anomalia. Num país de tradição musical assombrosamente variada e exuberante e de criadores geniais de Norte a Sul, é natural que o estilo não fosse compreendido imediatamente por criadores habituados a trabalhar com baião, samba-canção, boleros, guarânias, marchas e foxtrotes.
O resultado foi, então, um rock tecla SAP no lugar do que poderia ser um rock à brasileira. Rock à brasileira, que, é bom lembrar, só surgiria a partir dos Mutantes para seguir vivo no trabalho de Raul Seixas, Rita Lee, Erasmo Carlos, Sá & Guarabyra, Sérgio Sampaio, Belchior, Baby, Pepeu e Chico Science, entre outros.
Novos caminhos
“Baby... Rock!” é obra preciosa. Um livro-reportagem informativo, que se insere na bibliografia musical brasileira como boa fonte de consulta. É pleno de fatos e dados da história da indústria nacional da música. Captura o leitor com biografias e perfis dos principais personagens desses primórdios roqueiros, entremeados por histórias saborosas e curiosidades.
Numa das mais interessantes, fica-se sabendo que a já citada gravação de “Rock around the clock”, em 1955, contou com as participações de Radamés Gnattali (piano e arranjos), Zé Menezes (guitarra) e Chiquinho do Acordeom. Vale lembrar que um acordeom não estava entre os instrumentos da gravação original de Bill Haley & His Comets. Talvez aí Radamés tenha vislumbrado um caminho. Vai saber.