Mesmo com a mudança de gestão, e com a cantora e compositora Margareth Menezes à frente do Ministério da Cultura, a pasta mantém a dificuldade histórica de diminuir a alta concentração de recursos da Lei Rouanet na Região Sudeste, a mais rica e populosa do país. Levantamento feito pelo GLOBO com todos os 1.474 projetos aprovados este ano e que já captaram recursos mostra que 54% foram para essa região, somando 808 projetos.
A ministra iniciou a gestão com o compromisso de descentralizar investimentos do eixo Rio-São Paulo e expandi-los para áreas menos favorecidas. Ainda assim, o Sudeste concentra mais projetos do que todas as outras regiões juntas. Depois do Sudeste, aparece a Região Sul, com 25% (379 projetos), seguida pelo Nordeste, com 13% (193 projetos), Centro-Oeste, 4% (59) e Norte, com apenas 2,3%, ou 35 projetos apoiados. Os dados são de 1º de janeiro a 14 de julho deste ano.
O ministério reconhece as dificuldades e afirma que tem atuado junto aos patrocinadores num trabalho de conscientização sobre a importância de expandir os investimentos para regiões menos favorecidas. O secretário nacional de Economia Criativa e Fomento Cultural, Henilton Menezes, admite existir uma desigualdade geográfica “histórica” na distribuição de incentivo.
— O incentivo fiscal tem, de fato, um viés concentrador e isso acontece por alguns fatores. Primeiro, as grandes empresas, que são as principais financiadoras, estão sediadas em sua maioria nos centros econômicos mais desenvolvidos, como Sudeste e Sul. Segundo, há quantidade maior de propostas no centro-sul do que nas outras regiões. Estamos mudando, mas leva mais tempo do que seis meses. Veremos reflexos mais expressivos a partir de 2024.
A Lei Rouanet é uma lei de fomento indireto, que busca incentivar empresas e pessoas físicas a patrocinarem projetos culturais por meio de deduções do Imposto de Renda. Os proponentes apresentam os projetos que, uma vez autorizados pelo Ministério da Cultura, podem arrecadar o dinheiro junto aos patrocinadores. Para as Pessoas Físicas, a dedução pode chegar a 80% em casos de doações, e 60% em patrocínios. Já para as Pessoas Jurídicas, 40% para doações e 30% para patrocínios.
SP sai na frente
Em valores totais, o levantamento mostra que, no acumulado deste ano, os 1.474 projetos captaram R$ 63,38 milhões. As propostas do Sudeste conseguiram levantar R$ 36 milhões do total (57%), enquanto as do Sul captaram R$ 19,9 milhões (31,5%). Enquanto isso, o Nordeste arrecadou R$ 3,8 milhões, representando 6,1%. Depois, aparece o Norte, R$ 2,8 milhões (4,5%), e, por último, o Centro-Oeste, que arrecadou apenas R$ 1 milhão, ou 1,6%.
São Paulo aparece como líder de arrecadação. Enquanto isso, 12 estados não conseguiram nenhum valor: Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás e Mato Grosso do Sul. O secretário adiantou duas parcerias fechadas com grandes empresas:
— Estamos em tratativas com a Vale, nossa maior investidora, para lançar um edital de patrocínio de ações culturais em favelas. Serão escolhidos agentes culturais em cinco favelas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. É um projeto-piloto e queremos convidar outras empresas. Outro movimento é um edital em parceria com o Banco do Brasil para pequenas feiras literárias com foco nas mesmas regiões.
A concentração geográfica dos recursos da Rouanet já era um problema nas gestões passadas e uma das principais críticas de artistas e produtores à lei. Em seu discurso ao assinar o decreto regulamentando o fomento cultural, em março, Margareth criticou a centralização dos incentivos e a desigualdade racial entre os proponentes beneficiados:
— Não adianta tapar o sol com a peneira. O ministro Gilberto Gil já criticava as desigualdades na Rouanet, como a regional e a racial. Sabemos que ela continua concentrada no eixo Rio-São Paulo. E que os que têm sucesso na captação não costumam ter a minha cor. Reconhecer os problemas e desafios da lei é fundamental para superá-los. Isso que tentaremos fazer com o decreto.
— Pensando por parte dos patrocinadores, eles não querem colocar dinheiro em projetos que não vão dar visibilidade. O governo poderia criar uma política de incentivos diretos para a empresa, como fiscal, para aumentar o investimento em outros estados e chegar à pluralidade — analisa o diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, Jonas Sales.
O advogado pontua que o menor volume de projetos aprovados em regiões como o Norte e Centro-Oeste limita oportunidades:
— (O recurso) tem que chegar ao interior. Aprovar projetos lá pode ajudar a ter captação, abre mais portas, e você acaba dando mais chance (aos produtores locais). Talvez se possa colocar um mínimo para o comitê aprovar naquelas regiões, como cotas.
O setor que mais atraiu investimento é Artes Cênicas, com 42% do total. Depois, Música, com 22%; Artes Visuais, 11,4%; Humanidades, 10,6%; Museu e Memória, 8,2%; e Audiovisual, 1,4%.