Cultura
PUBLICIDADE
Por , Em O Globo — Rio de Janeiro

Há na música de Gabriel O Pensador, desde seus primeiros discos, nos anos 1990, até “Antídoto pra todo tipo de veneno”, lançado sexta passada, algo típico de quem circulou, de quem viu e viveu seus temas — para só então cantá-los.

Vindo de família de classe média (que, ao longo do tempo, ascendeu para alta), com mãe jornalista e pai médico, Gabriel cresceu em endereços nas zonas Norte, Sul e Oeste do Rio. Conviveu com doidões e caretas, playboys e jovens de favela, atletas e desregrados. Sabe o que é o frisson da fama, mas segue com os pés no chão, como mostra nesta entrevista em sua casa, em São Conrado. Aos 49 anos, Gabriel destoa dos rappers e trappers da nova geração. Não bebe, não fuma, usa roupas simples (recebeu os repórteres de bermuda, chinelo e camiseta), não gosta de joias e não fala de ostentação em suas letras. Mas também não se coloca acima de ninguém que o faz: ao falar de seus pares, a fala é sempre mansa, comedida, respeitosa.

Ao longo das 12 faixas do novo trabalho (o primeiro desde “Sem crise”, de 2012), mostra que mantém a verve do cronista social, botando lente em esquizofrenias do nosso tempo, como em “Topo do mundo/Fundo do poço” e “Cachimbo da paz 2”, esta última com Lulu Santos e Xamã, lançada há um mês, na qual o rapper ressuscita o índio que “acende, puxa, prende, passa” e segue não entendendo nada. Mas também fala de coisas leves, como em “Liberdade”, que canta com o gaúcho Armandinho, e de coragem, como em “Nunca tenha medo”, que divide com Black Alien.

Gabriel O Pensador: 'Pessoas que deveriam ter vergonha de certos tipos de comportamento fazem coisas absurdas com orgulho' — Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Gabriel O Pensador: 'Pessoas que deveriam ter vergonha de certos tipos de comportamento fazem coisas absurdas com orgulho' — Foto: Leo Martins / Agência O Globo

Por que levou dez anos para lançar um disco novo?

Na época do “Sem crise”, resolvi fazer um disco caprichado, convidei Nando Reis, Flausino, Carlinhos Brown, que fizeram faixas legais. O álbum até foi bem, com “Linhas tortas” e “Solitário surfista”, mas, no geral, teve menos atenção. A sensação era de que eu deveria ter feito singles, que álbum já era, que tinha perdido tempo. E fui fazendo coisas que me davam satisfação, como livros e palestras. Mas, nessa coisa de fazer músicas, você vai acumulando ideias. A pandemia foi um período em que eu escrevi muito. Encontrei também um parceiro, o Kevin, produtor, que foi importante pra centralizar o processo.

Em “Cachimbo 2”, a sensação é de que o índio encontra um lugar pior do que ele havia visto na primeira música, de 1997. O cenário piorou?

Acho que sim. Só de certas coisas continuarem existindo, 27 anos depois, já é grave. E hoje a gente vê muito mais nítidas certas aberrações do comportamento humano, não só no Brasil. Pessoas que deveriam ter vergonha de certos tipos de comportamento fazem coisas absurdas com orgulho. E há problemas da Humanidade que a gente pensava que não ia ver, mas estamos vendo: tem uma Guerra da Ucrânia acontecendo. É surreal.

Você já disse que, apesar de levantar a pauta, não fuma maconha. Continua assim?

Continuo. E acho importante debater. Na primeira música, falava da discrepância de certos produtos serem legalizados e a maconha, não. Hoje a gente já vê que existem remédios feitos da cannabis, uma substância que tem seus efeitos como bebida, remédios, calmantes. Tem pessoas de várias gerações, várias profissões, que usam tranquilamente e trabalham bem, não se atrapalham com isso na vida. Isso já é bem sabido, falta a sociedade se atualizar.

Teve uma infância solta, permissiva?

Sim. Minha mãe é filha de professora com policial, na Tijuca. Meu pai era um gaúcho que veio morar no Rio aos 5 anos, se formou em Medicina com muita luta. Ninguém tinha um comportamento controlador, tudo cabeça aberta. Mudei muito de bairro porque minha mãe, como jornalista, foi mudando de trabalhos. Achei isso bom porque conheci pessoas de vários estilos, galera do surfe e do skate da Rocinha. Aí fui para a Barra, onde tinha a galera que eu critiquei, o playboy, a “loira burra”, mas fiz muitos amigos também. Eu era solto até demais, a gente se expunha ao perigo.

Teve a fase de pichador, né...

Nunca parei para analisar por que virei pichador. Num primeiro momento, tinha uma ligação com o grafite e a cultura hip-hop. Na rua em que eu morei no Humaitá, soube dos caras mais velhos que pichavam. Eu tinha 10 ou 11 anos. Quando fui morar na Barra, com 16, meu melhor amigo era negro, e ele sofria muito racismo, palhaçada idiota, bullying. Esse cara era ex-pichador, e resolvemos pichar. Numa dessas, fomos num baile funk na Cidade de Deus, estávamos na porta esperando para pichar um muro ao lado. Quando a gente acabou e virou, já tinha três carros de polícia pertinho da gente. Saímos correndo e os caras atiraram pra cima e pra gente. Joguei meu spray no chão no caminho. Mas os caras alcançaram a gente, fui algemado. Acharam que a gente estava com arma, que nós tínhamos dado um tiro que tinha rolado no baile. Nos levaram pra delegacia. Minha mãe foi lá com o marido, era o Marcos Paulo, diretor de TV. Meu pai chegou um pouco depois. Ele tomou um esporro do policial, ficou muito decepcionado comigo. Nunca mais pichei.

Quais os bastidores da censura de “Tô feliz (matei o presidente)”, seu primeiro hit?

Essa música caiu na mão do programador da RPC, uma rádio com muita audiência. Um cara botar aquilo no ar era uma coragem [na época, 1992, o então presidente Fernando Collor enfrentava escândalos de corrupção]. Ele tocou, e lembro de me falarem que desbanquei a Madonna do primeiro lugar, todos os ouvintes pedindo. Quando procurei outras rádios, os caras falavam: “não precisa mandar, não”. E aí parou de tocar na RPC. Fui perguntar e o cara disse a verdade: “Olha, a Radiobrás (atual EBC) mandou um comunicado pra todas as rádios avisando que quem tocar a sua música vai sofrer uma devassa fiscal, nem adianta que ninguém vai tocar”. Isso me motivou a denunciar a censura. Repercutiu.

Ao contrário de muitos dos seus colegas, você nunca foi de ostentar. Como vê isso?

Faz parte da cultura hip-hop, rappers americanos faziam isso desde o início. O que era compreensível, como ainda é, uma autoafirmação de quem não tinha nada. LL Cool J usava cordãozão de ouro, o Ice T também, tinha um vídeo em que ele jogava dinheiro pra galera, abria champanhe. Queriam mostrar que negro do gueto poderia chegar lá. Mas tinham conteúdo nas letras. Não era sobre a Gucci. Isso está passando um pouco do ponto. As pessoas poderiam aproveitar seu espaço para falar coisas interessantes, inspirar seus ouvintes a mudarem suas realidades. Só ostentação fica meio vazio, cansativo. É uma riqueza que empobrece intelectualmente.

Mais recente Próxima Hugh Jackman e esposa colocaram mansão de R$ 17 milhões para alugar antes do divórcio; veja fotos
Mais do Globo

Atleta foi perdoado pela companheira após criar uma 'família paralela' com influenciadora

Eurocopa: Presença de amante de Walker, que traiu mulher grávida, gera tensão para a Inglaterra antes da final

Segundo a denúncia, os abusos ocorreram em um quarto de hotel na cidade de Mendoza, na noite seguinte à vitória da seleção francesa sobre os Pumas. Os dois atletas foram transferidos de Buenos Aires

'Eu pedi por favor': o dramático testemunho da mulher que denunciou os jogadores de rugby franceses por estupro

Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso foram alvos de esquema de espionagem durante presidência de Jair Bolsonaro

Abin paralela: ministros do STF classificam ação clandestina contra integrantes da Corte como 'grave'

Último encontro do colegiado foi realizado em novembro do ano passado

Comissão do Congresso que investigava ‘Abin paralela’ não realizou sessões em 2024

Gerente de operações vai receber R$ 20 mil da Localiza Rent Car

Cliente vai ganhar indenização de locadora após ser detido com carro roubado

No futuro, homem passará por novo procedimento, já que, com o impacto, parte do crânio foi quebrada, e fragmentos foram retirados

Após cirurgia para tirar estaca da cabeça de carpinteiro, médicos projetam os próximos passos; entenda