Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Quando uma nova ópera brasileira tem a chance de estrear, algo deve ser comemorado. Não é fácil a nossa relação com o gênero, e, se é verdade que aqui nasceu um Carlos Gomes, também é verdade que seu sucesso condenou a arte lírica brasileira, por muito tempo, a não falar português. Felizmente, vive-se uma ebulição recente em torno de uma ideia de ópera brasileira, com excelentes resultados. Não é o caso, porém, deste "Isolda/Tristão", obra composta por Clarice Assad sob libreto de Márcia Zanelatto e que forma com "Ainadamar", do argentino Osvaldo Golijov, um programa duplo desequilibrado.

De cara, pensa-se: é preciso enorme coragem para "responder" o "Tristão e Isolda" imortalizado por Richard Wagner, propondo qualquer tipo de contraposição ou transferência de ângulo. Mas é o menor dos problemas: é bastante salutar que artistas proponham certas ambições, antecipando até por qual régua pretendem ser medidos em público. A questão deste Isolda/Tristão é que a dramaturgia vinda do libreto de Márcia Zanelatto é demasiado pedestre para as ambições do título, reduzindo-o a um panfleto em prol dos refugiados que se sobrepõe a um arremedo de história de amor. Um dos males da nossa era de hashtags é que a arte de fundo político se transformou numa política que finge ser arte, como se a mensagem justificasse tudo e blindasse a falta de sutileza, de artifício, de enredo e até mesmo de humor.

É o caso aqui. Como em Wagner, Tristão (o ótimo tenor ligeiro Daniel Umbelino, ainda que pouco exigido) volta à missão de buscar Isolda (Melina Peixoto, soprano) para levá-la ao seu marido, o rei Marcos (Sávio Sperandio, baixo-barítono, em soberba caraterização). Seguindo o script, Tristão se apaixona por Isolda, que neste conto é uma fortaleza moral em defesa de um campo de refugiados, no qual perde a mãe - mezzo Luciana Bueno, que apresentou uma voz particionada em dois instrumentos pouco homogêneos, um grave e um agudo. Para sair dali, Isolda exige do rei Marcos uma atitude para resolver a questão da fronteira.

Mesmo assim, Tristão volta a Marcos de mãos vazias, tendo perdido Isolda num naufrágio. E ainda assim se sente na obrigação de confessar que se apaixonou por ela, que ninguém sabe por onde anda. A cena constrange pelo que tem de absolutamente incompreensível como conflito.

"Isolda /Tristão" escapa de ser uma total perda de tempo graças ao apuro visual que a embalou e ao talento musical de Clarice Assad. A compositora respondeu a encomenda do Municipal de São Paulo com uma partitura tonal de fortes efeitos e capricho na escrita vocal. Se a música bebe de influências folclóricas europeias, o português que se canta - nas árias de Marcos, Isolda e Tristão e nos duetos - é cristalino, respeita a prosódia da fala brasileira e não aspira a ser qualquer outro idioma. Os momentos corais têm vigor, força e beleza dramática, desde o início, com o Coro dos Refugiados, que se repetirá ao fim. Há ainda um respeitável coro à capela, que merece entrar no repertório de concerto e que foi graciosamente defendido pelo Coral Paulistano. Musicalmente, a obra revela muita personalidade para essa primeira incursão de Assad no gênero operístico. A única ressalva na partitura é o emprego de um kit de bateria que, embora aplicado para injetar tensão no drama, pouco acrescentou à Orquestra Sinfônica do Municipal, bem conduzida por Alessandro Sangiorgi.

Em cena, a direção de Guilherme Leme Garcia (sim, o outrora ator Guilherme Leme) é consciente dos limites dramatúrgicos da obra, mas acaba obtendo resultados elogiáveis graças ao bom gosto da direção de arte e videodesign de Rogério Velloso, que projeta desertos e um naufrágio bem resolvido sobre a cenografia minimalista de Mira Andrade. O conjunto visual segura o interesse, e o figurino de João Pimenta compõe o painel situando a obra num tempo e num espaço mitológico.

É curioso que "Ainadamar", estreada em 2003, venha logo depois. Em 2015, a obra de Golijov já havia se beneficiado no Municipal de São Paulo por dar sequência a uma outra peça de enredo desinteressante, "Um Homem Só", composta por Mozart Camargo Guarnieri sobre texto tediosamente panfletário de Gianfrancesco Guarnieri. Depois de tanto tédio, "Ainadamar" soa absolutamente refrescante, embora prolixa.

Dificilmente haverá como esquecer o coro de abertura "Ay, qué día tan triste en Granada/ que a la piedra hacían llorar", por onde Golijov começa a costurar as histórias de três vidas: a partir dos últimos dias da vida da atriz Margarita Xirgú (Marisú Pavón), passados no Uruguai, o libreto reconta sua relação com o poeta Federico García Lorca (cantado pela mezzo Denise de Freitas, positivamente irereconhecível no papel) através de um dos mais célebres personagens de seu teatro: a revolucionária Mariana Pineda, heroína espanhola do início do século XIX. Na récita do dia 17, completaram o conjunto de cantores principais Lina Mendes (soprano, no papel de Nuria) e o cantor flamenco Flávio Rodrigues, que se alterna com Alfredo Tejada como o militar Ruiz Alonso, que quer prender Lorca.

De forte colorido andaluz, as imagens propostas pelo libreto de David Henry Hwang permitem um conjunto de dança muito orgânico à obra, coreografado por Fábio Rodríguez. Dirigido por Ronaldo Zero, o espetáculo reconfigura elementos da encenação de 2015, concebida por Caetano Vilela. Brilham aí a cenografia de Nicolás Boni, com um painel hipnótico com o rosto de Lorca, e os figurinos de Olintho Malaquias. É uma pena que a ópera de Golijov se alongue demais, porque o design de luz de Wagner Antônio perde impacto depois de ter abraçado lindamente a lua cenográfica. Novamente, o conjunto regido por Alessandro Sangiorgi se mostrou rico em fluência e nas dinâmicas oníricas de Golijov, ainda que muitos elementos tenham sido emitidos por programação sonora e amplificação. Todos os cantores, tanto em "Ainadamar" quanto em "Isolda/Tristão" cantaram amparados por microfones.

Cotação: Razoável.

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