Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Péricles pertence a uma geração que cresceu ouvindo o clássico machista “homem não chora”. Hoje, aos 54 anos, o que mais ele vê é marmanjo indo às lágrimas na fila do gargarejo de seus shows. Foi o samba que ensinou uma das maiores vozes do pagode romântico do Brasil a ter coragem de expor seus sentimentos.

E não foi nada fácil se assumir um emocionado numa sociedade que questiona a masculinidade cada vez que um homem demonstra afeto. Falar de amor por meio da música, conta Péricles, serviu como ponto de virada na dinâmica patriarcal em que foi criado.

Péricles: 'Perdi 50 quilos. Não conseguia fazer um show de duas horas em pé' — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães
Péricles: 'Perdi 50 quilos. Não conseguia fazer um show de duas horas em pé' — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães

— O pagode deu uma contribuição enorme para que aquela couraça do homem indestrutível caísse por terra. Me permitiu dizer eu te amo para o meu filho, para a minha esposa, para a minha mãe, me declarar para um amigo — enumera. — Fez a gente falar mais e melhor de amor e também praticar esse amor. Tudo isso me ajudou na adolescência. Sou desses que cresceu ouvindo que homem não chora e, como filho mais velho, tinha a coisa do exemplo.

Principalmente, ele acrescenta, “enquanto homem negro da periferia, que tem que responder mais ainda a uma sociedade”. Viver num ambiente artístico lhe possibilitou explanar com tranquilidade sua sensibilidade e o transformou “no cara que sou hoje”.

— O resultado foi tão bom e libertador que não queria que ficasse só na minha experiência. Então, procuro dividir.

É o que ele faz, mais uma vez, ao lançar, nessa quinta-feira (5), o disco “Calendário”, que tem o amor como tema central. Para o cantor e compositor paulista, nascido em Santo André, “nunca foi tão urgente falar de amor”.

— Vejo as pessoas cada vez mais tristes, sozinhas. Não compartilham suas felicidades com amigos, não comemoram vitórias. É para esse povo que escrevo. Estão desistindo muito fácil do amor.

A capa do disco "Calendário", que Péricles lança sexta-feira — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães
A capa do disco "Calendário", que Péricles lança sexta-feira — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães

No fundo do poço, tem mola

Ele se refere à recente onda de separações de celebridades, que observa com um aperto no peito.

— É triste, né? Mas é a hora de ouvir Xande de Pilares cantando “erga essa cabeça/ mete o pé e vai na fé/ manda essa tristeza embora”. Porque amanhã é outro dia.

Péricles diz se inspirar mais no amor que dá certo. Mas reconhece que o público o elegeu como alguém que canta mais as dores do que as delícias das relações. Gente que chega perto dele para desabafar e contar que “bota os bofes para fora” embalada pelas sofrências compostas pelo artista.

— As pessoas têm preferido sofrer, mas de peito aberto, com uma cervejinha na mão, no pagode. Sofre aquele tanto, chora, desabafa e vida que segue. Eu digo: "No fundo do poço tem mola". Acho que esse é o maior estímulo.

Péricles fala do alto da experiência de quem, como diz um dos maiores hits do Exaltasamba, grupo do qual foi um dos fundadores e permaneceu por 26 anos, já se apaixonou pela pessoa errada...

— Quem nunca? Foi uma das primeiras relações, no começo da adolescência, uma menina da escola. Foi horrível. Mas ao mesmo tempo em que me senti rejeitado, esse pé na bunda me jogou para frente, fez com que me tornasse o compositor que sou hoje — lembra ele que, inspirado pelo fora, compôs “Um novo amor”, gravada pelo grupo Katinguelê.

Falando em composição, desde agosto Péricles vem lançando uma música por semana. São as canções que chegam agora, juntas, no novo disco. Segundo ele, a estratégia foi uma maneira de “manter o trabalho efervescente”.

— Lançar de uma vez faria perder o brilho. Assim, é como esperar o capítulo novo de uma série olhando no calendário. Por isso o nome do disco, que também serve para quem espera ansiosamente o dia de encontrar novamente o seu amor.

O trabalho traz uma bonita homenagem a Rita Lee (“que influenciou minha carreira e trajetória”). É uma versão de “Desculpe o auê”, que promete virar chiclete (ele dá uma palinha no vídeo desta entrevista). Tudo começa em ritmo de bossa nova até desaguar... no pagode.

— Sempre imaginei que essa música fosse um samba. E o arranjo da nossa versão foi pensado para quem gosta de samba e não sabe. A pessoa ouve um pouquinho e fica querendo saber onde vai dar aquilo. Vai ouvindo e, quando vira pagode, já está pega, caiu na armadilha, está tomada.

Para Péricles, cabe tudo no pagode.

— Vejo samba em tudo. O piseiro, por exemplo, é uma grande roda de samba disfarçada. Bossa nova é samba, os sambas enredos mais antigos estão nas rodas — lista ele, comentando o disco em que Xande de Pilares canta Caetano Veloso e o fato de o repertório de Djavan estar na boca do povo nos batuques. — Acho ótimo. Meu trabalho tem essa cara de não permitir que a gente se tranque em caixinhas. Quanto mais barreiras a gente quebrar, melhor para todo mundo.

Derrubar muros é com ele mesmo. Péricles vem furando a bolha há 11 anos, desde o fim do Exaltasamba, quando partiu em carreira solo e virou exemplo de artista que soube se reinventar. Sem deixar de carregar e de se servir do passado. Tanto que parte de seus show é sempre dedicada ao “pagode anos 90”, que ressuscitou de vez nas rodas, com o repertório do Exalta em destaque.

Após se descolar do grupo, Péricles se destacou na Dança dos Famosos e integrou o elenco fixo do “Esquenta”. Em 2018, criou a Faria’s produções, se tornando seu próprio empresário e tendo sua companheira, Lidiane Faria, como CEO da empresa. Realizou o sonho de ser um dos intérpretes oficiais do samba da Mangueira e teve o álbum “Em sua direção” indicado ao Grammy Latino.

Na pandemia, suas lives viraram um dos assuntos mais comentados no Twitter. Estampou ainda o telão na Times Square, em Nova York, durante a divulgação do time internacional do Black Voices, projeto do Youtube que ele considera fundamental para essa quebra de barreiras. Ainda se arriscou como ator no filme “Barraco de família”, experiência que repetiu na série ainda inédita “Candelária”, da Netflix.

— Essa mosquinha me pegou, me deu vontade de estudar para ser ator.

Péricles: 'As pessoas têm preferido sofrer, mas de peito aberto, com uma cervejinha na mão, no pagode' — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães
Péricles: 'As pessoas têm preferido sofrer, mas de peito aberto, com uma cervejinha na mão, no pagode' — Foto: Divulgação / Rodolfo Magalhães

'Com o meu biotipo, faço mais campanhas publicitárias do que sonhei'

As músicas de Péricles estão na ponta da língua de todo tipo de público. Uma plateia que ele não para de renovar. Prova disso é o vídeo que viralizou semanas atrás, em que uma jovem fã pede que o cantor dê uma palinha de “Até que durou” — no maior bom humor, o artista a atende no ato.

Os números também provam que ele canta para cada vez mais gente. No Spotify é um dos artistas mais ouvidos do pagode. Soma 6,4 milhões de ouvintes mensais e 2,2 milhões de seguidores. No Youtube, são 1 bilhão de visualizações e 2,5 milhões de inscritos. Já no Instagram, tem 6,1 milhões de seguidores, enquanto no Tik Tok, 2,1 milhões.

Recentemente, Péricles foi atração dos festivais pops Doce Maravilha e Coala. Se restava alguma dúvida, ali ele atravessou de vez o túnel do preconceito.

— Ainda existe preconceito, mas já foi muito pior. Nossa música tem feito parte de trilha sonora de novela, filmes... Digo que existem dois tipos de brasileiro: o que gosta de pagode e o que ainda não sabe que gosta — brinca.

Realidade que também pode ser creditada, em parte, à injeção de ginga que Péricles ganhou no palco. Até pouco tempo, ele só fazia shows sentado. Por causa de seu peso, não aguentava duas horas em pé. Nos últimos anos, perdeu nada menos do que 50 quilos, o que impactou diretamente em sua performance em cena. Agora, com seu 1m,90cm, faz até coreografias.

— A dança me ajuda a trazer o público para perto. As pessoas imaginam: “Se ele faz, eu também faço”. E, aí, todo mundo dança — acredita o cantor, que foi chamado de “gostoso” pela cantora Camila Cabello, quando a cubana assistiu a um vídeo em que ele interpreta “Havana”, música dela. — Aquilo foi um golaço. Hoje, com o meu biotipo, faço muito mais campanhas publicitárias do que sonhei fazer um dia. Minha imagem atrelada a produtos é uma realidade.

O vozeirão do artista também ganhou com o corpo mais enxuto.

— Eu tinha refluxo, e isso prejudicava muito a voz. Agora, não tenho mais — revela Péricles, que conta com acompanhamento de fonoaudiólogo e otorrino, não bebe gelado, diminuiu consideravelmente a ingestão de álcool e luta para conseguir dormir mais do que tem dormido.

O nascimento da filha, Maria Helena, de 3 anos (ele já era pai de Lucas, de 30), também foi um estímulo para adotar uma vida mais saudável.

— Eu pensava: “Bicho, para eu poder rolar no chão com minha filha, preciso ter disposição” — conta ele, acrescentando que a companheira, Lidiane, foi grande incentivadora. — Ela me fez olhar para mim, perceber que cuidei de muita gente e me deixei em segundo plano.

O casal chegou a sofrer gordofobia ao postar fotos sensuais, em que se beijavam.

— Procurei não prestar atenção nos comentários negativos. A maioria era em busca de atenção. Muita gente viu que me ofendendo não ia conseguir nada. Enfrentei muita coisa por causa da gordura. Precisei acreditar em mim para que outros acreditassem. E esse ato foi fundamental para hoje eu ser um artista melhor.

Artista citado por colegas de profissão como “o melhor cantor do Brasil”, como definiu a cantora Liniker no show dos dois no Doce Maravilha. O que Péricles acha disso?

— A responsabilidade só aumenta. Acho que o melhor cantor do Brasil é aquele que emociona a gente. Ainda coloco Roberto Carlos nesse lugar. Quando o vi pegando o violão e cantando “Detalhes” em um show... Não tinha uma pessoa sequer sem se emocionar — lembra. — Mas há outros que conseguem isso: Frejat, Luan Santana, Ivete, Marisa Monte, Alcione, Caetano, Bethânia, Djavan, Gil, Emicida, Mano Brown, Edi Rock, Nando Reis... Para mim, esse é o panteão que me emociona.

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