Cultura
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Por — Rio de Janeiro

Há um ponto em que as pesquisas que tornaram Sidarta Ribeiro um best-seller no mercado editorial brasileiro se desencontram com seu novo livro: é que a maconha pode prejudicar nossa capacidade de lembrar dos sonhos.

Já para muitas outras finalidades, “As flores do bem” (Fósforo Editora) comprova o impacto positivo da cannabis — e não apenas para tratar doenças. A publicação, que Sidarta chama de uma “reflexão autobiográfica” sobre a maconha, relembra o início de seu cultivo, há 12 mil anos na China; aborda a importância de ativistas, pesquisadores e associações para sua liberação; critica a política de combate a drogas importada dos Estados Unidos; elenca benefícios contra distúrbios de naturezas distintas, de depressão a câncer; e revela que o próprio autor conseguiu autorização judicial para plantar e há três anos trata ansiedades e dores articulares com óleo de cannabis.

Sidarta é neurocientista e biólogo, pós-doutor em neurofisiologia pela Universidade Duke e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em 2019, ele se tornou conhecido Brasil afora pelo livro “O oráculo da noite” (Companhia das Letras), em que traduziu as pesquisas sobre os sonhos para uma linguagem acessível a leitores não acadêmicos. Desta vez, no entanto, seu olhar se voltou para um tema que é alvo constante de desinformação e que gera mais fumaça, literal e metaforicamente, do que um sonho.

A maconha, portanto, é o assunto desta entrevista de Sidarta ao GLOBO, realizada por videoconferência.

Eu acho que nunca tinha visto uma saída do armário em relação à maconha com tantos argumentos como você fez no livro.

É um livro em que eu conto um caminho, né? Um caminho que me levou de ser totalmente contra para ser uma pessoa que defende.

Se mais gente assumisse o uso de maconha, ajudaria na quebra do preconceito?

Já está acontecendo. Você vê, por exemplo, o Nelson Motta, com quase 80 anos, falando claramente que tem um hábito diário há 50 anos. Então é chegado este momento de as pessoas poderem cada vez mais se posicionar. Um dos objetivos do “As flores do bem” é justamente motivar as pessoas, com bons argumentos.

Maconha — Foto: Pixabay
Maconha — Foto: Pixabay

No livro, você diz que o maior risco da maconha é ela ser proibida. Por quê?

Uma pessoa não morre de overdose de maconha, isso não existe. A maconha não é veneno, é remédio, ressalvando os casos em que há grupo de risco. Já a guerra às drogas mata potencialmente qualquer um. A Ágatha Félix (menina de 8 anos atingida por um tiro de fuzil de PM numa favela do Rio em 2019) foi morta indo para a escola numa kombi, ao lado da mãe. E qual é a justificativa? Do que a sociedade está sendo protegida? É o contrário, há uma desproteção gigantesca em várias dimensões.

Essa desproteção é maior para pessoas pobres e negras, como a Ágatha?

A guerra das drogas na verdade é uma engrenagem ideológica de uma guerra contra os negros e os pobres. Essa guerra vem dos Estados Unidos e traz em seu bojo uma geopolítica, um direito de intervir. O direito que a polícia tem de matar uma pessoa desde que ela seja chamada de traficante é o mesmo direito que os EUA tiveram de financiar e organizar operações militares na Colômbia ao longo de décadas. E por que a gente não muda esse destino enquanto é tempo? O Brasil vem se tornando cada vez mais violento, e o problema das drogas apenas cresce. A guerra às drogas não conseguiu reduzir o consumo nem mitigar o crescimento de facções criminosas.

Você conseguiu autorização na Justiça para plantar. Então a maconha que você consome é legal e de procedência conhecida. Mas você mesmo escreve no livro que a estratégia de judicialização não atende a maioria. Como é para quem não tem essa possibilidade?

São muitos riscos. O primeiro é que a pessoa está entrando em contato com um uma economia clandestina, em que impera a violência. Além disso, ela vai comprar algo que não sabe exatamente o que é, não sabe a composição. se tem contaminantes ou fungos. Então são várias camadas de desproteção social. E tem também um problema psicológico, porque as pessoas que consomem maconha sob a proibição da maconha estão sempre com a pulga atrás da orelha, sempre com medo. E esse medo é adoecedor, ele causa sofrimento psíquico.

O governo Lula aparenta mais disposição para debater pesquisas com maconha e até a legalização do que o governo Bolsonaro?

No governo Bolsonaro, o que foi feito na prática foi promover um oligopólio de grandes corporações que importam o insumo. E o Brasil poderia estar exportando o insumo. Então vejo com com bons olhos que o governo Lula é muito mais aberto. Mas eu temo, sobretudo pelo Congresso, que na tramitação do PL 399 (projeto de lei que trata da comercialização de medicamentos à base de cannabis) as associações sejam prejudicadas. Temos que lembrar que foram os cultivadores clandestinos que, em ato de solidariedade, ofereceram remédio a preço de custo ou grátis para crianças epilépticas e com outros quadros nos últimos dez anos. Então a gente precisa de um mercado diverso, com microempresas e startups. As favelas têm que participar. Como é que as favelas, que pagaram o preço da guerra às drogas, não vão se beneficiar desse mercado quando ele se tornar legal?

É possível dizer o quão mais barato ficaria a maconha no caso da legalização?

O que tem na farmácia são 30 ml de um spray, que custa R$ 2.500 ou R$ 3 mil. O que as associações estão oferecendo é alguma coisa na ordem de R$ 200 a R$ 300, às vezes um pouco menos. Já se a pessoa for fazer isso em casa, o custo pode ser na ordem de R$ 100 ou menos. E vamos pensar que isso poderia estar no SUS, poderia estar na Farmácia Viva, que a Fiocruz poderia avançar na produção do óleo com plantio no Brasil. Aí a gente pensa em escalas que podem baratear muito mesmo o preço.

O apoio ao uso da cannabis medicinal tem se ampliado muito, o que reflete em liberações legais para seu uso. Mas é correto desassociar a discussão da maconha medicinal e da recreativa?

Acho que estamos agora num ponto de virada. Há dez anos, havia uma maioria consolidada contra a cannabis em qualquer forma, independentemente da finalidade. Hoje a gente está nesse momento estranho em que cerca de 75% das pessoas, segundo a última pesquisa do Datafolha, são a favor da cannabis medicinal e são contra a recreativa. Mas, se mais gente entender que maconha é um excelente remédio para um monte de coisas, o preconceito vai diminuir. E aí o que resta? Eu acho que é muita culpa cristã. Por que eu posso usar para mitigar uma dor ou uma inflamação, mas não posso usar para ouvir música? Essa distinção é artificial. Será que nossos ancestrais estavam preocupados em demarcar a diferença? Por que o prazer é ruim?

Um ponto importante do livro é a diferenciação do uso da cannabis entre jovens e adultos. Por que ela é desaconselhada para jovens?

A gente tem muitos estudos dessas diferenças entre jovens e adultos. O uso abusivo de maconha pode favorecer a síndrome amotivacional, que por sua vez pode prejudicar o desempenho acadêmico e também pode ter relação com ansiedade e depressão. Então jovens devem evitar a maconha, com exceção de casos de recomendação médica. Da mesma forma como devem se abster do consumo de álcool e da nicotina. É bem claro hoje que a maconha é uma revolução para a geriatria, para a qualidade de vida das pessoas mais velhas. Mas, para os jovens, quanto mais tarde, melhor. A maconha ajuda a desorganizar as ideias, e isso é genial. Mas, para você desorganizar as ideias, você precisa antes ter as ideias organizadas.

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