Cultura
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Evanildo Bechara prepara a sua aposentadoria de pouco em pouco, como se a adiasse ao máximo. Aos 95 anos, o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) alcançou um status de astro pop no mundo da filologia e da gramática. Sua influência continua sendo sentida em diferentes gerações de pesquisadores e professores da área. Quando ainda tinha saúde para viagens mais longas, o filólogo lotava plateias em suas palestras na Europa e no Brasil, que não raro terminavam com filas para selfies.

Nos últimos tempos, Bechara vem se afastando de suas funções como presidente da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, que, além de compilar novos vocábulos, também produz o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e o Dicionário da Língua Portuguesa (DLP), disponíveis no site da instituição. Enfrentando problemas na vista, o recifense radicado no Rio desde 1939 decidiu que este será seu último ano à frente do setor. Não se trata, porém, de um adeus: ele seguirá como consultor informal para questões mais complexas.

Sempre ativo, Bechara não costuma faltar aos chás das quintas-feiras na Casa de Machado de Assis. Ele também está terminando de revisar e reeditar todos os seus livros pela Nova Fronteira. Chegam agora às livrarias “Lições de português pela análise sintática”, um clássico manual de análise sintática adorado por professores; e uma edição comemorativa de “Primeiros ensaios sobre língua portuguesa”, sua estreia na publicação de cunho científico.

Lançada originalmente em 1954, a obra atesta a longevidade de seu autor. Traz o seu primeiro ensaio, "Fenômenos de entonação", escrito quando ele tinha apenas 17 anos de idade. Desde então, são quase oito décadas de dedicação à língua portuguesa.

— O trabalho é muito e a vida é curta —define Bechara. — Quando você olha, já está prestes a se aposentar. Estou com um dificuldade de leitura e, automaticamente, com dificuldade de expandir aqueles pontos em que me especializei. Agora, minha atividade como repercussão se manifesta nos meus alunos.

Ex-professor titular da UFF e da Uerj, Bechara resume a sua contribuição para a gramática e a filologia:

— Em primeiro lugar, foi a sistematização. Porque havia muita informação separada, mas não havia um trabalho de conjunto. Minha preocupação foi estabelecer um relacionamento entre a pesquisa científica e os resultados dessa pesquisa na orientação dos livros didáticos.

Léxico do Waze

A idade acentuou o lado “cientista” e professoral de Bechara, que adota um tom técnico na conversa até mesmo diante das perguntas mais pessoais. Qual o seu tipo preferido de leitura?

— A minha leitura está dividida em duas parte, a científica e a literária, estabelecendo uma relação de causa e efeito entre elas — responde.

Gosta de passear?

— Ou você se dedica a passear, ou se dedica a se aperfeiçoar cientificamente.

Ainda adolescente, Bechara descobriu a lexeologia, área que estuda tanto o léxico de uma língua quanto o contexto histórico e cultural em que ela é falada. Um “novo mundo” se abriu para o pernambucano, que se mantém atento às metamorfoses do nosso idioma. Seu colega de ABL, o filólogo Ricardo Cavaliere lembra de quando deu carona para o mestre e este encucou com os estrangeirismos do aplicativo de navegação Waze instalado no veículo.

— A vozinha do Waze avisou que havia um radar de velocidade “reportado” à frente — lembra Cavaliere. — “Esse ‘reportado’ é uma importação, né?”, notou Bechara. A voz teimava em repetir a palavra, e ele começou a implicar: “Será que ela não vai parar de falar nunca?”

Para o filólogo, vale ressaltar, estrangeirismos não são um problema por si só. A questão é como eles entram em nossas vidas. E, no Volp, Bechara ajuda justamente a decidir quais novas palavras, importadas ou não, merecem um lugar no dicionário.

— Língua é uso — diz Bechara. — Não é algo abstrato, mas, sim, algo que se concretiza no falar das pessoas.

A última edição do Volp viu a entrada de mais de mil vocábulos. Algumas soam muito distantes do universo de um senhor de 95 anos, como “dorama”, derivado da palavra drama em japonês.

— Muitas palavras novas parecem estranhas no início — diz a lexicógrafa Shahira Mahmud, chefe da Comissão Lexicologia e Lexicografia. — Ontem, às 20h30, liguei para o professor Bechara para discutir a palavra “subcelebridade”. E, pesquisando nos jornais, percebemos que o seu uso se tornou comum.

'Senhor Volp'

Bechara presidiu a comissão de 2017 a 2023, mas é membro dela desde 2002. Um dos momentos mais marcantes do filólogo foi a quinta edição do Volp, lançado em janeiro de 2009. Bechara teve apenas três meses para adaptar o dicionário às normas do novo Acordo Ortográfico, promulgado em setembro do ano anterior. O prazo para adotá-lo ia até 2012, mas a ABL decidiu se adiantar, confiando na capacidade do filólogo. Segundo o acadêmico Domício Proença Filho, a edição foi determinante para a aceitação do acordo no país.

— Todo mundo no Brasil passou a adotar o acordo depois disso — diz Domício. — Foi um trabalho hercúleo de Bechara, feito em tempo recorde, e que coroou a sua careira. Depois disso passei a chamá-lo de Senhor Volp.

Em busca de um sucessor

Embora aberto a novidades, Evanildo Bechara diz se esquivar das teorias que “não chegaram à sua geração de professor”. É o caso, por exemplo, da linguagem neutra, fenômeno que considera mais de “opinião” do que de ciência.

— Não me meto (nas novas teorias) porque o campo em que estou metido já é muito amplo — diz. — Essas atividades vão caber a uma nova orientação.

Este ano, Bechara se esforçou para eleger um sucessor dentro da ABL. Segundo os acadêmicos, ele foi fundamental no ingresso de Ricardo Cavaliere, que sucedeu a pesquisadora de literatura portuguesa Cleonice Berardinelli no quadro de imortais. O filólogo de 70 anos chegou para garantir a continuação do trabalho na Comissão de Lexicologia e Lexicografia. O apoio de Bechara teve mais peso do que o forte clamor popular pelo rival de Cavaliere para a vaga, o quadrinista Mauricio de Sousa.

— É impressionante o prestígio internacional de Bechara, não há um lugar com filologia que não conheça o seu nome — diz Cavaliere. — Já testemunhei fatos ímpares de tietagem a ele em países como Portugal e Alemanha, onde foi professor. Bechara não parou no tempo e por isso é admirado tanto pelas pessoas da sua geração quanto pelos jovens pesquisadores. Ele uniu talento e longevidade, produzindo muito bem por muito tempo.

Bíblia dos mestres

O mestre deve parte dessa popularidade à sua obra mais conhecida, “Lições de português pela análise sintática”, que ganha agora a sua 21ª edição. De reimpressão em reimpressão, o livro virou uma espécie de assistente dos professores. Trazendo uma seleção de exercícios que vão do simples ao complexo, ela serve como um manual de aperfeiçoamento na prática de conceitos fundamentais da sintaxe.

— Esse livro é a obra de um professor para professores — diz Cavaliere. — É a experiência da sala de aula, porque organiza a apresentação dos temas da análise sintática de maneira a facilitar o trabalho do professor no cotidiano. Por isso fez muito sucesso e virou referência.

O preferido de Bechara para assumir seu lugar à frente da comissão é o filósofo e colega de fardão Arnaldo Niskier, de 88 anos. Ao que tudo indica, o acadêmico deverá ser oficializado em breve na função.

— Bechara é uma figura imprescindível — diz Niskier. — Os dicionários da ABL são instrumentos de valorização do nosso idioma e eles precisam da contribuição de Bechara, que deverá continuar nos assessorando, com Cavaliere na comissão.

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